tido que orixá não tem cor, exceto para os órgãos de turismo que atualmentevêm organizando festas religiosas <strong>na</strong> ci<strong>da</strong>de de Salvador. GilbertoFreyre, por exemplo, nos vai informar o significado do uso do “encar<strong>na</strong>do”para a cultura portuguesa e espanhola. Era a cor <strong>da</strong>s paixões, <strong>da</strong> atração,que inflamava os corações, utiliza<strong>da</strong> pelas cortesãs no século XVI. Overmelho também era utilizado <strong>na</strong> prevenção ou combate de algumas enfermi<strong>da</strong>des.Diferentemente, a “cor de coral” remete à terra, representa<strong>da</strong>pelo cobre ou outros metais. Fato é que esse apelo à sensuali<strong>da</strong>de no orixáOyá acontece em detrimento <strong>da</strong> retira<strong>da</strong> desta de orixás como Oxun e Yemanjá,ancestrais guerreiros, que graças à sua aproximação com imagenstoma<strong>da</strong>s empresta<strong>da</strong>s do Cristianismo, perdem também as suas características.Certa ocasião presenciei a comparação entre Oyá e a deusa roma<strong>na</strong>Dia<strong>na</strong>, caçadora, guerreira, que possuía várias formas. Lhe chamei aatenção afirmando que “Oyá ficaria mais contente” se fosse compara<strong>da</strong> aIsis, a deusa africa<strong>na</strong> <strong>da</strong> imortali<strong>da</strong>de, que emprestou à Imacula<strong>da</strong> Conceiçãoo título de Mater Dei, mãe de Deus. Assim como Mitra, o Deus Sol,celebrado no dia 25 de dezembro, cedeu lugar para os cristãos comemoraremno seu dia o <strong>na</strong>scimento de Jesus. Oyá é, de fato, o ancestral <strong>da</strong> imortali<strong>da</strong>de.Como Isis, ela é responsável pela continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Se compararmosos dois mitos, Isis, através dos bálsamos e perfumes, garante acontinui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> através <strong>da</strong> mumificação e Oyá <strong>da</strong> mesma maneira,reunindo os pertences de seu pai, o velho caçador, após vários dias de festa,garante a sua memória. Mais uma vez o seu elemento é água, pois elasgarantem a continui<strong>da</strong>de. Lembremos que o ar <strong>na</strong><strong>da</strong> mais é do que águacondensa<strong>da</strong>, e os ventos são este ar fazendo movimentos rápidos. ComoIsis, que aju<strong>da</strong>-nos <strong>na</strong> travessia sobre o mundo dos mortos, Oyá leva comovento o último suspiro de ca<strong>da</strong> um de nós, entregando-o a Olodumaré.Além disso, ela espalha as sementes como a borboleta que distribui o pólenentre as flores, misturando as cores, mantendo a vi<strong>da</strong>. Oyá relacio<strong>na</strong>--se diretamente com os olhos, os mesmos que nos separam do mundo dosantepassados. Destes ape<strong>na</strong>s podemos enxergar tiras de pano que balan-<strong>na</strong> <strong>palma</strong> <strong>da</strong> <strong>minha</strong> <strong>mão</strong> • 115
çam graças à força empresta<strong>da</strong> por Oyá. Esse fato é lembrado num mitoque conta que, certa ocasião, o povo do Dahomé, ou povo <strong>da</strong> cobra, marchoucontra o seu reino a fim de destruí-lo. Em pleno dia claro, Oyá apareceuto<strong>da</strong> vesti<strong>da</strong> de cobre e o reflexo do sol sobre suas vestes foi de tal maneiraque cegou o exército e o fez recuar. Oyá liga-se ao mercado. Ela é oprincípio ancestral <strong>da</strong> troca, <strong>da</strong> moe<strong>da</strong>. Esta característica é evoca<strong>da</strong> emvários mitos onde ela aparece como uma búfala ou um leopardo. Certamentepor este motivo, desde cedo africanos e africa<strong>na</strong>s lhe evocaram nomomento <strong>da</strong>s ven<strong>da</strong>s. Oyá, <strong>na</strong> ver<strong>da</strong>de, surge de várias formas. Ela estáem todos os lugares, <strong>da</strong>í um de seus títulos: Ya mesan Orun. Aquela queestá em todos os espaços que nossos olhos não alcançam. Mas como o elementofogo aparece ligado a Oyá? Ora, tal elemento reveste-se de significadoparticular <strong>na</strong>s civilizações mais antigas. Enquanto as águas remetemà continui<strong>da</strong>de, o fogo diz respeito à transformação, mu<strong>da</strong>nça, movimento.Inã, fogo, é atributo por excelência do orixá Exu. Como lembra o provérbio:“Um corpo que possui calor está vivo, quando ele esfria, está morto”.Já tivemos a oportuni<strong>da</strong>de de explicar como Exu “anima” o corpo. Izôsão as