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Conhece o valor dos tecidos, a<br />
sua flacidez, o seu brilho, como um<br />
grande esculptor da renascença; conhece<br />
a vida e a forma, como o primeiro<br />
dos esculptores modernos.<br />
Feita com a minúcia paciente,<br />
demorada e trabalhosa que a esculptura<br />
moderna inventou na multiplicação<br />
dos planos e na sua graduação<br />
complicada edifficil,demodo<br />
a dar na estatua o valor differente<br />
que têm as carnes e os tecidos, estudada<br />
detalhadamente nos mais<br />
pequenos pormenores de reconstituição<br />
do facto historico da lenda,<br />
concebida numa linha antiga, cheia<br />
de movimento, esta obra d'arte de<br />
um trabalho difficil e complicado,<br />
parece simples e feita sem esforço.<br />
Não é a Santa de uma pesada<br />
chronica do século xvn, éa figura<br />
ingénua e simples dum romance<br />
popular antigo.<br />
Tão simples, parece sonhada pelo<br />
povo e concebida por uma mulher.<br />
Um homem não faria aquillo.<br />
É uma Santa a viver a vida an<br />
tiga d'um velho romance.<br />
«As suas falias são doces,<br />
São como fios de mel;<br />
Deita esmolas, ás mãos cheias,<br />
A'que!le povo fiel,<br />
E o ouro não tem medida,<br />
E o cobre càe a granel.<br />
Já ao chagado da lepra<br />
Lhe não queima tanto a pelle;<br />
E os velhos se choram inda,<br />
As lagrimas não tem fel<br />
Porque ab mçoam a Santa<br />
(Gritam todos) Santa, Santa<br />
Rainha Donna Isabel.<br />
Mas eis El-Rey que apparece,<br />
Que vinha de passeiar,<br />
Com sua côrte brilhante<br />
E ei lo a Rainha a saudar:<br />
— Que fazeis, Senhora minha,<br />
Com essa gente a gritar ?<br />
Porque saístes sósinha,<br />
Que vos pódem fazer mal ?<br />
Que escondi vosso regaço,<br />
Rainha de Portugal ?<br />
E a Rainha que não ama<br />
Sua humildade mostrar<br />
A El-Rey responde logo:<br />
— Eu ia pelos caminhos,<br />
Ia só a passeiar;<br />
Tolheu-me este pobre povo<br />
Que me estava a festejar;<br />
E o que levo no regaço<br />
São flores de bom cheirar.<br />
Logo se abriu o regaço<br />
Por milagre, de pasmar,<br />
E do ouro, prata ou cobre<br />
Não havia nem signal,<br />
Eram tudo lindas flores,<br />
As mais lindas do logar,<br />
Que por milagre divino<br />
Alli vieram brotar.<br />
Là vae a Rainha Santa<br />
Com El-Rey de Portugal»<br />
Na cabeça da Rainha<br />
Um resplandor a allumiar.<br />
É feito do ouro e da prata<br />
Com que ella andava a esmolar.<br />
O resplandor brilha tanto<br />
Sua luz é de cegar :<br />
Lembra a rainha uma Santa<br />
Postinha agora no altar.<br />
Não é a esculptura complicada<br />
de Teixeira Lopes a figura simples<br />
do antigo romance popular?<br />
Que simplicidade 1 Nem um bordado<br />
no seu chapim de seda, nem<br />
um brinco, nem um annel. D'ouro<br />
só a sua coróa, bordado só o seu<br />
rico manto de rainha que o co<br />
tovello esquerdo, fraco, meio levan<br />
tado, tem difficuldade em fazer andar.<br />
Que emoção franca e simples que<br />
ella desperta e que complicadas<br />
coisas que se vêem, quando se estuda<br />
de perto a estatua!<br />
No rosto macerado passa a tris<br />
teza da sua vida triste, sempre no<br />
meio das luctas do marido e dos filhos,<br />
a nobreza da sua alma, a submissão<br />
ao senhor, a pena de ter<br />
mentido.<br />
RESISTENCIA — Segunda feira, 13 de julho de 1896<br />
A altitude traduz um mundo de mais é capaz dc senti-la, ninguém<br />
Esta luz extranha parece que lhe<br />
ALBINO P. RODR. BARBOSA<br />
idêas. Anda-se á volta d'ella e não mais capaz de comprehendê-la.<br />
sáe de dentro e que lhe pára á vol-<br />
