Se a realida<strong>de</strong> última e profunda do ser humano era o pensamento, o mesmo ocorria com o universo e com cada uma das coisas do mundo. "Há um pensamento envolvendo a totalida<strong>de</strong> das coisas", dizia Farias Brito. E tratava <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir esse pensamento nos animais, nas plantas e nas coisas. Farias Brito dizia que se podia perceber facilmente a existência, em condições inferiores, <strong>de</strong> uma modalida<strong>de</strong> do pensamento, nos animais. Também as plantas, segundo ele, "obe<strong>de</strong>ciam a um instinto profundo" e portanto, no seu íntimo havia um pensamento que as animava. No que se refere às coisas inorgânicas, acreditava que estavam compostas <strong>de</strong> "mônadas", cada uma das quais possuía um espírito próprio. Farias Brito aceitava a doutrina <strong>de</strong> Leibniz, apoiando-se para isso nas afirmações da ciência mo<strong>de</strong>rna sobre a "imaterialida<strong>de</strong> da matéria". Para ele a matéria era uma abstração das proprieda<strong>de</strong>s mais gerais dos corpos, que em última análise não eram senão força. E essa força era a mesma que estava na essência do nosso ser: o pensamento. "O pensamento é a força <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> nós; a força é o pensamento fora <strong>de</strong> nós". Uma vez aceita <strong>de</strong>ssa forma a presença do pensamento em todos os seres, era fácil para Farias Brito passar à seguinte concepção. "A alma é uma i<strong>de</strong>ia". O homem tinha uma alma, os animais, as plantas, as criações artísticas e as mônadas, igualmente. Cada ser do mundo era a objetivação <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ia. De on<strong>de</strong> provinham todas essas i<strong>de</strong>ias? De Deus. Do mesmo modo que o homem era capaz <strong>de</strong> produzir i<strong>de</strong>ias e fazê-las viver como abstrações e fantasmas, Deus pensava e "pensando criava almas e corpos, forças e movimentos, criava todas as obras da natureza". A concepção metafísica <strong>de</strong> Farias Brito resumia-se nos seguintes termos: "O mundo é Deus pensando e nós somos i<strong>de</strong>ias divinas". Farias Brito acreditava, seguindo a Aristóteles, que "a metafísica em seu mais alto sentido chegava a confundir-se com a teologia". Consi<strong>de</strong>rava que a existência da teologia estava baseada no fato <strong>de</strong> que sendo o mundo uma criação contínua, a existência <strong>de</strong> Deus era necessária. Deus era uma realida<strong>de</strong> imóvel. Produzia pela exuberância do seu ser. Criava obe<strong>de</strong>cendo não à necessida<strong>de</strong>, mas ao amor. Deus era bonda<strong>de</strong> infinita, fonte inesgotável <strong>de</strong> todas as coisas, perfeição absoluta, porque era o ser em sua plenitu<strong>de</strong>. Quanto à essência do homem, Farias Brito combatia todas as concepções naturalistas que em último termo afirmavam que o homem era uma simples agregação <strong>de</strong> matéria sem nenhum valor <strong>de</strong>ntro do mundo. As filosofias materialistas eram, segundo ele, filosofias da <strong>de</strong>sesperação. Para Farias Brito, se o homem fosse consi<strong>de</strong>rado do ponto <strong>de</strong> vista da sua existência exterior, não teria mais significação do que uma nuvem ou uma sombra que passam; do ponto <strong>de</strong> vista da sua realida<strong>de</strong> essencial, era um espírito. Farias Brito não <strong>de</strong>finiu com precisão suas i<strong>de</strong>ias sobre a natureza do espírito humano. Expressa-se, em verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma forma metafórica. "Os homens somos irradiações da inteligência divina, dizia, imagens a que ela dá corpo, sombras a que dá vida". "Somos fulgurações do fogo divino, pensamentos <strong>de</strong> Deus". Sendo pensamento em sua essência, o homem tinha, entretanto, a vonta<strong>de</strong> que o individualizava. A vonta<strong>de</strong> era o impulso vital da existência, mas ela conduzia para o concreto e gerava o egoísmo. Por isso a fonte da miséria e da dor humana estavam na vonta<strong>de</strong>. Só a inteligência era livre e libertadora. Por isso a verda<strong>de</strong> era o <strong>de</strong>ver supremo do homem. A verda<strong>de</strong>, na or<strong>de</strong>m moral, constituía a virtu<strong>de</strong>. Com relação à morte e à imortalida<strong>de</strong> da alma Farias Brito, apesar <strong>de</strong> sua inclinação que o levava pensar que "a morte era o término final e <strong>de</strong>finitivo da vida", abstinha-se <strong>de</strong> dar uma resposta conclusiva. Na sua carta a Jackson <strong>de</strong> Figueiredo, falando da 32
morte, dizia que talvez ela abrisse novos mundos para o homem. Em "A Base Física do Espírito", referindo-se ao terror que a morte sempre nos causa, perguntava a si mesmo se esse terror não seria a afirmação íntima <strong>de</strong> um instinto profundo, superior à dissolução que parece ser a morte. 33