Esquistossomose mansônica: aspectos sócio-culturais em ...
Esquistossomose mansônica: aspectos sócio-culturais em ...
Esquistossomose mansônica: aspectos sócio-culturais em ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
<strong>Esquistossomose</strong> <strong>mansônica</strong>: <strong>aspectos</strong> <strong>sócio</strong>-<strong>culturais</strong>... Daniella Coelho G. da Silva<br />
condição quase inevitável para qu<strong>em</strong> mora naquela região. Essa longa experiência com<br />
a doença solidificou a construção popular sobre a gravidade e o t<strong>em</strong>or da enfermidade.<br />
Em Caricé, a magnitude do impacto da morbidade da esquistossomose pôde ser<br />
avaliada pelo grau de apropriação da mesma pela população, expressado pela riqueza<br />
dos detalhes e da interpretação contidos no imaginário popular. A doença é<br />
secularmente produzida e sua gravidade é reconhecida e vivenciada por muitos. A<br />
persistência do número de casos de esquistossomose na localidade mant<strong>em</strong> viva a<br />
construção cultural da mesma e, paradoxalmente, dificulta o seu controle.<br />
As pessoas dessa comunidade mencionam a água do rio como causadora da<br />
doença mas não conhec<strong>em</strong> mecanismo de transmissão. Utilizam o rio para lavar roupa,<br />
pescar, além do lazer e este ambiente faz parte da rotina dessas pessoas que cresceram<br />
utilizando suas águas; vivenciando um costume passado de geração <strong>em</strong> geração. As<br />
atividades cotidianas no rio não são meramente atividades domésticas, a hora da<br />
lavag<strong>em</strong> de roupa é de suma importância social e de grande riqueza cultural pois é neste<br />
momento que as informações são trocadas e repassadas para toda a comunidade.<br />
Nesta comunidade a doença é vivenciada como algo doloroso e angustiante com<br />
sensações de mal-estar profundo, mas t<strong>em</strong> também um caráter determinista atribuído ao<br />
destino ou ao castigo divino, o que dificulta as possibilidades de controle ou<br />
reivindicações sociais para a eliminação da mesma. Qu<strong>em</strong> ainda não teve a doença vive<br />
na expectativa e suspense de que poderá vivenciar um dia aquelas sensações. A<br />
população de Vila Caricé apresenta os sintomas de uma forma bastante expressiva,<br />
carregadas de detalhes. Parece ter uma experiência única sentir e relatar aquelas dores.<br />
As seqüelas mencionadas traduz<strong>em</strong> a dor e são um fardo pesado que carregam ao longo<br />
da vida.<br />
A equipe de serviço de saúde local insiste na inútil tarefa de mudar os costumes<br />
da população alertando sobre o perigo do contágio através do contato com as águas do<br />
rio. Os moradores de Vila Caricé precisam do rio e ficar s<strong>em</strong> utilizá-lo significa uma<br />
perda valorosa, existindo aí um grande dil<strong>em</strong>a no momento que são informadas que o<br />
rio estaria causando perigo para a sua saúde. Parece não haver nenhuma estratégia<br />
educativa, por parte dos serviços locais de saúde, direcionada à não contaminação fecal<br />
do meio ambiente. Os moradores receb<strong>em</strong>, das agentes de saúde, orientação para não<br />
freqüentar o rio e percebe-se a existência de um discurso comunitário induzido,<br />
relacionado a um repúdio às idas ao rio, que na prática não funciona. Impossibilitados<br />
de realizar medidas preventivas duradouras, como saneamento e atividades sociais<br />
101