Espaços e Paisagens. Vol. 1 - Universidade de Coimbra

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ALIMENTOS TEMáTICOS SIMBóLICOS MíTICOS moretum ◊ bolos ◊ azeite ◊ vinho ◊ leite ◊ ◊ marmelos ◊ ameixas ◊ castanhas ◊ uvas ◊ maçãs ◊ ◊ caça ◊ ◊ vitela ◊ Neste primeiro grupo, os alimentos apresentados estão ora ao serviço da convenção pastoral, com um estatuto temático, ora o ultrapassam, convertendose em alimentos simbólicos ou mesmo míticos, podendo haver convergência de estatutos. Diferente se afigura, porém, o contexto do segundo grupo de bucólicas (1, 4, 6, 9 e 10), remetido pela tradição exegética para uma permanente interpretação de matiz alegórico: 1 e 9 (drama da confiscação de terras vivido pelo Autor); 4 (celebração da Paz de Brindes, em 40 a.C., associada à Idade de Ouro); 6 (dedicada ao seu amigo Varo, onde apresenta teorias epicuristas sobre a criação do mundo); 10 (a mais romântica avant la lettre das bucólicas, onde paisagem e personagens da Arcádia cantam os amores infelizes do poeta Galo). 152 Queijo Leite fresco Inês de Ornellas e Castro Bucólicas alegóricas A - Alimentos transformados (gordo) 1,34 (fresco) 1,81 B - Alimentos não transformados: recolecção e caça (cabra) 4,21 (vaca) 9,31 Vinho 6,15 pereiras e videiras (activi- 1,73 Frutos dades do passado) frutos e castanhas 1,80-81
Um repasto na Arcádia: as Bucólicas de Virgílio Amono da Assíria (erva aromática) 4,25 Mel 1,53-54 Constatamos de imediato uma reduzida alusão a alimentos, mantendo-se, como constante o leite, fresco e sob a forma de queijo, pressentido, todavia, como um signo a conferir «efeitos de real» no intuito de garantir a autenticidade do ambiente pastoril. Já o licor de Íaco, o vinho do Sileno embriagado, surge despojado da sua qualidade sacra (libações) e indicia, por si só, que o Poeta transmutou o idílio em elegia amorosa. Enquanto toda a pastoral encontra coerência sob o signo do leite (por vezes implícito), a bucólica 6 assume a sua diferença ao eleger o canto sob a égide do vinho. Nestas éclogas, quer as que evocam directamente a realidade política (1, 4 e 9), quer as que recriam episódios mitológicos(6 e 10), a pastoral afigura-se mais como um pretexto do que como objecto. As referências alimentares, quais tromp-l’oeil na pintura parietal de simulacrum, emprestam verosimilhança no âmbito do género. Apenas a referência aos queijos da bucólica 1 poderá merecer uma interpretação simbólica, na medida em que as qualidades de queijo, gordo (+ transformado) e fresco (- transformado), concretizam a oposição entre o mundo urbano e o rural, espaços cujos traços distintivos ultrapassam o mero canon eutópico da pastoral para assumirem funções como cenários políticos. O espaço urbano do passado é, em determinado momento, conotado com o poder gerador de injustiças, incapaz de reconhecer o esforço de produção: Quamuis multae meis exiret uictima saeptis,/ pinguis et ingratae premeretur caseus urbi (1, 33-34). O queijo fresco, por sua vez, enquadra-se na refeição frugal campestre, perfazendo, com os frutos maduros, o repasto arquetipal dos pastores-poetas. Com efeito, excepção feita ao valor simbólico do vinho (6) e do queijo (1) não se verifica, neste grupo, qualquer aproveitamento alegórico dos signos alimentares, todos se enquadram no código alimentar do género. O código alimentar da pastoral fixado por Virgílio afirma-se à margem da gramática gastronómica romana pois, embora recupere a tríade simbólica (trigo, azeite e vinho) no contexto da religatio, assenta em categorias ínsitas ao não civilizado (cf. espécies mais valorizadas, quase ausência de cozinha sacrificial e de técnicas de preparação). O leite, os frutos, o queijo e o mel marcam o quotidiano, enquanto a mesa festiva é assinalada com cordeiros e cabritos ganhos em concursos de canto ao desafio. É este o repasto 9 do género convencionado pela tradição estético-literária que vigora nas éclogas do renascimento (António Ferreira, Diogo Bernardes, Camões, Pero Andrade Caminha, Agostinho da Cruz) e do neoclacssismo (Marquesa de Alorna, Cruz e Silva). 9 Por influência dos idílios piscatórios de Sanazzaro, irromperá na península ibérica um novo alimento na pastoral: o peixe (cf. Cruz e Silva). 153
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Espaços e Paisagens Antiguidade Cl
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