candomblé e saúdeO tema <strong>da</strong> saúde permeia o cotidiano <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des-terreiros.Comuni<strong>da</strong>des estas, em suamaioria, constituí<strong>da</strong>s como culto organizado emfi<strong>na</strong>is do século XIX, ocasião em que tal tema eraemergente para se pensar as ci<strong>da</strong>des que se queriaconstruir a partir do modelo europeu e <strong>da</strong> novaciência emergente, que desautorizava práticasantigas arraiga<strong>da</strong>s <strong>na</strong> população negra, indíge<strong>na</strong>,<strong>na</strong> <strong>palma</strong> <strong>da</strong> <strong>minha</strong> <strong>mão</strong> • 75
portuguesa e mestiça. Isso fez com que, ao longo de suas histórias, estesterreiros enfrentassem o discurso racista que, amparado <strong>na</strong> “legali<strong>da</strong>de”,além de transformar lideranças religiosas negras em margi<strong>na</strong>is, lhes enquadravamno artigo do código pe<strong>na</strong>l de “falsa medici<strong>na</strong>.” Não vamos, to<strong>da</strong>via,pela brevi<strong>da</strong>de do tempo e complexi<strong>da</strong>de dessa questão, abordá-ladiretamente, mas antes refletir sobre a importância que possui o “corposadio”, “o corpo o<strong>da</strong>ra”, para as religiões de matriz africa<strong>na</strong>. Em linhas gerais,é tabu falar em doença nos terreiros. Evitar chamá-las constitui uma<strong>da</strong>s principais medi<strong>da</strong>s de prevenção. Entendi<strong>da</strong> como desordem, ela éevita<strong>da</strong> o tempo todo através de inúmeros rituais a que são submetidosos iniciados, bem como os “clientes”, pessoas que procuram o tratamentomágico religioso dos terreiros esporadicamente. Assim a saúde está diretamenteliga<strong>da</strong> à relação que o indivíduo possui com a sua ancestrali<strong>da</strong>de.Ter saúde é ter axé, este princípio que nos faz correr, an<strong>da</strong>r, conversar,ter sucesso, sermos dinâmicos e nos manter vivos no mundo. Assim, noUniverso tudo é uma troca de axé. É o axé que dá sentido às coisas. Sendoo corpo uma miniatura do universo, é sobre ele que recaem os si<strong>na</strong>is dedesequilíbrio. Si<strong>na</strong>is que exteriorizam algumas vezes os laços fragilizadoscom o Sagrado. Dentro <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des-terreiros, a doença recebevárias interpretações, mas em to<strong>da</strong>s elas é a noção de ancestrali<strong>da</strong>de queé evoca<strong>da</strong> para que o equilíbrio possa ser restabelecido. Outro fato quemerece destaque é que a doença nunca é vista como um fato isolado, ouseja, quando alguém adoece todos os que estão a sua volta participam dealguma maneira dela, a começar pela sua casa. Daí alguns rituais devemser estendidos a ela também. E quanto às doenças que ain<strong>da</strong> não possuemcura? As chama<strong>da</strong>s “doenças do tempo”? A estas as comuni<strong>da</strong>des-terreiros,de forma enérgica, combatem também com a mesma força e tentam,ao menos, fazer com que o doente conviva com elas, enten<strong>da</strong>-as, pois piordo que qualquer enfermi<strong>da</strong>de é viver uma vi<strong>da</strong> sem sentido, onde se deixade viver. Uma vi<strong>da</strong> que, no momento <strong>da</strong> parti<strong>da</strong>, não há <strong>na</strong><strong>da</strong> para sentirsau<strong>da</strong>de. Certa ocasião me perguntaram se quando eu ficava doente pro-76 • vilson caetano de sousa júnior