ha a repetição d'uma linha, sempre Só eu deveria possui-la!... Desde que o vi, fiquei logo a gosta, involvendo-a numa auréola.<br />
effeitos novos conseguidos com uma Eu, não! Minha mãe sim, tão tar d'elle.<br />
Tendo comprehendido a belleza<br />
grande simplicidade.<br />
boa! Ella que cria tanto e me en- Ouvi-lhe isto:<br />
da fórma d'aquelle corpo, os tons<br />
De frente vê-se parada e trémusinou a rezar a mim. ..<br />
— Venho do museu do Rispo, do que deviam vestí-lo, Albino Rarboa<br />
adeantando-se para o rei. O man-<br />
Instituto e da Sé Velha, e tenho sa comprehendeu a emoção que<br />
T. C.<br />
to que ella cingiu mal viu o rei, para<br />
aprendido muito.<br />
creára Teixeira Lopes.<br />
occultar as flôres, está ainda agar-<br />
Eu extranhei que houvesse al- Quando o Rei fallou, a Santa firado<br />
ao corpo, deixando vêr a tremer<br />
guém que ignorasse alguma coisa cou de cêra e quasi desappareceu<br />
Carta de Lisboa<br />
o seu seio direito, peito de Santa,<br />
neste país, em que toda a gente na alvura do linho bra\ico o seu<br />
redondo e duro como o de uma<br />
sabe tudo.<br />
rosto dourado, como o fundo d'um<br />
Lisboa, 10 de jullio de 1896.<br />
Virgem.<br />
Outra vez alguém deanle d'elle lirio branco. Os lábios desmaiaram,<br />
Quando viu El-Rei fechou o re- Se lhes quizer fallar a verdade disse que tinha tido uns rudimen- sumiu-se o olhar, a carne impalligaço,<br />
apertando os braços contra o eu devo dizer que de política até tos de pintura, e elle voltou-se para deceu como se nas veias corressem<br />
corpo. El-Rei fallou e aellacaíram- agora só conheço a velha questão mim admirado a perguntar-me: — a cêra, o ambar e o ouro.<br />
íe sem força as mãos, toda a tre- da índia.<br />
Rudimentos? O que quer dizer ru- A occasião era a do milagre.<br />
mer, os braços agarrados ao corpo. No meu proposito, já traçado em dimentos de pintura?Ha só pintura, Olhando bem, ainda se conhece que<br />
Passou um vento mais frio que carta anterior, lhes direi que não pois não ha ? Quem não faz senão as flôres são ouro; ha ainda refle-<br />
he agitou o véu e lhe descobriu o me occupo d'ella e como em breve o que lhe ensinaram, pôde fazer xos dourados nas pétalas, alguma<br />
rosto.<br />
espero qué afii"me supporlem a tudo, mas não faz uma obra d'arte. que vae caindo, e a que um men-<br />
Caminhando para o lado esquer- massada d'uns artigos sobre o cen- Quem não puzer no que fizer algudigo possa deitar a mão, vae quasi<br />
do d'ella começa a apparecer numa tenário da índia, commentarios lima coisa de seu, coisa que lhe fôr ouro, a que tombou em terra é de<br />
inha curva desde a cabeça aos pés geiros em simples trabalho de com- própria e que ninguém lhe tenha ouro fino já, já pôde soccorrer um<br />
a sua submissão humilfleao marido. paração hei de fazê-las com impar- ensinado, não é um artista, nunca desgraçado.<br />
No lado direito, uma linha gocial violência.<br />
fará uma obra d'arte.<br />
O violeta do manto e os reflexos<br />
thica bem achada, traduz a fraque-<br />
X<br />
Eu olliava-o, a gostar de o ouvir que sobem d'elle a colorir o véu que<br />
za d'aquelle corpo que mal pôde ar-<br />
fallar, a vêr illuminada a sua physio- occulta a cabeça casam-se maravirastar<br />
o manto que desce para traz A questão das relações do Sovenomia doce, a sua cabeça, como a lhosamente com o tom dourado das<br />
em prégas muilo ricas, manto de ral com os inglêses vae quasi pas- das aves de presa, forte, um pouco carnes.<br />
rainha que enche de nobreza a essada. Estas coisas duram tanto como enterrada entre os hombros, com Ha tanto amor pela sua arte, tantatua.<br />
