Desvairadas: histórias de pessoas LGBT em Florianópolis, capital de Santa Catarina (2014)
Este livro-reportagem foi produzido de maneira independente e apresentado como TCC do curso de Jornalismo da UFSC em 2014, com o intuito de oferecer narrativas jornalísticas sobre pessoas LGBT que fujam do olhar de exotificação e patologização habitualmente encontrado em reportagens dos meios de comunicação hegemônicos. Por esse motivo, a reprodução deste material é livre e fortemente estimulada.
Este livro-reportagem foi produzido de maneira independente e apresentado como TCC do curso de Jornalismo da UFSC em 2014, com o intuito de oferecer narrativas jornalísticas sobre pessoas LGBT que fujam do olhar de exotificação e patologização habitualmente encontrado em reportagens dos meios de comunicação hegemônicos. Por esse motivo, a reprodução deste material é livre e fortemente estimulada.
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tende a mão e diz: “Pode deixar os folhetos aqui. Só não vou
poder entregar, que depois não fica ninguém no balcão”.
“Não tem problema.”
“Então tá”, sorri de novo. “Obrigada, viu?”
A mulher ainda segura o panfleto entre as mãos quando
Kelly deixa o recinto. O relógio marca sete horas e quinze minutos
e toda a lista de casas de prostituição já foi preenchida.
O sol foi embora de vez, a temperatura caiu pelo menos dois
graus e as portas de correr das lojas foram fechadas e cadeadas.
Kelly pensa na noite que virá. Os pés doem e apertam
dentro dos sapatos novos enquanto caminha. Espera um momento,
retoca o batom vermelho, ajeita o cabelo e segue para
o terminal de ônibus, a caminho do continente.
*
É preciso passar por mulher.
A pele é marcada com lápis de olho e então perfurada por
diversas agulhas de uso veterinário, sem assepsia ou anestesia
prévia. As seringas estão cheias de silicone – não as sólidas
próteses de silicone utilizadas nas cirurgias plásticas, mas o silicone
industrial, substância barata para limpar painéis e pneus
de carro e impermeabilizar azulejos. O líquido começa a fluir
sob a pele, acumulando-se em montículos esparsos. Quando a
seringa cospe a última gota, as agulhas são retiradas.
É preciso ser uma mulher bela.
Enxugam-se os minúsculos veios de silicone industrial
que brotam como nascentes dos pontos onde a pele foi penetrada.
Os orifícios abertos pela agulha são fechados com
esmalte de unha ou cola tipo superbonder. É hora da massagem:
com movimentos firmes e precisos das palmas da mão,
os montículos de silicone vão ganhando forma, moldando-se,
ajudando a encorpar os seios, nádegas e coxas das travestis
que não podem pagar por procedimentos estéticos em clínicas
particulares.
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