Espaços e Paisagens. Vol. 1 - Universidade de Coimbra
Espaços e Paisagens. Vol. 1 - Universidade de Coimbra
Espaços e Paisagens. Vol. 1 - Universidade de Coimbra
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
on<strong>de</strong> Ártemis está presente, na Lagoa do Golfo Sarónico, mas on<strong>de</strong> Afrodite<br />
tem o seu âmbito <strong>de</strong> proveniência. O <strong>de</strong>us que abala a terra faz tremer os<br />
fundamentos <strong>de</strong>sta e a carreira certa <strong>de</strong> Hipólito, para se elevar, como gigantesca<br />
onda marinha <strong>de</strong> maremoto, e se abater, sob a forma <strong>de</strong> um touro gigantesco,<br />
sobre o <strong>de</strong>stino <strong>de</strong> Hipólito.<br />
O touro é, em todas as iconografias e no imaginário grego também, símbolo<br />
material <strong>de</strong> potência viril, <strong>de</strong> força natural <strong>de</strong> uma sexualida<strong>de</strong> violenta e<br />
incontrolável. Nem Hipólito, na sua mestria <strong>de</strong> auriga virginal, que preten<strong>de</strong> concluir<br />
a sua corrida consoante a começou, o po<strong>de</strong> evitar e fazer-lhe frente, a ele, Poséidon,<br />
o <strong>de</strong>us que ensinou a domar os cavalos e a pôr-lhes o freio, como canta o Coro do<br />
estásimo I <strong>de</strong> Édipo em Colono. Nesse aspecto, o <strong>de</strong>us actua, efectivamente, como<br />
mestre da domesticação, num âmbito que serve <strong>de</strong> fonte à linguagem figurada da<br />
passagem da virginda<strong>de</strong> à submissão amorosa: a donzela admetos, olhada na lírica<br />
erótica como objecto do <strong>de</strong>sejo, ten<strong>de</strong>rá a conhecer o jugo imposto pela força <strong>de</strong><br />
eros. Assim o refere o Coro em relação a Íole, a poldra da Ecália, azyga lektron, ,<br />
anandron, anymphon (545-547) logo «subjugada» por Héracles.<br />
Hipólito <strong>de</strong>spenhar-se-á do promontório, para aquele espaço sobre o mar,<br />
sobranceiro às águas <strong>de</strong> Afrodite e não <strong>de</strong>svinculado <strong>de</strong> Ártemis. A sua corrida<br />
não po<strong>de</strong>, pois, terminar como começou – homem algum po<strong>de</strong> fazer coincidir<br />
princípio e termo. Lembrando Alcméon <strong>de</strong> Crotona (frg. 2B, DK), dizem que é<br />
por este motivo que os homens morrem: por não po<strong>de</strong>rem ligar o princípio com o fim.<br />
É esse o preço da historicida<strong>de</strong> humana.<br />
No seu fim, Ártemis o compensará <strong>de</strong> um modo que ao espectador po<strong>de</strong><br />
parecer fraca recompensa concedida àquele que tão fielmente a venerou (ainda<br />
que da <strong>de</strong>usa tenha tido uma concepção empobrecida, fruto da projecção da<br />
sua própria mundividência e natureza): um culto será instituído, que perpetuará<br />
a memória do jovem. As donzelas, antes <strong>de</strong> casar, cortarão ma<strong>de</strong>ixas do seu<br />
cabelo em sua honra e chorarão a sua sorte. A gran<strong>de</strong> compensação resi<strong>de</strong>,<br />
afinal, na verda<strong>de</strong>ira integração <strong>de</strong> Hipólito, ainda que post mortem, no gran<strong>de</strong><br />
ciclo da vida: ele ficará associado ao limiar da passagem do âmbito <strong>de</strong> uma<br />
<strong>de</strong>usa para o <strong>de</strong> outra. E não há espaço sagrado, em Trezena ou Atenas, que,<br />
consagrado a Hipólito, não tenha Afrodite por perto. A tensão entre as <strong>de</strong>usas<br />
continua – mas essa tensão é a própria violência da natureza, nas fases do seu<br />
ciclo vital. E tensão significa coexistência <strong>de</strong> uma por <strong>de</strong>ntro do reino da outra,<br />
no espaço natural em que o homem se enraiza e que representa o seu mundo.<br />
Uma e outra se encaram e completam, frente a frente, <strong>de</strong> costa para costa no<br />
Golfo Sarónico, entre Trezena e Atenas.<br />
Bibliografia<br />
<strong>Paisagens</strong> marinhas no Hipólito <strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s<br />
W. S. Barrett (paperback 1992), Euripi<strong>de</strong>s. Hippolytos. Ed. w. introd. and comm.<br />
Oxford.<br />
W. Burkert (trad. ingl.1985), Greek Religion Oxford.<br />
27