para Abeokuta, onde acreditava-se que Buruku teria vindo de Savé eOmolu do Danxomé.Se é difícil determi<strong>na</strong>r com precisão a <strong>da</strong>ta do aparecimento <strong>da</strong> varíola,uma vez que ela recebia, até o século XVII, a denomi<strong>na</strong>ção genérica de“peste”, é consenso, se não a <strong>da</strong>ta, a ideia de que a primeira epidemia teriaocorrido em Meca, em 568 ou 572. O mesmo vale para o outro lado docontinente, <strong>na</strong> Índia e <strong>na</strong> Chi<strong>na</strong>, nos séculos VI e VII A.C, há descriçõespareci<strong>da</strong>s com a doença e a menção à deusa <strong>da</strong> varíola.A varíola chegou ao Brasil com o tráfico e desde cedo assolou a vi<strong>da</strong> demuitas pessoas. Edison Carneiro, no texto: Omolu, o médico dos pobres,ao fazer uma breve descrição <strong>da</strong> situação <strong>da</strong> saúde <strong>da</strong> população negra epobre <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Salvador – população que resiste a ir aos hospitais, e seentregar à sorte de morrer a míngua, abando<strong>na</strong><strong>da</strong> –, resume a função queNanã ocupava no universo destas populações. Ele escreveu: “Obaluaiyêé a varíola e Nanã é literalmente a vaci<strong>na</strong>, a Ya agba yin, a que cura, a quecui<strong>da</strong>, a que toma conta”.Nã, <strong>na</strong> ver<strong>da</strong>de, é um título utilizado para desig<strong>na</strong>r uma senhora venerável,princesa, rainha. Estaríamos assim diante de um princípio ancestralbastante antigo cujo culto de Buruku foi associado. Nã constituimatéria primordial, semelhante àquela que encontramos num mito yorubáque fala <strong>da</strong> lama como matéria entregue a Obatalá para este modelaros seres vivos. Nanã é o espírito que gover<strong>na</strong> o Mundo.Segundo um de seus mitos, depois de Nanã ter criado o mundo, eladeu à luz a gêmeos, Mawu e Lisa. Não seria o fragmento desta históriaque aparece no mito que mencio<strong>na</strong> a presença de dois filhos ligados a Ela?Não saberíamos dizer de onde teria saído a oposição feio/bonito. Diz omito que depois apareceu Aizan, a morte. Em segui<strong>da</strong> Nanã criou Azomadonu,o ar. Depois, os Voduns e as famílias de Heviosô, Dan e Sapata.Da família de Heviosô, Sogbô, o rei; Possu, o mais velho; Loko, omais novo filho de Sobô; Badé, o menino; Averequete, o pescador do rei;Agbé, o que mora com os astros; Aziri e Tobossi, voduns do mar e outros.<strong>na</strong> <strong>palma</strong> <strong>da</strong> <strong>minha</strong> <strong>mão</strong> • 135
Da família de Dan, Azomadonun, o mais velho; Bessem, filho deDan. Kwenkwen, a cobra fêmea velha e Ojicu, a nova. Bessem se une aOjicu e faz <strong>na</strong>scer Bafonô, Toquem, Doquem, Frequem, etc.Da família de Sapatá: Azoani, Avimaje, Azansu, Poli Boji, AtoluNa língua fon, a expressão “Mino” significa, literalmente, “NossaMãe Na”. Esta tradução nos remete a outro mito interessante.Depois <strong>da</strong> criação do mundo, quando Mawi resolveu morar <strong>na</strong>s alturas,Nã preferiu ficar <strong>na</strong> terra. Ela residiu <strong>na</strong> floresta e passou a ser protetora<strong>da</strong>s mulheres que a invocam to<strong>da</strong>s as vezes que querem ter filhos. Estahistória nos apresenta o inverso do mito do abandono.Parece que com o passar do tempo, diante do impacto, ora fruto doscontatos internos entre os grupos, ora externos, a noção de Nanã comocriadora caiu no esquecimento. Isso fez com que, no século XIX, Mawufosse identificado com o Deus católico e Lissa como Jesus Cristo. Processosemelhante teria passado este ancestral no Brasil. Isso vai aparecer norelato <strong>da</strong> disputa entre Nanã e Yemanjá.Este mito em particular é um dos mais emblemáticos. Ele retoma aoposição entre aquilo considerado belo e o seu contrário. Não precisamosir longe para demonstrar que estas concepções culturais estão diretamentevincula<strong>da</strong>s a ideias econômicas, políticas e sociais. Claro que taloposição não foi elabora<strong>da</strong> pelos africanos, ao