Filósofos Brasileiros - Curso Independente de Filosofia

O pensamento dos criadores, daqueles que revelam novos horizontes espirituais
e que se erguem na História como "os faróis" de que Baudelaire falava, move-se num
plano tão abstrato que quase não tem contato com a maioria das consciências humanas.
Para alcançá-las, as ideias têm que transformar-se, acomodar-se. Essa adaptação é que
lhes permite converterem-se em força espiritual, verdadeiramente histórica. Os homens
não são acessíveis à razão pura, diretamente. É indispensável que as ideias tomem a
forma dos "ídolos", de que falava Bacon, para convencê-los.
Por outro lado, as doutrinas dos grandes filósofos quase nunca são reproduzidas
com exatidão e de forma integral, entre os que as professam. Cada um toma delas a parte
de que necessita. Mesmo os mais próximos discípulos do gênio criador, jamais chegam
a compenetrar-se das ideias do mestre em sua totalidade integral. A heterodoxia
começa desde o instante em que um pensamento é transmitido. Nenhum comentarista,
nenhum divulgador, por inteligentes que sejam, deixam de deformar a obra do mestre.
Isso explica que as obras geniais sejam insubstituíveis e que os "livros santos", que têm
vida própria e eterna, sejam necessários.
Em todo caso, a assimilação das ideias filosóficas exige a intervenção da personalidade.
Há um movimento de adaptação do espírito em todo ato de compreensão filosófica.
Na atividade filosófica, como na Arte e na Moral, há um conjunto de fatores intransferíveis.
Para compreender uma filosofia é necessário estar predisposto, "filosofar", na
velha acepção de amar a sabedoria.
Essa predisposição é variada. Os indivíduos ou as coletividades só são capazes
de compreender determinadas filosofias enquanto permanecem indiferentes ou hostis a
outras. Uma ideia, por profunda que seja, não se adapta a um ambiente nem domina
uma consciência, se não corresponder a uma necessidade espiritual arraigada nessa
consciência ou nesse ambiente.
Sendo assim, há uma história das ideias filosóficas que não se limita à história
das "criações" senão que estuda os incidentes de sua assimilação nos diferentes povos
em distintas épocas; uma história da penetração do pensamento abstrato nos desdobramentos
da vida concreta, humana, cotidiana. Uma história que afinal mostra o grau de
compreensão, a capacidade de assimilação nas diferentes épocas de um povo e o grau da
sua sensibilidade espiritual.
É dentro desse sentido que podemos falar, legitimamente, de uma história filosófica
latino-americana.
De uma forma imprecisa, com sedimentos talvez demasiado irracionais, sem a
penetração crítica que só se adquire com uma técnica madura, é fora de dúvida que existe
uma atividade do espírito latino-americano no campo da filosofia.
Cada pensador latino-americano é para o seu povo e para sua época, um descobridor.
Através dele se revelam índices de valores, visões destinadas a orientar, às vezes,
gerações inteiras. Por ele algumas significações e formas de vida tornam-se reais.
Assim como verdadeiros mundos intelectuais permanecem eternamente ignorados porque
faltou quem os soubesse revelar.
O pensador latino-americano é geralmente um autodidata. Não dispondo de bibliotecas
nem de material para investigação, carecendo da preparação metodológica e da
técnica que só se adquirem nos grandes centros universitários, quase sempre chega à
filosofia em busca de equilíbrio para a sua existência desorientada pelo desaparecimento
dos valores religiosos em que originariamente se educou. Procura achar, na filosofia,
um sentido para a própria vida. Na América, como na Península Ibérica, é o "homem de
carne e osso" quem pensa e busca as doutrinas que hão de sustentar-lhe a vida. Não é a
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