pois não libertava a sua mãe. O <strong>na</strong>scimento dos gêmeos é tão importanteque estabelece uma ordem <strong>na</strong> família, assim, o terceiro filho para os yorubásé chamado Doun, “o terceiro”, ou aquele que veio após os gêmeos.As mulheres africa<strong>na</strong>s, em linhas gerais, eram muito férteis, assimtanto a mortali<strong>da</strong>de infantil quanto a mortali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> mãe era vista comoalgo particular e recebia tratamento especial. Certo é que o momentode <strong>da</strong>r a luz era visto como algo cercado de cui<strong>da</strong>do, isso também valiapara os primeiros dias do recém-<strong>na</strong>scido, que em algumas culturas só eraapresentado à comuni<strong>da</strong>de após o décimo sétimo dia, quando esta ouviaatentamente o seu nome. Nome que lhe acompanharia durante to<strong>da</strong> umavi<strong>da</strong> que não tem fim, afi<strong>na</strong>l “os que <strong>na</strong>scem nunca morrem”. A per<strong>da</strong> deuma criança vai ser assim re-significa<strong>da</strong> pela comuni<strong>da</strong>de que luta o tempotodo para superar a morte, como ain<strong>da</strong> hoje a humani<strong>da</strong>de através <strong>da</strong>sreligiões. Acredita-se, por exemplo, que quando uma mulher perde umacriança no parto ou quando esta morre ain<strong>da</strong> jovem, ou mesmo no momentoem que está <strong>da</strong>ndo a luz, trata-se de uma criança concebi<strong>da</strong> parapassar pouco tempo <strong>na</strong> terra, ou que está “brincando” com a sua mãe,“vindo e retor<strong>na</strong>ndo”, são os chamados pelos yorubás de abiku. Maisuma vez, temos o verbo “<strong>na</strong>scer” e iku, a morte. São os <strong>na</strong>scidos paramorrer. Este termo ganhou outra concepção no Brasil, para alguns, trata--se de pessoas que não precisam passar pelo processo de iniciação estabelecidopor ca<strong>da</strong> tradição religiosa. To<strong>da</strong>via, abiku são também criançasque, no momento do parto, experimentam de perto a morte, a exemplo<strong>da</strong>quelas que <strong>na</strong>scem com o cordão umbilical enrolado, ora no pescoço,ou em todo corpo. Estas, ao <strong>na</strong>scer, recebem nomes especiais e são submetidosa ritos específicos para continuarem no mundo. Sem falar que ocordão umbilical sempre recebeu tratamento especial entre os africanos eafrica<strong>na</strong>s, pe<strong>na</strong> que a ciência oficial só tenha reconhecido tal importância<strong>na</strong> contemporanei<strong>da</strong>de, mas foram os nossos antepassados os primeirosa dizer que ele é uma espécie de síntese <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> pessoa. Assim, Ibejiliga-se diretamente aos <strong>na</strong>scidos para morrer, sobre os quais pouco se fala<strong>na</strong> <strong>palma</strong> <strong>da</strong> <strong>minha</strong> <strong>mão</strong> • 95
no universo afro-brasileiro, justificando, de certa maneira, a confusãoentre estes e as crianças.O culto aos gêmeos está ligado à ideia de continui<strong>da</strong>de e descendência,como o quiabo, comi<strong>da</strong> real dos faraós do Egito Antigo. Assim comoa cebola representava o mundo através <strong>da</strong>s cama<strong>da</strong>s que a compõem, oquiabo estava ligado à continui<strong>da</strong>de. Podemos fazer esta experiência, colocandonuma vasilha com água e sementes de quiabo. Com o tempo elasvão se juntando, formando a teia, ou o futu, tão lembrado pela MakotaValdi<strong>na</strong>, uma espécie de pacote que Nganga Zambi fez no início do mundo,onde colocou de tudo. Agora entende-se o porquê de uma <strong>da</strong>s iguariasmais aprecia<strong>da</strong>s pelos gêmeos ser o chamado “caruru”. Na ver<strong>da</strong>de,os gêmeos comem de tudo. “Comem tudo o que a boca come”, como osancestrais <strong>da</strong> terra. Isso exemplifica a antigui<strong>da</strong>de de seu culto. Emboraapareçam ligados à morte, os gêmeos são filhos do orixá Oxun. Pois vi<strong>da</strong>e morte an<strong>da</strong>m juntas. Oxun foi o ancestral <strong>na</strong>gô que, segundo um deseus mitos, no momento em que Deus distribuiu os poderes aos orixás,através de uma chuva, enquanto alguns se esforçavam para pegar o ferro,a terra e outros elementos, Ela agarrou com as duas <strong>mão</strong>s o ovo, chamadode eyn. A partir <strong>da</strong>í ela passou a garantir a permanência de tudo que formaum sistema. Oxun regula, assim, o ciclo menstrual, mas também ociclo <strong>da</strong> terra que garante os frutos. Tempos atrás, este fato era relembrado<strong>na</strong> ci<strong>da</strong>de de Salvador no mês de Dezembro quando se oferecia as chama<strong>da</strong>s“frutas do ano” em frente à igreja de nossa Senhora <strong>da</strong> Conceição<strong>da</strong> Praia. Oxun também cui<strong>da</strong> do intestino e de tudo que é “de dentro”.Assim ela garante a permanência dos os gêmeos e to<strong>da</strong>s as crianças.Um trabalho sobre o significado destes ain<strong>da</strong> está para ser realizado,embora o Professor Vivaldo <strong>da</strong> Costa Lima já nos tenha presenteado comum livro sobre “os meninos”. Talvez isso seja explicado pelas dimensõestoma<strong>da</strong>s pelo culto. O culto aos mabaços extrapola as religiões de matrizafrica<strong>na</strong>. Eles estão em todos os oratórios católicos de famílias que tiveramgêmeos.96 • vilson caetano de sousa júnior
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Textos publicados no Jornal A TARDE