- Page 2 and 3:
na palma da minha mão
- Page 4 and 5:
VILSON CAETANO DE SOUSA JUNIORnapal
- Page 6:
A nossos pais e mães de quem ouvim
- Page 9 and 10:
93 • Os gêmeos e a inversão da
- Page 11 and 12:
to de terreiros como patrimônio ma
- Page 13 and 14:
cultura afro-baiana com uma criaç
- Page 15 and 16:
mãos que os iniciados trocam a bê
- Page 17 and 18:
não dá para trás.” Ou do relat
- Page 20 and 21:
candomblé e modernidadeO tema “c
- Page 22:
os terreiros, rios, uma língua rit
- Page 25 and 26: Fato é que para o chamado “povo
- Page 27 and 28: São, pois, estas memórias que con
- Page 30 and 31: a ciência e a tecnologia queos afr
- Page 32 and 33: do Dahomé, Abomé ou Danxomé, atu
- Page 34: eligiões de matriz africana, onde
- Page 40 and 41: que ignoram tal significado. Acredi
- Page 42 and 43: af r icanos ,seus descedentese econ
- Page 44 and 45: as doceiras “perderam o ponto”,
- Page 46 and 47: ancestralidadeafro-brasileiraO conc
- Page 48 and 49: uma parte do corpo, mas do corpo to
- Page 50: te, ou simplesmente balbuciadas no
- Page 54 and 55: candomblé e destino entrea advinha
- Page 56 and 57: com a morte, mas em viver a vida. Q
- Page 58 and 59: seres vivos, no sentido bem amplo d
- Page 60 and 61: em torno da noção de sacrifícion
- Page 62 and 63: Vamos agora falar sobre o sacrifíc
- Page 64 and 65: a expiatória. É quando a coisa sa
- Page 66: esu .
- Page 69 and 70: Diabo, entendido como adversário d
- Page 71 and 72: ção do mal, sugerida pelos missio
- Page 74: obaluaiyê
- Page 79 and 80: do aparelho urinário; Odé é resp
- Page 81 and 82: extenso, tem forma, é visível a n
- Page 83 and 84: primordial. Alguns orixás e nkise
- Page 86: odé
- Page 89 and 90: Médio e à Austrália. Depois fora
- Page 91 and 92: (Artocarpus heterophyllus) chamada
- Page 94 and 95: os gêmeos e a inversãoda mesaPara
- Page 96 and 97: pois não libertava a sua mãe. O n
- Page 98: Aos meninos é oferecida uma mesa,
- Page 101 and 102: oportunidade de demonstrar a import
- Page 103 and 104: cas, que construiu a sua família,
- Page 105 and 106: mulheres que, desafiando o seu temp
- Page 108 and 109: ao rei do mundo…Xangô é rei. É
- Page 110 and 111: ele representou para a humanidade,
- Page 112: oyá
- Page 115 and 116: escuro deveria ser rasgado por uma
- Page 117 and 118: çam graças à força emprestada p
- Page 120: oxun
- Page 123 and 124: O culto ao orixá Oxun, no Brasil,
- Page 126:
yemanjá
- Page 129 and 130:
santeiros. Como outros ancestrais n
- Page 131 and 132:
não pode ser encerrado na concepç
- Page 134 and 135:
iya agba yin,a mãe mais velhaDentr
- Page 136 and 137:
para Abeokuta, onde acreditava-se q
- Page 138:
quatro patas. Odé teria enlouqueci
- Page 142 and 143:
o ano bom para as religiõesde matr
- Page 144 and 145:
O Ciclo das Águas, especialmente n
- Page 146:
oxoguiã
- Page 149 and 150:
mais rápidos e o toque compassado
- Page 151 and 152:
consanguíneo de Tio Bangboxé, que
- Page 153 and 154:
da história das religiões de matr
- Page 155 and 156:
criar, reinventar e dar continuidad
- Page 158:
obá
- Page 161 and 162:
mesma, talvez por ela nos remeter a
- Page 163 and 164:
fender a sua dignidade através da
- Page 165 and 166:
______. Valores civilizatórios em
- Page 167:
Textos publicados no Jornal A TARDE