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Espaços e Paisagens. Vol. 1 - Universidade de Coimbra

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interfectusque, ao homeoteleuto dos particípios e ao polissín<strong>de</strong>to que os une<br />

vem juntar-se a carga semântica da censura que o advérbio pariter faz pesar<br />

sobre aqueles para quem a referência espacial in curiam aponta: os senadores,<br />

coniventes, na sua subserviência e por medo, com a tirania <strong>de</strong> Tibério.<br />

Já perto do fim da vida, porém, Tibério não saciou ainda o seu ressentimento<br />

contra todos os <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> Germânico. Às circunstâncias da morte <strong>de</strong><br />

um dos seus filhos, neto por adopção do próprio imperador, <strong>de</strong>dica Tácito os<br />

capítulos 23-24 do Livro 6, revelando-nos que Druso morreu extinguindo-se<br />

numa agonia lenta <strong>de</strong> nove dias, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>, pelo <strong>de</strong>sespero da fome a que o<br />

obrigavam, ter comido o enchimento do colchão em que dormia no cativeiro.<br />

É a <strong>de</strong>sumanida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>stino que o historiador nos faz olhar antes <strong>de</strong><br />

mais, provocando no leitor um sobressalto <strong>de</strong> terror e pieda<strong>de</strong> que o leva a<br />

compa<strong>de</strong>cer-se da <strong>de</strong>sgraça <strong>de</strong> alguém que, nascido na família imperial e por<br />

isso naturalmente sob signo auspicioso, acaba encarcerado pelo seu próprio avô,<br />

lutando para sobreviver e enlouquecido <strong>de</strong> fome, nas masmorras subterrâneas<br />

do Palatium. A referência explícita ao local do calabouço sugere ao leitor a<br />

impassível crueza <strong>de</strong> Tibério, imune ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> qualquer afecto, capaz <strong>de</strong><br />

manter o neto, anos a fio, nas mais abjectas condições, tão perto do local on<strong>de</strong><br />

outrora fora um dos possíveis her<strong>de</strong>iros do império.<br />

Para que o leitor se compa<strong>de</strong>ça <strong>de</strong> mais esta vítima <strong>de</strong> Tibério, Tácito<br />

não retoma neste passo nenhuma das informações negativas que <strong>de</strong>ra sobre<br />

Druso em 4.60, quando o mostrou colaborando com Sejano para a perdição<br />

do irmão mais velho e elencou as razões <strong>de</strong>ssa atitu<strong>de</strong> traiçoeira. Em sábia<br />

distribuição do material <strong>de</strong> que faz a sua história, a Tácito interessa focar aqui<br />

apenas a revoltante condição a que, no tempo <strong>de</strong> Tibério, era possível reduzir<br />

um ser humano, para nos mostrar que ninguém, nem mesmo um colaborador<br />

<strong>de</strong> Sejano, nem mesmo um ser violento e traidor dos mais sagrados laços<br />

familiares, merece morrer daquela forma.<br />

Todos os crimes <strong>de</strong> Tibério parecem, assim, nos diferentes actos <strong>de</strong> que se<br />

compõe esta história trágica, concentrar-se num número restrito <strong>de</strong> espaços<br />

aos quais Tácito atribui não um valor <strong>de</strong>scritivo mas um significado simbólico<br />

que cabe ao leitor compreen<strong>de</strong>r.<br />

São os espaços fechados das prisões on<strong>de</strong> são lançados seres inocentes e<br />

sem <strong>de</strong>fesa, para apodrecerem anos a fio até ao momento da morte, para serem<br />

mantidos na maior ignomínia até à execução ou até ao <strong>de</strong>sespero com que<br />

buscam o fim. São as ruas e as praças por on<strong>de</strong> as vítimas da tirania ou da vileza<br />

<strong>de</strong> outros homens são arrastadas para o suplício, e que se fazem <strong>de</strong>serto à sua<br />

passagem. É a cúria para on<strong>de</strong> tantos e tantos são levados, para serem julgados<br />

em processo sumário ou viciado, numa farsa <strong>de</strong> aplicação da justiça, a cúria que<br />

é lugar da infâmia dos senadores capazes <strong>de</strong> abdicar da honra para manterem a<br />

vida, ainda que talvez não por muito tempo, e seja qual for o preço que tenham<br />

<strong>de</strong> pagar por esse adiamento da <strong>de</strong>sgraça. São as casas, lugar da intimida<strong>de</strong>,<br />

dos afectos, da segurança e da vida, <strong>de</strong>vassadas pelos soldados sinistros, espaço<br />

on<strong>de</strong> se afoitam os predadores, seguros <strong>de</strong> que nada lhes travará o passo ou lhes<br />

censurará a <strong>de</strong>lação, as casas don<strong>de</strong>, sem razão nem aviso, é possível arrancar<br />

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Maria Cristina Pimentel

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