O jornalismo em O tempo eo vento
O jornalismo em O tempo eo vento
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O jornal A Voz da Serra 120 é introduzido na narrativa no episódio “Chantecler”, <strong>em</strong><br />
O Retrato, que se passa entre os anos de 1909 e 1910. Rodrigo Cambará havia acabado de<br />
chegar de Porto Alegre e recebe uma visita de Amintas Camacho. O jornal funcionava a<br />
serviço do intendente republicano Aristiliano Trindade, o qual confiara ao redator a<br />
incumbência de apresentar as boas-vindas ao jov<strong>em</strong> Cambará e investigar a inclinação política<br />
do recém chegado. Na época retratada no romance, as bases partidárias estavam às voltas com<br />
a eleição para Presidente da República. No Rio Grande do Sul, os republicanos eram<br />
soberanos no governo do Estado desde a Revolução Federalista e havia um sentimento mal<br />
contido de rancor por parte dos federalistas. Neste contexto, A Voz da Serra faz a propaganda<br />
do candidato gaúcho Marechal Hermes da Fonseca, mas a família Cambará, que outrora<br />
estivera ao lado dos republicanos, agora pende para o candidato civilista Rui Barbosa. 121<br />
Rodrigo recebe o redator a contragosto e acaba se sentindo insultado quando este<br />
apenas comenta se “o prezado amigo naturalmente vai votar no nosso coestaduano Hermes da<br />
Fonseca”. Quando entende o sentido da visita, Rodrigo controla-se para não agredir o redator<br />
e, à porta do Sobrado, aperta com constrangimento a mão do hom<strong>em</strong>. Em seguida, o irmão<br />
Toríbio sentencia o sentimento da família <strong>em</strong> relação ao periódico de Santa Fé:<br />
O Amintas é um cafajeste, um capacho do Titi Trindade. O jornal dele é uma<br />
latrina. (O RETRATO I, p. 85)<br />
A partir deste encontro protagonizado <strong>em</strong> O Retrato, o jornal A Voz da Serra e a<br />
família Cambará estarão <strong>em</strong> lados opostos numa guerra id<strong>eo</strong>lógica que inclui ofensas<br />
declaradas e até agressões físicas. Como se viu no capítulo anterior da dissertação, nos<br />
primeiros anos do Século XX o <strong>jornalismo</strong> gaúcho vive uma fase de transição do “regime”<br />
político-partidário para o informativo, que converge para os novos conceitos de <strong>em</strong>presa<br />
capitalista. As folhas que adotavam linhas editoriais baseadas mais na informação do que na<br />
formação de opiniões já se faziam presentes, mas a prática do engajamento político pelas<br />
páginas dos jornais ainda era mais comum no Estado. Muitos periódicos eram criados<br />
exclusivamente para circular<strong>em</strong> durante as campanhas eleitorais, para <strong>em</strong> seguida ser<strong>em</strong><br />
120 A princípio, não há referências de que Erico Verissimo tenha se inspirado <strong>em</strong> algum periódico verdadeiro da<br />
época para criar o A Voz da Serra. Embora tenha existido um jornal com o mesmo nome, fundado <strong>em</strong> Erechim<br />
<strong>em</strong> 1929. In: SILVA, Jandira M. M. da; CLEMENTE, Elvo et BARBOSA, Eni. Breve histórico da imprensa riograndense.<br />
Porto Alegre: Corag, 1986.<br />
121 Sobre essa fase da imprensa, Sodré diz que: “A imprensa iria, agora, atravessar a primeira de suas fases<br />
tormentosas no regime republicano. Já <strong>em</strong> 1908 começavam a surgir os sintomas preliminares da luta que, com a<br />
derrota do movimento civilista, encabeçado por Rui Barbosa, terminaria por caracterizar-se no turbulento<br />
período presidencial de Hermes da Fonseca”. A história da imprensa no Brasil. Op. cit., p. 327.<br />
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