chamas, labare<strong>da</strong>s. Esfregando uma pedra <strong>na</strong> outra, ou dois gravetos,temos a faísca. Em segui<strong>da</strong>, aba<strong>na</strong>ndo, por exemplo, temos as labare<strong>da</strong>s.Izô significa encontro, disputa, tudo que a fogueira, o fogareiro, o fogãode lenha, o moquém representou para a humani<strong>da</strong>de. Há ape<strong>na</strong>s ummito onde aparece a relação de Oyá com o fogo, o qual já trabalhamos,com o nome: O dia que o mundo pegou fogo. Trata-se <strong>da</strong> história que falaque Xangô pediu a Oyá que fosse à terra dos Baribas buscar algo que fariatodos os reinos dobrarem-se diante de sua presença. Porém, Oyá não deveriaabrir a encomen<strong>da</strong>. Assim Oyá fez. Retor<strong>na</strong>ndo, to<strong>da</strong>via, diante <strong>da</strong>recomen<strong>da</strong>ção de seu esposo, Oyá abriu a caixa e provou a “fórmula mágica”que estava conduzindo. Ao entregar ao Rei, este se apressou logo emexperimentar. Para sua surpresa, “Oyá mal podia abrir a boca, pois ela eraum fogo só”. Graças a sua “ousadia”, todos os reinos estavam salvos, poispassariam a dividir com o Rei o principio <strong>da</strong> transformação. Conta-se ain-116 • vilson caetano de sousa júnior
- Page 2 and 3:
na palma da minha mão
- Page 4 and 5:
VILSON CAETANO DE SOUSA JUNIORnapal
- Page 6:
A nossos pais e mães de quem ouvim
- Page 9 and 10:
93 • Os gêmeos e a inversão da
- Page 11 and 12:
to de terreiros como patrimônio ma
- Page 13 and 14:
cultura afro-baiana com uma criaç
- Page 15 and 16:
mãos que os iniciados trocam a bê
- Page 17 and 18:
não dá para trás.” Ou do relat
- Page 20 and 21:
candomblé e modernidadeO tema “c
- Page 22:
os terreiros, rios, uma língua rit
- Page 25 and 26:
Fato é que para o chamado “povo
- Page 27 and 28:
São, pois, estas memórias que con
- Page 30 and 31:
a ciência e a tecnologia queos afr
- Page 32 and 33:
do Dahomé, Abomé ou Danxomé, atu
- Page 34:
eligiões de matriz africana, onde
- Page 40 and 41:
que ignoram tal significado. Acredi
- Page 42 and 43:
af r icanos ,seus descedentese econ
- Page 44 and 45:
as doceiras “perderam o ponto”,
- Page 46 and 47:
ancestralidadeafro-brasileiraO conc
- Page 48 and 49:
uma parte do corpo, mas do corpo to
- Page 50:
te, ou simplesmente balbuciadas no
- Page 54 and 55:
candomblé e destino entrea advinha
- Page 56 and 57:
com a morte, mas em viver a vida. Q
- Page 58 and 59:
seres vivos, no sentido bem amplo d
- Page 60 and 61:
em torno da noção de sacrifícion
- Page 62 and 63:
Vamos agora falar sobre o sacrifíc
- Page 64 and 65:
a expiatória. É quando a coisa sa
- Page 66: esu .
- Page 69 and 70: Diabo, entendido como adversário d
- Page 71 and 72: ção do mal, sugerida pelos missio
- Page 74: obaluaiyê
- Page 77 and 78: portuguesa e mestiça. Isso fez com
- Page 79 and 80: do aparelho urinário; Odé é resp
- Page 81 and 82: extenso, tem forma, é visível a n
- Page 83 and 84: primordial. Alguns orixás e nkise
- Page 86: odé
- Page 89 and 90: Médio e à Austrália. Depois fora
- Page 91 and 92: (Artocarpus heterophyllus) chamada
- Page 94 and 95: os gêmeos e a inversãoda mesaPara
- Page 96 and 97: pois não libertava a sua mãe. O n
- Page 98: Aos meninos é oferecida uma mesa,
- Page 101 and 102: oportunidade de demonstrar a import
- Page 103 and 104: cas, que construiu a sua família,
- Page 105 and 106: mulheres que, desafiando o seu temp
- Page 108 and 109: ao rei do mundo…Xangô é rei. É
- Page 110 and 111: ele representou para a humanidade,
- Page 112: oyá
- Page 115: escuro deveria ser rasgado por uma
- Page 120: oxun
- Page 123 and 124: O culto ao orixá Oxun, no Brasil,
- Page 126: yemanjá
- Page 129 and 130: santeiros. Como outros ancestrais n
- Page 131 and 132: não pode ser encerrado na concepç
- Page 134 and 135: iya agba yin,a mãe mais velhaDentr
- Page 136 and 137: para Abeokuta, onde acreditava-se q
- Page 138: quatro patas. Odé teria enlouqueci
- Page 142 and 143: o ano bom para as religiõesde matr
- Page 144 and 145: O Ciclo das Águas, especialmente n
- Page 146: oxoguiã
- Page 149 and 150: mais rápidos e o toque compassado
- Page 151 and 152: consanguíneo de Tio Bangboxé, que
- Page 153 and 154: da história das religiões de matr
- Page 155 and 156: criar, reinventar e dar continuidad
- Page 158: obá
- Page 161 and 162: mesma, talvez por ela nos remeter a
- Page 163 and 164: fender a sua dignidade através da
- Page 165 and 166: ______. Valores civilizatórios em
- Page 167:
Textos publicados no Jornal A TARDE