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voz da mãe. Dew sempre me escutava. Embora, nesse caso, ele estivesse tão disposto a<br />
desobedecer que fui obrigada a cumprir minha ameaça.<br />
"Dewey, você quer que eu vá buscar o borrifador?"<br />
Ele ficou me olhando fixo.<br />
Trouxe o borrifador de trás da minha escrivaninha. Com o outro braço, mantive<br />
aberta a porta da biblioteca. Dew esquivou-se de volta para dentro.<br />
Dez minutos mais tarde: "Vicki, Dewey está no saguão outra vez!".<br />
Foi a gota d'água. Três vezes num dia. Era a hora de eu me afirmar. Corri para<br />
fora da minha sala, atarraxei minha melhor voz de mãe, abri violentamente a porta do<br />
saguão e exigi: "Você, venha aqui agora, rapaz!".<br />
Um rapaz com cerca de vinte e poucos anos pulou de susto. Antes de a última<br />
palavra ter saído da minha boca, ele correra para dentro da biblioteca, agarrara uma<br />
revista e enterrara a cabeça nela, até as letrinhas miúdas. Que situação desagradável! Eu<br />
mantinha a porta aberta em um silêncio atônito, incapaz de acreditar que não tinha visto<br />
o rapaz bem na minha frente, quando Dewey passou trotando, como se nada tivesse<br />
acontecido. Eu quase podia vê-lo sorrir.<br />
Uma semana depois, Dewey não apareceu para sua refeição matinal e eu não<br />
conseguia encontrá-lo em lugar nenhum. Nada demais até aqui, já que Dew tinha espaço<br />
de sobra onde se esconder. Havia um escaninho atrás do mostruário, ao lado da porta da<br />
frente, que era - eu juro - do tamanho de uma caixa de crayons, a velha embalagem de<br />
sessenta e quatro lápis, com o apontador embutido. Havia também a espreguiçadeira<br />
marrom na área das crianças, embora normalmente o rabo dele ficasse de fora. Uma<br />
tarde, Joy estava arrumando a fileira debaixo dos livros na seção de faroeste quando,<br />
para seu pasmo, surgiu Dewey. Em uma biblioteca, os livros cabem dos dois lados de<br />
uma prateleira. Entre duas fileiras, existe um espaço de dez centímetros. Entre os livros,<br />
o supremo esconderijo de Dewey: rápido, prático e seguro. O único jeito de encontrá-lo<br />
era erguer os livros aleatoriamente e olhar por detrás deles. Isso não parece tão difícil<br />
até você pensar que a Biblioteca Pública de Spencer continha mais de quatrocentas<br />
prateleiras de livros. Entre esses livros havia um enorme labirinto, um longo mundo<br />
estreito, inteiro pertencente a Dewey.<br />
Por sorte, ele quase sempre se atinha ao lugar preferido nas prateleiras debaixo<br />
dos faroestes. Dessa vez, não. Tampouco estava embaixo da espreguiçadeira marrom ou<br />
em seu escaninho. Eu não o notei espiando de cima das lâmpadas. Abri as portas dos<br />
banheiros para ver se ele ficara trancado lá dentro. Nada.<br />
"Alguém viu Dewey?"<br />
Não. Não. Não. Não.<br />
"Quem fechou a biblioteca ontem à noite?"<br />
"Eu", disse Joy, "e ele estava aqui com certeza." Eu sabia que Joy jamais se<br />
esqueceria de procurar Dewey. Ela era a única da equipe, além de mim, que ficava até<br />
mais tarde para brincar de esconde-esconde.<br />
"Bom, ele deve estar no prédio. Parece que encontrou um novo esconderijo."<br />
No entanto, quando voltei do almoço, Dew ainda estava sumido. E não tocara a<br />
comida. Foi quando comecei a me preocupar.<br />
"Cadê Dewey?", perguntou um usuário.<br />
Já tínhamos escutado essa pergunta vinte vezes e ainda estávamos no meio da<br />
tarde. Recomendei à equipe: "Digam que Dewey não está se sentindo bem. Não é<br />
preciso alarmar ninguém". Ele ia acabar aparecendo. Eu sabia.<br />
Aquela noite, rodei com o carro durante meia hora em vez de ir direto para casa.<br />
Eu não esperava ver um gato cor de laranja peludo rondando pela vizinhança, mas<br />
nunca se sabe. O pensamento que me ocorria era: "E se ele estiver machucado? E se ele