conserva<strong>da</strong>s <strong>na</strong> forma de farinhas que se transformam em papas, massas emingaus. A primeira expressão é reserva<strong>da</strong> às comi<strong>da</strong>s do cotidiano,como, por exemplo, o tradicio<strong>na</strong>l feijão com arroz. As “comi<strong>da</strong>s de branco”não são novi<strong>da</strong>de nos terreiros de candomblé, ao contrário, estão presentecomo constitutivas de momentos especiais, como o café oferecidoem dias festivos, ou <strong>na</strong> ocasião de rituais fúnebres quando se come aquiloque o morto gostava. A novi<strong>da</strong>de é que estas comi<strong>da</strong>s estão paulita<strong>na</strong>mentesubstituindo as comi<strong>da</strong>s de santo nos dias de festa. Não obstante obom gosto e requinte com que estas comi<strong>da</strong>s são apresenta<strong>da</strong>s ao público,acompanham este fato a reação de algumas pessoas contra as chama<strong>da</strong>s“comi<strong>da</strong>s de azeite”, ora evocando que fazem mal, ou porque não gostam,sem nenhuma justificativa. Ain<strong>da</strong> bem que não surgiu a palavra “saudável”,outra expressão que está em mo<strong>da</strong>. Isso acontece, sobretudo, entre osmais jovens. Esse fato abre uma série de questio<strong>na</strong>mentos. Na<strong>da</strong> contraaos buffets organizados por alguns terreiros, afi<strong>na</strong>l, a máxima de que a comi<strong>da</strong>exibe prestígio, poder e status social vale também para o candomblé.O questio<strong>na</strong>mento está no desaparecimento <strong>da</strong>s comi<strong>da</strong>s de santo em detrimento<strong>da</strong>s comi<strong>da</strong>s de branco. Na maioria <strong>da</strong>s vezes, as primeiras ficamrestritas aos orixás “que comem sozinhos”, e acabam fazendo desaparecerrituais realizados no dia seguinte. Será que a populari<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s “comi<strong>da</strong>sde azeite”, em dias como a sexta-feira, ou mesmo a presença dos restaurantesde “comi<strong>da</strong>s típicas”, explicariam a não apreciação do gosto pelascomi<strong>da</strong>s votivas, nos terreiros, por algumas pessoas? Lembro que algumasdessas comi<strong>da</strong>s chama<strong>da</strong>s “baia<strong>na</strong>s” eram reserva<strong>da</strong>s a ocasiões especiais,como aniversários, por exemplo. Com o tempo foram desaparecendo,tor<strong>na</strong>do-se inicialmente “comi<strong>da</strong>s de pobre” e depois comi<strong>da</strong>s quefazem mal por conta de problemas, ou outras “doenças que estão <strong>na</strong>mo<strong>da</strong>”, e que por isso devemos evitá-las antes mesmo de passarmos pelosprofissio<strong>na</strong>is de saúde que decidem o que devemos comer, a quanti<strong>da</strong>de ea hora. Refletir sobre este aspecto é interessante, pois abre discussões pertinentesà preservação do universo afro-brasileiro legado por homens e<strong>na</strong> <strong>palma</strong> <strong>da</strong> <strong>minha</strong> <strong>mão</strong> • 103
mulheres que, desafiando o seu tempo, deram respostas a partir de suastradições às situações e desafios que foram expostos. Isso não significa dizerque entendemos a tradição como algo imutável, ao contrário, a recriaçãoem alguns momentos se dá não para recompor algo fragmentado, maspara exibir prestígio. Depois do “desaparecimento <strong>da</strong> pedra de ralar”, suasubstituição pelo moinho, que depois foi motorizado, seguido do liquidificadore do multiprocessador, que graças aos diferentes cortes conferemàs massas texturas diferentes, assistimos algumas comi<strong>da</strong>s rituais sendofeitas a partir do refi<strong>na</strong>mento de grãos, ofereci<strong>da</strong>s pelas indústrias de alimentos.Mesma indústria que deu origem ao xarope de milho, um tipo deaçúcar que o nosso organismo não é capaz de dissolver, gerando, entre outrasdoenças, o diabete melittus tipo II. Mesmo respeitando a frase sábiade uma sacerdotisa que nos disse que “os vodus mu<strong>da</strong>m porque as pessoasmu<strong>da</strong>m”, temos que refletir como as comi<strong>da</strong>s votivas estão dialogandocom os ingredientes produzidos por esta indústria que com certeza não osfez para atender a deman<strong>da</strong> dos orixás. Adoro os buffets nos terreiros, masé bom ver também a comi<strong>da</strong> dos orixás dividi<strong>da</strong> entre as pessoas. Certaocasião deparei-me com uma comuni<strong>da</strong>de-terreiro