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O jornalismo em O tempo eo vento

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notícias. Flora, ao seu lado, tinha nas mãos o Correio do Povo. A velha interrompialhe<br />

a leitura de quando <strong>em</strong> quando, com observações.<br />

– O Gen. Estácio voltou, r<strong>eo</strong>rganizou a coluna dele e anda fazendo o diabo pras<br />

bandas de São Gabriel...<br />

– Ahã – fazia Flora, s<strong>em</strong> prestar muita atenção. Continuava a ler, mas lá vinha<br />

de novo a velha:<br />

– O Zeca Neto tomou Lavras...O Honório L<strong>em</strong>es entrou <strong>em</strong> Dom Pedrito. –<br />

Uma careta, um estalar de língua e depois: – Alegria de pobre não dura muito.<br />

Tiveram de abandonar a cidade porque a força do Flores da Cunha andava nas<br />

pegadas deles...(O ARQUIPÉLAGO II, p. 369)<br />

A passag<strong>em</strong> deste capítulo reforça a idéia de que as mulheres que habitam o<br />

Sobrado também têm outros interesses nas páginas dos jornais que vão além da simples<br />

leitura folhetinesca. Elas acompanham atentamente o desenrolar dos acontecimentos políticos<br />

na Capital e <strong>em</strong> outras cidades do interior do Estado, mesmo que identifiqu<strong>em</strong> aqueles tantos<br />

personagens reais apenas pelos “nomes claros e nomes escuros [...] um era o herói, outro o<br />

bandido” (O ARQUIPÉLAGO II, p. 570). Com sucessivos conflitos políticos e sociais <strong>em</strong><br />

marcha, Maria Valéria e Flora aprend<strong>em</strong> por b<strong>em</strong> ou por mal a ter uma consciência política na<br />

situação construída no romance. Algo que não acontece com Ana Terra, personag<strong>em</strong><br />

marcante da trilogia, que vive numa época durante a qual o <strong>jornalismo</strong> era uma atividade<br />

ainda inexistente no Rio Grande.<br />

Maria Valéria e Flora são as senhoras da casa e suas principais pr<strong>eo</strong>cupações se<br />

limitam a manter o lar <strong>em</strong> ord<strong>em</strong> e a aguardar a chegada dos homens, vivos ou mortos. Mas o<br />

interesse nos rumos da política, que afetam diretamente os destinos dos Cambará, as obriga a<br />

se manter com os pés no mundo real. Para isso, serv<strong>em</strong>-se à vontade dos jornais. Regina<br />

Zilberman 31 aponta que Maria Valéria não retém apenas a m<strong>em</strong>ória dos fatos, “ela preserva<br />

igualmente os vestígios do passado, corporificados nos objetos que sintetizam os sujeitos que<br />

os portaram”. Esses objetos estão armazenados num baú, a cuja chave Floriano Cambará t<strong>em</strong><br />

acesso e somente no final da trilogia a utiliza para revelar o conteúdo. Entre as bugigangas,<br />

recortes de jornais.<br />

Depois de muitas hesitações e resmungos, a Dinda me confia a chave do baú de<br />

lata <strong>em</strong> que traz guardadas suas l<strong>em</strong>branças e relíquias. Encontro nele, de mistura<br />

com incontáveis bugigangas [...], importantes peças do museu da família, como o<br />

dólmã militar do Cap. Rodrigo, um xale que pertenceu a D. Bibiana, e uma camisa<br />

de hom<strong>em</strong>, de pano grosso e encardido [...]. Todas essas coisas naturalmente me<br />

excitam a fantasia pelas duas possibilidades novelescas, mas concentro a atenção<br />

31 BORDINI, Maria da Glória; ZILBERMAN, Regina. O T<strong>em</strong>po e o Vento: história, invenção e metamorfose.<br />

Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004, p. 190.<br />

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