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seguimos em um caminhão. Quando chegamos, papai e Mike estavam de pé junto ao<br />
meio-fio.<br />
"Vocês não entrarão lá", disse papai. "Esperem aqui. Vamos trazer tudo para<br />
fora."<br />
Não sabíamos até papai abrir a porta: ninguém tocara no apartamento desde a<br />
morte de David. A bagunça dele estava por toda parte. Papai e Mike tiveram de limpar<br />
tudo antes de trazer para fora, para pôr no caminhão. Ainda dava para ver as manchas.<br />
Os bens de David eram escassos, para dizer o mínimo, e mesmo assim levou o dia<br />
inteiro para retirá-los de lá. Papai e Mike não disseram uma palavra e, desde então,<br />
nunca falaram sobre aquele dia. Quando eu lhes disse que estava escrevendo este livro,<br />
papai me pediu para não mencionar David. Não era vergonha ou sigilo. Havia lágrimas<br />
em seus olhos. Mesmo passado esse tempo todo, é muito doloroso para ele falar sobre o<br />
assunto. Entretanto é preciso falar.<br />
Duas semanas depois da morte de David, era hora de operar Max. O veterinário<br />
deu o anestésico e saiu por dez minutos para dar tempo de fazer efeito. Infelizmente,<br />
não chegou a retirar a água da gaiola. A tigela só continha um centímetro e meio de<br />
água, porém Max caiu nela e se afogou.<br />
Por acaso eu estava lá quando o veterinário veio à casa de meus pais. Ele<br />
conhecia minha família. Sabia o que meus pais estavam passando. Agora tinha de contar<br />
que matara o gato deles. Nós todos ficamos olhando fixo para ele por meio minuto,<br />
mudos. "Eu amava aquele gato de paixão", disse papai finalmente, com calma, mas com<br />
firmeza. "Seu filho da puta." Depois virou as costas e subiu para o segundo andar. Não<br />
conseguia nem falar com o cara. Não conseguia olhar para ele. Papai ainda se recrimina<br />
por sua explosão, mas a morte de Max foi demais. Foi a gota d'água.<br />
***<br />
QUANDO MAMÃE FOI DIAGNOSTICADA com leucemia, na primavera de 2003, ela e papai<br />
adotaram um gatinho. Mamãe não tivera um gato persa em vinte anos, desde a morte de<br />
Max. No entanto, em vez de adotarem um persa, como tinham a intenção de fazer,<br />
voltaram com um himalaia, uma cruza de persa com siamês. Ele era uma beleza<br />
cinzenta, com sedosos olhos azuis, a imagem exata de Max, até a personalidade sociável<br />
e amorosa. Deram-lhe o nome de Max II.<br />
Max II foi a primeira admissão de que mamãe ia morrer. Não da parte de papai.<br />
Minha mãe era tão forte que papai acreditava que ela poderia sobreviver a qualquer<br />
coisa. A admissão veio da parte dela: mamãe sabia que essa doença iria vencê-la e não<br />
queria que papai ficasse sozinho.<br />
Mamãe era uma força da natureza. Suspeito que começara fugindo da vida, do<br />
pai alcoólatra e das longas horas de trabalho no restaurante da família, desde os cinco<br />
anos de idade. Quando minha avó se divorciou, ela e mamãe arranjaram empregos em<br />
uma loja de roupas femininas. Essa era a vida dela, seu futuro, até conhecer papai.<br />
Depois que conheceu Verlyn Jipson, Marie Mayou deu meia-volta e passou<br />
todos os momentos correndo em direção à vida. Minha mãe e meu pai amavam-se<br />
profundamente. O amor deles era tão grande que não pode ser contido neste ou em<br />
qualquer livro. Eles amavam os filhos. Amavam cantar e dançar. Amavam os amigos, a<br />
cidade deles, a vida deles. Adoravam comemorações. Davam festas a cada realização ou<br />
marco. Mamãe levantava cedo para cozinhar e ficava de pé até as três da manhã, depois<br />
que todo mundo tinha ido embora. Às seis da manhã seguinte, começava a limpeza. Às<br />
oito, a casa estava impecável. A casa de mamãe era sempre impecável.