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CITOLOGIA<br />
A rotina do laboratório de citopatologia<br />
no contexto da pandemia do COVID-19<br />
Prof. Dra. Lisiane Cervieri Mezzomo<br />
O Coronavirus recebeu esse nome em virtude<br />
da forma de coroa da proteína na sua superfície,<br />
identificada pela técnica de microscopia eletrônica<br />
de transmissão. É um vírus envelopado, que<br />
contém uma fita de RNA. Seu tropismo tecidual<br />
específico, infectividade e variedade de espécies<br />
são conferidos por essa proteína, que interage<br />
com um receptor celular específico, a enzima<br />
conversora de angiotensina 2 (ACE2), presente<br />
nas células endoteliais arteriais e venosas, epitélio<br />
intestinal e respiratório. No trato respiratório,<br />
está presente nas células ciliadas do epitélio<br />
bronquial, alvéolos, traquéia, monócitos e macrófagos<br />
alveolares1. Em virtude desse tropismo<br />
pelo tecido respiratório, o vírus pode ser isolado<br />
de saliva, da nasofaringe e do trato respiratório<br />
inferior.<br />
O papel do laboratório de citopatologia frente<br />
a um paciente suspeito ou diagnosticado com<br />
COVID-19 é limitado. Em analogia ao manejo<br />
de outras doenças similares como a SARS-COV<br />
(Síndrome Respiratória Aguda Grave), resume-<br />
-se em descartar infecções pulmonares sobrepostas<br />
em amostras respiratórias. Até o momento<br />
os estudos não descreveram a presença<br />
de inclusões virais nas células das amostras<br />
analisadas pela microscopia de luz, e os relatos<br />
indicam que as características citopatológicas<br />
observadas no material citológico são inespecíficas<br />
e refletem a causa pulmonar aguda subjacente<br />
ao padrão da lesão.<br />
Um estudo avaliou o escarro de pacientes<br />
diagnosticados com SARS-COV e identificou<br />
aumento no número de macrófagos, algumas<br />
vezes formando agregados soltos. Essas células<br />
podem mostrar alterações citoplasmáticas,<br />
incluindo a presença de citoplasma espumoso<br />
ou de vacuolização citoplasmática, alterações<br />
nucleares como multinucleação e aparência de<br />
núcleos em vidro fosco, embora essa última característica<br />
seja mais difícil de identificar2.<br />
Em alguns casos específicos, amostras de líquidos<br />
de lavagens broncoalveolares (LBA) são<br />
obtidas para identificação viral. Há uma descrição<br />
na literatura de amostras de LBA positivas<br />
quando amostras de swab nasofaríngeo e orofaríngeo<br />
são negativos para o COVID-19 (ambas<br />
dosadas pela técnica de RT-PCR)3. No entanto,<br />
os achados citológicos específicos das amostras<br />
de LBA de pacientes com COVID-19 ainda não<br />
foram descritos até o presente momento. Dados<br />
de pacientes diagnosticados com MERS-COV<br />
(Síndrome Respiratória do Oriente Médio),<br />
uma infecção também causada por coronavirus,<br />
mostraram que o exame citopatológico de<br />
líquido do LBA frequentemente apresenta um<br />
alto número de neutrófilos e macrófagos nesses<br />
pacientes4.<br />
Com base na histopatologia da SARS, MERS e<br />
COVID-19 as amostras de LBA também podem<br />
mostrar metaplasia escamosa e reparo, juntamente<br />
com presença de células multinucleadas<br />
e pneumócitos alveolares tipo 2 atípicos com<br />
aumento celular e nuclear, nucléolo proeminente<br />
e espaços claros na cromatina. Essas características<br />
citomorfológicas podem representar um<br />
possível armadilha diagnóstica, uma vez que se<br />
sobrepõem a outros critérios celulares.<br />
Estudos publicados até o momento5, 6 relatam<br />
que as amostras de urina de pacientes<br />
contaminados usualmente não testam positivo<br />
para o vírus COVID-19, diferentemente dos<br />
relatos de amostras positivas nos pacientes<br />
diagnosticados com MERS-COV. Entretanto, os<br />
cuidados do processamento dessas amostras<br />
devem seguir as recomendações de biossegurança<br />
já estabelecidas para amostras biológicas.<br />
As recomendações gerais de biossegurança<br />
são semelhantes para laboratórios gerais e<br />
cito/histopatológicos. Métodos citopreparatórios<br />
que incluem a abertura de recipientes,<br />
a remoção das tampas dos tubos, a agitação<br />
vigorosa, pipetagens, aliquotagens, diluições<br />
ou centrifugações de fluidos e descarte do sobrenadante<br />
podem levar à formação de aerossóis<br />
e gotículas, e portanto recomenda-se que<br />
todas essas etapas sejam realizadas em cabine<br />
de segurança biológica de classe II (NB2), fornecendo<br />
proteção para o usuário, para a amostra<br />
e ambiente. O uso de EPIs, incluindo luvas,<br />
avental e protetor facial também são recomendados<br />
para esses procedimentos. Além disso as<br />
amostras devem ser centrifugadas com tampas<br />
e recomenda-se preferencialmente utilizar centrífugas<br />
com rotores selados para uma maior<br />
biossegurança do operador7.<br />
O vírus é inativado por formalina e por irradiação<br />
gama. A maioria das amostras de citopatologia<br />
é fixada em soluções de formalina ou<br />
álcool com concentração alcoólica superior a<br />
70%, ambos considerados eficazes para inativar<br />
o vírus. Entretanto ainda não há relatos se<br />
Prof. Dra. Lisiane Cervieri Mezzomo<br />
Possui graduação em Farmácia com ênfase em Análises Clínicas e especialização Lato Sensu em Citologia Clínica. Fez Mestrado<br />
em Patologia Geral e Experimental e Doutorado em Patologia - Biomarcadores pelo Programa de Pós Graduação em Patologia da<br />
Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), na área de marcadores moleculares e imunohistoquímicos<br />
para o câncer. Atualmente atua como professor do curso de Especialização em Citopatologia Diagnóstica da Universidade Feevale,<br />
e como Pesquisador Pós-Doutor em projetos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É assessor da Controllab na<br />
área de Citologia/Citopatologia e Medicina Laboratorial.<br />
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<strong>Revista</strong> NewsLab | Abr/Mai 2020