Filósofos Brasileiros - Curso Independente de Filosofia

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fora da consciência não podia produzir-se a "representação" do universo e que graças à consciência o universo podia tomar as aparências com que se nos apresenta. Desse modo a angústia da separação desaparecia. Não porque o homem, como ocorria com o selvagem, se sentisse pertencendo ao universo mas porque chegava a convencer-se de que o universo lhe pertencia, pois sabia que era a sua consciência que fazia surgir as aparências maravilhosas do mundo. Graça Aranha não era um filósofo idealista, não pensava que o universo fosse uma criação da sua consciência. O universo existia fora do homem, mas com uma existência sem formas, as quais só apareciam graças à consciência, "espelho divino do universo, que reluz entre as trevas profundas do inconsciente". "O universo projeta-se em nós, dizia, como uma imagem, como um espetáculo". À concepção estética ou espetacular do mundo correspondia uma ética, que Graça Aranha resumia em três disciplinas fundamentais: resignação à unidade cósmica, incorporação à terra e vinculação com os outros homens. A resignação à unidade cósmica consistia em abandonar-se ao processo da transformação perpétua das coisas. Tudo muda, tudo aparece e desaparece. "Vivamos a alegria de sentir que em nós o universo passa, em suas transformações sem fim". A consciência devia aceitar o ritmo cambiante das coisas. Nossa realidade de hoje esteve dispersa numa infinidade de seres que existiram antes de nós. Há em nós partículas de todo o universo. Mais tarde os elementos integrantes do nosso ser estarão outra vez distribuídos na imensidade. Havia nessa "alegria", a que Graça Aranha dava a resignação como base, algo parecido com uma forma magnífica do consolo que os positivistas ofereciam ao homem dizendo-lhe que era imortal nos seus descendentes e na humanidade. A incorporação à terra constituía para Graça Aranha o reconhecimento de que o homem era uma expressão do seu meio físico, da necessidade de que a consciência não se desgarrasse do telúrico. O sangue dos homens tinha, para ele, o ritmo dos mares. As próprias moléculas da nossa carne eram irmãs das moléculas da terra. A vinculação com os outros homens era uma manifestação da solidariedade dos seres que pairam "no fluxo e refluxo aparente de vida e morte", companheiros fugazes dentro da ilusão universal. Tal era, em suas linhas gerais, a filosofia de Graça Aranha, cujas afirmações fundamentais estão em suas quatro obras mais importantes. Nelas estão baseadas as tendências do seu pensamento não somente estéticas mas também sociais e políticas. Sua concepção do mundo lhe fazia professar uma espécie de aristocratismo esteticista. No seu ensaio sobre "a melhor civilização", publicado em 1921, afirmava que a vida social não tinha fins utilitários ou instintivos e que ela devia produzir "uma elite em que se realizara um ideal de beleza". Um ideal de beleza que consistia na capacidade para a organização da existência humana como uma obra de arte. Um ideal de beleza que levaria a modelar os corpos e as almas dos homens dando-lhes belas formas. Comparava a civilização das elites industriais, agrícolas e guerreiras com as elites de filósofos, artistas e religiosos e dizia que esta última seria sempre superior. A cultura para ele, como para Tobias Barreto, estava baseada na submissão da animalidade ao espírito e a sociedade devia aspirar a superação da animalidade coletiva. Por isso mesmo, as concepções sociais do marxismo pareciam-lhe falsas. Para ele as questões econômicas só intervinham nos acontecimentos políticos e sociais, quando determinadas ideias ou sentimentos delas se apoderavam para dar-lhes um sentido e um ritmo. Observando os acontecimentos da Rússia de Lenin, pensava que as mudanças de posições econômicas e as subversões de toda a vida russa desembocariam em um novo nacionalismo. 38
Mais decisivos do que os fenômenos econômicos lhe pareciam os políticos baseados nos sentimentos de nacionalidade. "Será dentro do quadro nacional que se fará a transformação econômica do mundo", dizia em 1921. Sua conclusão era que "se a ciência e a universalidade da cultura não impedem a catástrofe da civilização, as nacionalidades pela sua expressão precisa, pela sua afirmação positiva e luminosa, evitarão nesta crise da história a confusão e o caos". Com essa convicção, Graça Aranha defendia o grandioso plano político da fusão da nacionalidade lusitana: a união de Brasil com Portugal e suas colônias. "A união política de Portugal e do Brasil, conseqüência da unidade moral das duas nações seria a grande expressão internacional da raça portuguesa". A realização desse plano chegaria quase a converter o Atlântico sul num mar lusitano. Finalmente, também no terreno literário, Graça Aranha foi conseqüente com as suas ideias nacionalistas. No seu livro "Espírito Moderno" que é uma recopilação de conferências e artigos escritos sob a motivação da campanha modernista a que já nos referimos, ao mesmo tempo em que reclamava a adaptação da literatura ao ritmo da vida moderna contemporânea, pedia que sua brasilidade fosse respeitada de maneira absoluta. "Ser brasileiro, dizia, é tudo ver e tudo sentir como brasileiro, seja nossa vida, seja a civilização estrangeira, seja o presente, seja o passado". Por isso apresentou à Academia de Letras, de que era membro fundador, o seguinte programa: "1) O dicionário que a Academia deve fazer será um "Dicionário brasileiro da língua portuguesa", conterá todos os brasileirismos e eliminará os portuguesismos; 2) a Academia não aceitará para os seus concursos: a) poesias parnasianas, arcádicas ou clássicas; b) nenhum trabalho de ficção sobre assunto mitológico que não seja do folclore brasileiro, tratado com espírito moderno; c) só aceitará obras de história brasileira tratada com critério moderno; 3) a Academia promoverá conferências sobre assuntos relacionados com temas brasileiros; 4) todo trabalho acadêmico será expurgado de arcaísmos ou classicismos verbais portugueses; 5) cada semestre será feito um estudo crítico da produção brasileira; 6) publicará trabalhos de escritores jovens dotados de originalidade e modernismo; 7) a Academia solicitará artigos de escritores modernos para sua revista." O projeto foi rejeitado e Graça Aranha retirou-se da Academia, sob ruidosas manifestações dos seus admiradores. As ideias filosóficas de Graça Aranha não tiveram grande influência no ambiente brasileiro. Quase ninguém o recorda como um pensador. Entretanto sua atuação no terreno literário é considerada não só brilhante mas também fecunda. Se alguns críticos a julgaram uma criação artificial e sem humanismo, a grande maioria admiram-na entusiasticamente, sendo muitos os que pensam como Odylo Costa Filho que, num estudo premiado há poucos anos pela Academia Brasileira de Letras, dizia de Graça Aranha: "Sua arte e seu nome ficarão, serão eternos, como a Beleza, ante a qual todos os séculos, os homens e as coisas se descobrem." 39
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