O jornalismo em O tempo eo vento
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CAPÍTULO 3<br />
3.1 VERSÃO JORNALÍSTICA DO FATO HISTÓRICO<br />
Na manhã do dia 27 de junho de 1985, o <strong>vento</strong> que faz trepidar as janelas do<br />
Sobrado levanta um jornal do chão. As páginas sob<strong>em</strong> e desc<strong>em</strong> <strong>em</strong> movimentos suaves e de<br />
repente ficam coladas à parede da igreja. No cabeçalho da primeira página, <strong>em</strong> letras<br />
garrafais, Fandango lê a manchete:<br />
– OS FEDERALISTAS DERROTADOS EM CAROVI! 129<br />
Em seguida, o jornal torna a cair e rola pela calçada Rua dos Farrapos afora.<br />
A imag<strong>em</strong> de um jornal que flana ao <strong>vento</strong> e, ao abrir-se, revela uma notícia<br />
crucial de uma guerra civil, informa muito mais do que “apenas” o fim da Revolução<br />
Federalista e a vitória dos republicanos, representada no romance pela retirada dos revoltosos<br />
de Santa Fé. Este artifício introduzido na narrativa, e que se repete <strong>em</strong> outras duas ocasiões<br />
nas páginas seguintes, 130 sintetiza o papel que o <strong>jornalismo</strong> assume no romance enquanto<br />
veículo difusor de uma “versão jornalística” da História. A força simbólica desta passag<strong>em</strong><br />
descrita nos instantes derradeiros de “O Sobrado” reforça a idéia de que, para o narrador de O<br />
T<strong>em</strong>po e o Vento, os jornais são tão importantes quanto as armas de fogo usadas na disputa<br />
que dividiu os gaúchos entre maragatos e pica-paus.<br />
Como apontado no capítulo anterior, os periódicos participaram ativamente desta<br />
luta id<strong>eo</strong>lógica pelo poder que sucede a formação da República e, de uma forma ou de outra,<br />
com fontes seguras ou meros boatos, contribuíram para os destinos políticos e sociais da<br />
província. Ao erguer o imenso painel histórico <strong>em</strong> sua trilogia, Erico Verissimo selecionou<br />
determinados acontecimentos históricos que são retratados na ficção. A maioria destes fatos<br />
que pontuam a história – real e fictícia –, como será visto na primeira parte deste capítulo,<br />
entra no romance através dos jornais e seus leitores. As notícias são reproduzidas pelos<br />
personagens, ou pelo narrador, e despertam diferentes reações <strong>em</strong> outros.<br />
129 O Continente II. Op. cit., p. 662.<br />
130 Id<strong>em</strong>. “Lá <strong>em</strong> baixo, impelido pela ventania, um pedaço de jornal arrasta-se pela rua, bate nas pernas do<br />
maragato morto, sobe-lhes pelas coxas, fica por um instante preso nas dobras do poncho e acaba por cobrir-lhe a<br />
cara”, p. 664. “O galo do cata-<strong>vento</strong> continua a rodopiar. As árvores da praça farfalham. O pedaço de jornal que<br />
cobre a cara do morto sobe de repente e começa a esvoaçar sobre os telhados, como uma pandorga extraviada”,<br />
p. 666.<br />
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