contrário, anciãos e anciãsgozam de grande prestígio <strong>na</strong>s comuni<strong>da</strong>des-terreiros, pois são responsáveispela manutenção <strong>da</strong>s tradições e considerados enciclopédias vivas.Desconstruir algumas dessas imagens é muito importante ao menospara a afirmação <strong>da</strong> matriz cultural negro-africa<strong>na</strong> e fortalecimento denossa autoestima.Para fi<strong>na</strong>lizar, quero retomar um mito que já há algum tempo nãoescuto. O que reafirma a ideia de que Nanã cui<strong>da</strong> do mundo.Conta-se que, uma certa vez, os caçadores realizaram uma longa caça<strong>da</strong>.Se empolgaram tanto que saíram matando indiscrimi<strong>na</strong><strong>da</strong>mente.Depois que acabaram com os bichos de pe<strong>na</strong>s, deram fim aos animais de136 • vilson caetano de sousa júnior
- Page 2 and 3:
na palma da minha mão
- Page 4 and 5:
VILSON CAETANO DE SOUSA JUNIORnapal
- Page 6:
A nossos pais e mães de quem ouvim
- Page 9 and 10:
93 • Os gêmeos e a inversão da
- Page 11 and 12:
to de terreiros como patrimônio ma
- Page 13 and 14:
cultura afro-baiana com uma criaç
- Page 15 and 16:
mãos que os iniciados trocam a bê
- Page 17 and 18:
não dá para trás.” Ou do relat
- Page 20 and 21:
candomblé e modernidadeO tema “c
- Page 22:
os terreiros, rios, uma língua rit
- Page 25 and 26:
Fato é que para o chamado “povo
- Page 27 and 28:
São, pois, estas memórias que con
- Page 30 and 31:
a ciência e a tecnologia queos afr
- Page 32 and 33:
do Dahomé, Abomé ou Danxomé, atu
- Page 34:
eligiões de matriz africana, onde
- Page 40 and 41:
que ignoram tal significado. Acredi
- Page 42 and 43:
af r icanos ,seus descedentese econ
- Page 44 and 45:
as doceiras “perderam o ponto”,
- Page 46 and 47:
ancestralidadeafro-brasileiraO conc
- Page 48 and 49:
uma parte do corpo, mas do corpo to
- Page 50:
te, ou simplesmente balbuciadas no
- Page 54 and 55:
candomblé e destino entrea advinha
- Page 56 and 57:
com a morte, mas em viver a vida. Q
- Page 58 and 59:
seres vivos, no sentido bem amplo d
- Page 60 and 61:
em torno da noção de sacrifícion
- Page 62 and 63:
Vamos agora falar sobre o sacrifíc
- Page 64 and 65:
a expiatória. É quando a coisa sa
- Page 66:
esu .
- Page 69 and 70:
Diabo, entendido como adversário d
- Page 71 and 72:
ção do mal, sugerida pelos missio
- Page 74:
obaluaiyê
- Page 77 and 78:
portuguesa e mestiça. Isso fez com
- Page 79 and 80:
do aparelho urinário; Odé é resp
- Page 81 and 82:
extenso, tem forma, é visível a n
- Page 83 and 84:
primordial. Alguns orixás e nkise
- Page 86: odé
- Page 89 and 90: Médio e à Austrália. Depois fora
- Page 91 and 92: (Artocarpus heterophyllus) chamada
- Page 94 and 95: os gêmeos e a inversãoda mesaPara
- Page 96 and 97: pois não libertava a sua mãe. O n
- Page 98: Aos meninos é oferecida uma mesa,
- Page 101 and 102: oportunidade de demonstrar a import
- Page 103 and 104: cas, que construiu a sua família,
- Page 105 and 106: mulheres que, desafiando o seu temp
- Page 108 and 109: ao rei do mundo…Xangô é rei. É
- Page 110 and 111: ele representou para a humanidade,
- Page 112: oyá
- Page 115 and 116: escuro deveria ser rasgado por uma
- Page 117 and 118: çam graças à força emprestada p
- Page 120: oxun
- Page 123 and 124: O culto ao orixá Oxun, no Brasil,
- Page 126: yemanjá
- Page 129 and 130: santeiros. Como outros ancestrais n
- Page 131 and 132: não pode ser encerrado na concepç
- Page 134 and 135: iya agba yin,a mãe mais velhaDentr
- Page 138: quatro patas. Odé teria enlouqueci
- Page 142 and 143: o ano bom para as religiõesde matr
- Page 144 and 145: O Ciclo das Águas, especialmente n
- Page 146: oxoguiã
- Page 149 and 150: mais rápidos e o toque compassado
- Page 151 and 152: consanguíneo de Tio Bangboxé, que
- Page 153 and 154: da história das religiões de matr
- Page 155 and 156: criar, reinventar e dar continuidad
- Page 158: obá
- Page 161 and 162: mesma, talvez por ela nos remeter a
- Page 163 and 164: fender a sua dignidade através da
- Page 165 and 166: ______. Valores civilizatórios em
- Page 167: Textos publicados no Jornal A TARDE