17.04.2013 Views

O jornalismo em O tempo eo vento

O jornalismo em O tempo eo vento

O jornalismo em O tempo eo vento

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

uma cidade fictícia que imita as transformações pelas quais passava o Rio Grande do Sul. 62<br />

Na noite daquele mesmo dia, quando deita e apaga a luz para dormir, Rodrigo fica a recordar<br />

os acontecimentos das últimas horas e justifica seus atos invocando Voltaire e comparando o<br />

intendente a uma jararaca:<br />

Il faut cultiver notre jardin. Oui, M. Voltaire, mas que devo fazer se uma cobra<br />

venenosa entra no meu jardim? Segurar a jararaca candidamente, mon cher<br />

Candide, e beijar-lhe a boca? Não. Écraser l’infâme, isso sim, pau na cabeça dela. O<br />

Titi Trindade é a jararaca do meu jardim. E, no fim de contas, prezados leitores d’A<br />

Farpa, é necessário que os bons sejam também fortes e tenham corag<strong>em</strong> de ser<br />

violentos e até cruéis quando essa violência e essa crueldade for<strong>em</strong> necessárias para<br />

o b<strong>em</strong>-estar da comunidade! (O RETRATO I, p. 228)<br />

A resposta de Trindade v<strong>em</strong> <strong>em</strong> seguida nas páginas de A Voz da Serra. O<br />

conteúdo do texto intitulado “Sepulcro Caiado” segue o mesmo vocabulário ofensivo do<br />

artigo escrito por Rodrigo <strong>em</strong> A Farpa. A guerra de palavras está declarada entre o Sobrado e<br />

a Intendência.<br />

De onde part<strong>em</strong> as pedradas traiçoeiras que pretend<strong>em</strong> atingir o honrado<br />

governo deste município? De alguma casa que não t<strong>em</strong> telhado de vidro? Não. Elas<br />

part<strong>em</strong> duma casa vulnerabilíssima, do Sobrado dos Cambarás, sepulcro caiado,<br />

mansão do vício, da iniqüidade, da desídia e da podridão; duma casa que, para<br />

usarmos a imag<strong>em</strong> do grande Guerra Junqueiro, é sinistra e suja como o lençol das<br />

velhas prostitutas; duma casa cujo chefe, <strong>em</strong> vez de dar-se o respeito que se exige<br />

de todo o cidadão digno desse título, afronta nossa sociedade vivendo amancebado<br />

com uma mulher por ele teúda e manteúda, a qu<strong>em</strong> instalou numa casa à Rua dos<br />

Farrapos, como é de todos sabido e notório. É lá que ele passa muitas de suas noites<br />

<strong>em</strong> orgias inconfessáveis. [...]<br />

E agora que já d<strong>em</strong>os ao pai o que ele merecia, vamos ao filho. Não gastar<strong>em</strong>os<br />

muita cera com tão ruim defunto. Que importância pode ter o Dr. Rodrigo Cambará<br />

(ai, doutor da mula ruça!) esse mocinho pelintra e seus dotes físicos? Ai,<br />

Rodriguinho! Onde foi que compraste tuas botinhas de cano de camurça? E as tuas<br />

águas-de-cheiro? Qu<strong>em</strong> confeccionou essas roupinhas que te faz<strong>em</strong> o ‘dandy’ mais<br />

completo de Santa Fé? Teria sido o Salomão Padilha, teu amiguinho particular?<br />

Diz<strong>em</strong> que trouxeste de Porto Alegre muitos caixões com bugigangas, e que entre<br />

estas veio um gramofone, com chapas de Caruso. Será que o grande tenor canta a<br />

famosa canção intitulada ‘Ismália Caré’? [...] Ouvimos também dizer que o ‘dandy’<br />

trouxe muitos vinhos e conservas estrangeiras. Decerto tudo isso é para as orgias do<br />

Sobrado, <strong>em</strong> que tomam parte ele, o pai, o irmão e outros cafajestes que infestam a<br />

nossa cidade. (p. 245)<br />

62 Segundo Flávio Loureiro Chaves, “a descendência da família Terra/Cambará <strong>em</strong> várias gerações coincide com<br />

a fundação da cidade de Santa Fé; esta, por sua vez, traduz uma síntese do Rio Grande do Sul, passando daí o<br />

retrato da sociedade brasileira. Dimensiona-se assim, nesta escala de ampliação, o corte transversal proposto pelo<br />

narrador”. O narrador como test<strong>em</strong>unha da História. In: GONÇALVES, Robson Pereira. O T<strong>em</strong>po e o Vento: 50<br />

anos. Op. cit. p. 70.<br />

52

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!