Espaços e Paisagens. Vol. 1 - Universidade de Coimbra

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(daí chamarem-no senário iâmbico livre), o que faz do sistema aparentemente livre de permuta algo, de fato, corriqueiro, ainda mais quando se constatam tais substituições na prática da escansão, seja, por exemplo, em poemas de Catulo, seja nas comédias de Plauto e Terêncio, seja nas fábulas de Fedro, e assim por diante. Ademais, tal problema é agravado pelo fato de os poemas de base trocaica admitirem o mesmo sistema de substituições não cronológicas. Para enfrentar essa questão, uma hipótese de trabalho pode ser a de que, talvez, na antiga poesia latina, atuavam dois sistemas de valor prosódico no verso: um, lógico, baseado na equivalência das seqüências de pés de mesmo valor cronológico; outro, sublógico, cuja funcionalidade atesta um sistema de equivalência de natureza talvez tipológica, isto é, que atuaria com respeito a pés métricos considerados equivalentes por pertencerem a determinado tipo de matriz fonológica. A fim de explicar essa dupla natureza do sistema de correspondências métricas da poesia latina, poder-se-ia lidar, a princípio, tanto com a hipótese da produção de efeitos de sentido muito específicos e atualizados em situações determinadas (a da representação teatral ou a da leitura pública de poemas, por exemplo), que poderiam levar, talvez, à produção de um efeito de casualidade e/ou de coloquialidade, adequados à comunicação de certos conteúdos, como com o postulado da derivação métrica, proposta desde, pelo menos, Césio Basso 8 e retomada pelos esticólogos posteriores, como Mário Vitorino 9 e Terenciano Mauro 10 . Até o momento, aparentemente nunca se atentou para a possibilidade de que, entre os antigos latinos, a concepção, segundo a qual uma figura prosódica – um pé métrico – possa ter-se diferenciado por mecanismo de derivação a partir de outra(s), que atuaria(m) como matriz(es) fonológica(s), fosse capaz de explicar os dispositivos de permuta não baseados em equivalência temporal. Seria oportuno, por isso, organizar um conjunto de juízos antigos sobre o tema, racional e metodicamente selecionados pelo viés de suas mútuas correspondências, bem como pelas deduções que permitissem reduzi-los a formulações únicas e coerentes, de modo a que ele permita várias formas de análise dos dados ali contidos, como, por exemplo, as diversas concepções 8 Basso, pelo que se sabe, o primeiro a falar disso em Roma, sustenta a teoria da derivação métrica em vários momentos, como se pode ler no Caesii Bassi fragmentum de metris coligido por Keil (Obs.: todas as edições de textos de gramáticos antigos aqui citados baseiam-se na edição de Keil, H. Itália; cf.). Embora Basso tenha vivido no séc. I d.C., a idéia de derivação, transposta para os domínios das artes plásticas e da retórica, estava já presente pelo menos desde Platão (cf. Timeu, 50ª), que a denomina metapláttein, como lembra Dangel 2001. Tal fato permite supor que o conceito estivesse na base de toda a produção poética latina. 9 E cuius genere hae metrorum species gignuntur, diphilium seu choerilium, lagaoedicum seu archebulium, aeolicum sive sapphicum et cetera, de quorum statu ac ratione suo loco dicemus. (De cujo tipo [= das formas de divisões de um hexâmetro datílico] nascem estas espécies de metros: o difílio ou o querílio; o logaédico ou o arquebuleu; o eólico ou o sáfico, etc., sobre cujo estatuto e proporção falaremos em momento adequado). (Marius Victorinus, “De dactylico metro”. Liber 2, in: Marii Victorini Artis Grammaticae Libri III, v. Keil, 1961). 10 Esse é, aliás, o princípio norteador de toda a exposição dos metros do manual de Terenciano Mauro, intitulado De litteris, de syllabis, de metris; v. Keil, 1961. 110 João Batista Toledo Prado
taxionômicas e conceituais sustentadas pela doutrina métrica de cada diferente autor que integrasse um tal córpus 11 . Bibliografia A Configuração do espaço poético: concepções sobre Metricologia Latina J. Brodsky (1994), Menos que um. Trad. Sérgio Flaksman. São Paulo: Companhia das Letras. J. Dangel (org.). (2001), Le poète architecte. Arts métriques et art poétique latins. Louvain/Paris/Sterling (Virginia): Peeters. H. Keil (Keilii, H). (1961), “Scriptores Artis Metricae” (v. 6), in Grammatici Latini ex recensione Henrici Keilii. Leipzig (=Hildesheim): Georg Olms, 1874. 8 v. A. D. Lima (1995a), uma estranha língua?: questões de linguagem e de método. São Paulo: EdUNESP. __________. (1995b), “Superação de restrições métricas do hexâmetro latino”. Araraquara: artigo inédito. G. B. Perini ( 3 1982), “Fondamenti di métrica”. in A. Traina, G. B. Perini, Propedeutica al latino universitario. Bolonha: Pàtron, 201-41. J. B. T. Prado (1997), Canto e encanto: o charme da poesia latina. Contribuição para uma Poética da Expressividade em língua latina. São Paulo: FFLCH- USP-SP (Tese de doutorado policopiada). C. Rosset (1970), L’Enseignement élémentaire du Latin. Paris: Université-Paris IV (Tese Mimeogr.). F. Saussure ( 4 1973), Curso de lingüística geral. Trad. A. Chelini, J. Paulo Paes e I. Blikstein. São Paulo: Cultrix. F. D. Teixeira (2005), Os Fragmenta de Césio Basso: leitura crítica e tradução anotada. Araraquara: FCL-UNESP-CAr (dissertação de mestrado policopiada – Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários). Virgile ( 18 1910), P. Virgili Maronis Opera. Texte par E. Benoist, revue par M. Duvau. Paris: Hachette. 11 A respeito da grafia aqui adotada para a palavra latina corpus, q.v. o texto “para não perder o latim. Análise total, por João Batista Toledo Prado em 11/5/2004”, disponível no site do Observatório da Imprensa, url: http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos. asp?cod=276JDB005 (acesso em 25/03/2008). 111
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