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Espaços e Paisagens. Vol. 1 - Universidade de Coimbra

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pelo terror e pela arbitrarieda<strong>de</strong>, tema que atravessa toda a obra, sustentando a<br />

reflexão sobre o regime político instituído por Augusto.<br />

E a imagem que guardamos – a que Tácito sem dúvida quis que guardássemos<br />

– é essa: um homem está sozinho e sem <strong>de</strong>fesa perante a morte. Sobre ele abatese<br />

a força cega da prepotência imperial. Numa ilha, como se esse espaço fechado,<br />

essas margens que o cercam, simbolizassem a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escapar à<br />

violência e à fortuna adversa. Graco, porém, não se <strong>de</strong>ixa vergar pelo medo,<br />

nem abdica <strong>de</strong> ser homem e olhar a morte com serenida<strong>de</strong> e coragem, com a<br />

constantia <strong>de</strong>sejada pelos estóicos. Não é como bicho acossado ou conduzido<br />

ao abate que ele quer sair da vida. Por isso, aos soldados que vêm para o matar<br />

e que sem dúvida viu aproximarem-se da fímbria da ilha on<strong>de</strong> Tácito o foca,<br />

pe<strong>de</strong> apenas um breue tempus para escrever à mulher as <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iras vonta<strong>de</strong>s.<br />

Depois, sem vacilar, ceruicem... percussoribus obtulit.<br />

Graco não é a primeira vítima <strong>de</strong> Tibério após a sua ascensão ao po<strong>de</strong>r.<br />

Tácito evocara já o primum facinus (1.6.1) <strong>de</strong>sse principado, o assassínio <strong>de</strong><br />

Agripa Póstumo, último neto <strong>de</strong> Augusto. Exilado na ilha <strong>de</strong> Planásia, também<br />

ele está sem armas e in<strong>de</strong>feso quando o tribuno que o vigia, em cumprimento<br />

<strong>de</strong> or<strong>de</strong>ns vindas <strong>de</strong> Roma, o surpreen<strong>de</strong> e mata. Agripa, porém, resistiu à<br />

morte, <strong>de</strong>u luta, o que é coerente com a informação anterior <strong>de</strong> que era trux,<br />

estupidamente orgulhoso da sua força física, e <strong>de</strong>sprovido <strong>de</strong> qualquer cultura<br />

(1.3.4; 4.3). Isso não impe<strong>de</strong>, todavia, que no momento da morte Tácito o fixe<br />

numa atitu<strong>de</strong> não isenta <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong>, recusando-se a morrer sem ao menos<br />

opor a resistência <strong>de</strong> quem nada tem <strong>de</strong> que se acusar.<br />

Ora, se observarmos que o fim <strong>de</strong> Graco é evocado no mesmo capítulo<br />

em que se regista a morte <strong>de</strong> Júlia, outrora sua amante e filha <strong>de</strong> Augusto,<br />

repudiada mulher <strong>de</strong> Tibério e mãe <strong>de</strong> Agripa, veremos que a associação entre<br />

estas três figuras não po<strong>de</strong> ser involuntária por parte do historiador e sugere<br />

muito mais do que uma leitura imediata que a justifique pelos laços afectivos<br />

e <strong>de</strong> sangue que os unem. Tácito <strong>de</strong>ixa-nos entrever, associando-os na morte, a<br />

funesta coerência <strong>de</strong> Tibério ao concertar uma vingança ansiada durante anos:<br />

Agripa, último filho <strong>de</strong> Júlia e sua <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira esperança, foi o primeiro a ser<br />

morto, por medo <strong>de</strong> que constituísse ameaça política. Depois veio a vingança<br />

contra a mulher que atentou contra a sua honra, que o pôs a ridículo com<br />

sucessivos e públicos adultérios. Para ela reservou uma morte lenta, à míngua<br />

<strong>de</strong> tudo, convencido <strong>de</strong> que passaria <strong>de</strong>sapercebido o seu <strong>de</strong>saparecimento<br />

após tantos anos longe <strong>de</strong> Roma. Na mesma altura, faz executar Graco, que<br />

o afrontara, que incitara Júlia a <strong>de</strong>srespeitá-lo e fora um dos muitos amantes<br />

<strong>de</strong>la: por isso é como se Tibério nele quisesse aniquilar todos aqueles com<br />

quem Júlia se cobrira e o cobrira a ele <strong>de</strong> opróbrio.<br />

Deste modo, Tácito mostra-nos Tibério como alguém que, guardando<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si um ódio rancoroso que só se saciava com sangue, há muitos anos<br />

esperava o momento em que pu<strong>de</strong>sse acertar as contas com os que o haviam<br />

insultado, em que tivesse as mãos livres para afastar do caminho todos os que<br />

lhe pareciam representar uma ameaça ao seu po<strong>de</strong>r.<br />

A unir as três vítimas está também um espaço fechado, <strong>de</strong> cerco: Júlia morre<br />

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Maria Cristina Pimentel

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