que não sabia maisenrolar o akassá, chamado de ekó. Tal iguaria representa o corpo, uma porçãode massa individualiza<strong>da</strong> <strong>na</strong> folha de ba<strong>na</strong><strong>na</strong>. A massa era despeja<strong>da</strong>numa bandeja ou sobre uma pedra de mármore e corta<strong>da</strong> de forma triangular.Se nós, povo de candomblé, ain<strong>da</strong> não estamos preparados para entendero processo químico que envolve os alimentos durante o seu cozimento,ao menos temos que atentar para o fato de que quando umacomi<strong>da</strong> “desaparece”, segue também com ela visões de mundo. Na<strong>da</strong> contraa introdução de eletrodomésticos <strong>na</strong>s cozinhas rituais, diálogo que opovo de candomblé já vem fazendo muito bem já há algum tempo. A preocupaçãomaior deve ser: que vai restar <strong>da</strong> nossa ancestrali<strong>da</strong>de? O quepassaremos e quais histórias contaremos aos nossos filhos quando as comi<strong>da</strong>sde santo cederem lugar de uma vez por to<strong>da</strong>s às comi<strong>da</strong>s de branco?E os ancestrais, será que mu<strong>da</strong>rão de gosto?104 • vilson caetano de sousa júnior
- Page 2 and 3:
na palma da minha mão
- Page 4 and 5:
VILSON CAETANO DE SOUSA JUNIORnapal
- Page 6:
A nossos pais e mães de quem ouvim
- Page 9 and 10:
93 • Os gêmeos e a inversão da
- Page 11 and 12:
to de terreiros como patrimônio ma
- Page 13 and 14:
cultura afro-baiana com uma criaç
- Page 15 and 16:
mãos que os iniciados trocam a bê
- Page 17 and 18:
não dá para trás.” Ou do relat
- Page 20 and 21:
candomblé e modernidadeO tema “c
- Page 22:
os terreiros, rios, uma língua rit
- Page 25 and 26:
Fato é que para o chamado “povo
- Page 27 and 28:
São, pois, estas memórias que con
- Page 30 and 31:
a ciência e a tecnologia queos afr
- Page 32 and 33:
do Dahomé, Abomé ou Danxomé, atu
- Page 34:
eligiões de matriz africana, onde
- Page 40 and 41:
que ignoram tal significado. Acredi
- Page 42 and 43:
af r icanos ,seus descedentese econ
- Page 44 and 45:
as doceiras “perderam o ponto”,
- Page 46 and 47:
ancestralidadeafro-brasileiraO conc
- Page 48 and 49:
uma parte do corpo, mas do corpo to
- Page 50:
te, ou simplesmente balbuciadas no
- Page 54 and 55: candomblé e destino entrea advinha
- Page 56 and 57: com a morte, mas em viver a vida. Q
- Page 58 and 59: seres vivos, no sentido bem amplo d
- Page 60 and 61: em torno da noção de sacrifícion
- Page 62 and 63: Vamos agora falar sobre o sacrifíc
- Page 64 and 65: a expiatória. É quando a coisa sa
- Page 66: esu .
- Page 69 and 70: Diabo, entendido como adversário d
- Page 71 and 72: ção do mal, sugerida pelos missio
- Page 74: obaluaiyê
- Page 77 and 78: portuguesa e mestiça. Isso fez com
- Page 79 and 80: do aparelho urinário; Odé é resp
- Page 81 and 82: extenso, tem forma, é visível a n
- Page 83 and 84: primordial. Alguns orixás e nkise
- Page 86: odé
- Page 89 and 90: Médio e à Austrália. Depois fora
- Page 91 and 92: (Artocarpus heterophyllus) chamada
- Page 94 and 95: os gêmeos e a inversãoda mesaPara
- Page 96 and 97: pois não libertava a sua mãe. O n
- Page 98: Aos meninos é oferecida uma mesa,
- Page 101 and 102: oportunidade de demonstrar a import
- Page 103: cas, que construiu a sua família,
- Page 108 and 109: ao rei do mundo…Xangô é rei. É
- Page 110 and 111: ele representou para a humanidade,
- Page 112: oyá
- Page 115 and 116: escuro deveria ser rasgado por uma
- Page 117 and 118: çam graças à força emprestada p
- Page 120: oxun
- Page 123 and 124: O culto ao orixá Oxun, no Brasil,
- Page 126: yemanjá
- Page 129 and 130: santeiros. Como outros ancestrais n
- Page 131 and 132: não pode ser encerrado na concepç
- Page 134 and 135: iya agba yin,a mãe mais velhaDentr
- Page 136 and 137: para Abeokuta, onde acreditava-se q
- Page 138: quatro patas. Odé teria enlouqueci
- Page 142 and 143: o ano bom para as religiõesde matr
- Page 144 and 145: O Ciclo das Águas, especialmente n
- Page 146: oxoguiã
- Page 149 and 150: mais rápidos e o toque compassado
- Page 151 and 152: consanguíneo de Tio Bangboxé, que
- Page 153 and 154: da história das religiões de matr
- Page 155 and 156:
criar, reinventar e dar continuidad
- Page 158:
obá
- Page 161 and 162:
mesma, talvez por ela nos remeter a
- Page 163 and 164:
fender a sua dignidade através da
- Page 165 and 166:
______. Valores civilizatórios em
- Page 167:
Textos publicados no Jornal A TARDE