do Dahomé, Abomé ou Danxomé, atual República de Benin, acreditavaque estava assentado sobre o corpo de Dan, <strong>da</strong>í a origem do nome. Vamosencontrar a mesma imagem <strong>na</strong> ci<strong>da</strong>de de São Luís do Maranhão, “ailha que vive circula<strong>da</strong> por uma grande cobra que morde a sua cau<strong>da</strong>.” Nodia em que Dan deixar de fazer esse movimento, a ilha desaparece. Dané símbolo <strong>da</strong> ciência africa<strong>na</strong> que se movimenta em círculo no sentidoanti–horário, como a ro<strong>da</strong> nos terreiros de candomblé.Várias vezes tenho lembrado sobre o profundo conhecimento <strong>da</strong>tecnologia do ferro que os povos chegados ao Brasil, chamados genericamentede angolas/congos, possuíam. Não precisamos nem relembrara mu<strong>da</strong>nça <strong>na</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s civilizações quando o arado de madeira foi substituídopela enxa<strong>da</strong>. E aqui lembramos do ancestral Ogun, literalmente:o ferro. Ogun representa uma ver<strong>da</strong>deira revolução no mundo <strong>da</strong> tecnologiae do desenvolvimento, talvez tenha sido por isso que desde cedo osferreiros foram considerados mágicos. Ogun trouxe o fogo para dentrode sua casa e, graças a ele, pode forjar os instrumentos cirúrgicos.Para os grupos africanos chegados ao Brasil, o cordão umbilical reveste-sede significado. Afirmava-se ain<strong>da</strong> que, de acordo como a criançachegasse ao mundo e dos cui<strong>da</strong>dos que se tinha com o cordão umbilical,era possível prever ou mesmo interferir em acontecimentos, como doençase morte, por exemplo. Em outras palavras, o cordão umbilical eratratado como uma síntese <strong>da</strong> pessoa. Pe<strong>na</strong> que a ideia de DNA chegoutarde demais para a ciência. Ain<strong>da</strong> hoje este pensamento continua vivo<strong>na</strong>s comuni<strong>da</strong>des-terreiros.E a ideia <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> como um todo integrado? Para o “pensamento africano”,o Mundo faz parte do princípio vital, por isso ele é vivo, assimcomo tudo que pertence a ele. Como lembra a tradição bakongo: NgangaZambi, também chamado Kalunga, fez tudo junto, como um pacote, edentro desse pacote colocou de tudo, estava criado o ciclo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Emoutras palavras, a separação veio depois, mas estar no mundo é fazer parte<strong>da</strong> Kanga que Kalunga amarrou to<strong>da</strong>s as coisas, <strong>da</strong>ndo início a tudo que<strong>na</strong> <strong>palma</strong> <strong>da</strong> <strong>minha</strong> <strong>mão</strong> • 31
tem princípio, mas não tem fim, pois a vi<strong>da</strong> é um eterno re<strong>na</strong>scimento.Graças a isso, o todo é maior do que a soma <strong>da</strong>s partes, mas a menor partecontém o Todo, <strong>da</strong>í o cui<strong>da</strong>do com tudo aquilo que sai do corpo e com asextremi<strong>da</strong>des.E como não falarmos <strong>da</strong> matemática? Não dos números, mas deideias como: precisão, infinito, grandeza, etc. Basta prestarmos atenção<strong>na</strong>s linhas que se encontram traça<strong>da</strong>s no corpo dos iniciados, ou <strong>na</strong>s linhasparalelas, os círculos que demarcam dias, baseados onde o sol <strong>na</strong>scee onde ele se põe.E a escrita? Outro legado africano <strong>da</strong>s populações presentes nos limitesdo deserto do Saara e do Sudão. Pe<strong>na</strong> que desde cedo se criou a oposiçãoentre esta e a chama<strong>da</strong> orali<strong>da</strong>de, que venho insistindo que não podeser compreendi<strong>da</strong> desta maneira. Há várias formas de linguagem, há atéaquelas que incluem o não dito e o silêncio. Mais uma vez o exemplo é ocorpo dos iniciados. O corpo dos iniciados é um texto, somente compreendidopelo grupo religioso que está constantemente lhe reescrevendo.Gostaria ain<strong>da</strong> de lembrar <strong>da</strong>s várias técnicas de adivinhação desenvolvi<strong>da</strong>spelos africanos e manti<strong>da</strong>s ain<strong>da</strong> hoje nos terreiros de candomblé.Como dizer que esse saber não é científico? Ou por que sempre seestá procurando desautorizar estes conhecimentos em nome de uma ciência?Não estamos nos referindo a práticas que apreciamos no cotidianoou em ocasiões especiais, como no fi<strong>na</strong>l de ano, quando alguns sacerdotesaceitam ser expostos pela mídia transformando um constituinte dosaber ancestral em algo no mínimo exótico e curioso. Refiro-me a saberescomplexos, elaborados, guar<strong>da</strong>dos por poucos sacerdotes e sacerdotisasque, ao invés de adivinhar, divinizam; tor<strong>na</strong>m as situações vivi<strong>da</strong>s pelaspessoas, divi<strong>na</strong>s. Em outras palavras, interpretam o divino que está <strong>na</strong>spessoas através dos chamados “caminhos”; caminhos múltiplos que seencontram <strong>na</strong> encruzilha<strong>da</strong>.Não poderia deixar de mencio<strong>na</strong>r o conhecimento diverso elaboradodesde cedo pelos africanos sobre as curas e doenças. Isso reaparece <strong>na</strong>s32 • vilson caetano de sousa júnior
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Textos publicados no Jornal A TARDE