a vergonha da sociedade portu- um olhar preto, muilo intelligente e to respeito pela arte dos oulros nes-<br />
Deliciosa a linha quebrada que guesa.<br />
muilo agudo, olhar de quem vê bem. ta obra de Albino Rarbosa, que ella<br />
'ormam a perna e o braço direito,<br />
x<br />
Tem um grande amor pela àrte, dá-me a expressão extranha d'um<br />
inha d'um grande sabor antigo.<br />
gosta das obras antigas, mas não soneto d'um grande poeta, feito á<br />
Francamente lhes digo que não<br />
0 corpo está modellado com amor,<br />
as reproduz, suggerem-lhe ellas obra d'um grande esculptor.<br />
sei que mais escreva. Tal a sensaapalpa-se<br />
por baixo dos tecidos, é<br />
obras originaes e novas.<br />
)oria se' manifesta em Lisboa e tan-<br />
T. C.<br />
um corpo magro de Santa, muito<br />
Deante duma capa d'asperges<br />
.0 o descaramento da politica se<br />
elegante, esguio e fino, levemente<br />
antiga, toda bordada de santos co-<br />
torna inacessível a todas as refle-<br />
accentuado nos seios, em linhas sim-<br />
loridos sobre um fundo d'ouro pal- Nem os seus o poupam<br />
xões que a proposito d'islo se fa-<br />
)lesem prégas delicadas e sóbrias no<br />
lido, ficou-se estático; nunca mais<br />
çam.<br />
Draço esquerdo, na curva da perna<br />
a esqueceu, e dizia-me:—Tudo isto 0 notável advogado do Porto sr.<br />
x<br />
direita e no pé, pé aristocrático, lon-<br />
se faz muito bem, eu é que me não dr. Pinto de Mesquita, que tem migo<br />
e magro.<br />
Epocha de relativa Iranquillida- tinha lembrado nunca.<br />
litado no partido regenerador, ha-<br />
!<br />
O saber encontra-se a cada pasde,as grandes quadrilhas fojem pro- Na pintura da estatua—uma arte vendo já exercido alguns cargos imso,<br />
nos tecidos bem apalpados, bem visoriamente de Lisboa e á parte li- muilo Porluguêsa que agora parece portantes, diz na contra-minuta em<br />
vistos e bem pesados.<br />
geiros casos de embriaguez e maus<br />
querer nascer lá fóra, tem feito in- que sustenta o despacho do juiz<br />
Cortando em cima rigido numa costumes, que tanto illustram esta<br />
venções, modificando o modo de que declarou não haver fundamen-<br />
inha quebrada o manto, Teixeira cidade, de politica não ha mais na-<br />
dourar e de pintar, por fórma a dar to para a suspensão do Commercio<br />
Lopes sublinhou a finura dos linhos da. Uns insignificantes roubos de<br />
a iljusão dos tecidos e bordaduras. do Porto:<br />
que lhe involvem as carnes delica- carteiras e disse.<br />
É um modesto que voluntaria- «Se o governo português quer predas,<br />
accentuou por uma fórma mui- Para não romper a tradição dumente se apaga deanle da obra dos venir e reprimir os attentados anarto<br />
artística a doçura e a delicadeza rante a epocha dos banhos. outros.<br />
[•histas, não se limite a publicar só leis<br />
da physionomia.<br />
Adora Teixeira Lopes e ama-lhe de excepção contra os seus auctores;<br />
João de Menezes.<br />
imponha se a todos pelo respeito àlei,<br />
As duas prégas do manto que<br />
tanto a sua esculptura em mármo- pela moralidade nos seus actos, por<br />
descem do hombro direito -e vem<br />
re, que na estatua da Rainha Santa medidas de largo alcance economico e<br />
perder-se no regaço, modellam e<br />
pretendeu dar a ilíusão do mármo- pelo espirito de protecção ás classes<br />
P. S. — Se eu me lembrasse a<br />
affagam o busto da Santa que parece<br />
re colorido.<br />
operarias.<br />
tempo de que em Coimbra andam<br />
adiantar-se num ruído surdo de<br />
Conhece a pintura antiga, os cus- Não é fomentando a anarchia poli-<br />
lodos entretidos com as festas da<br />
tica pelos repetidos attentados contra<br />
sedas pesadas.<br />
tosos brocados que vestem as escul-<br />
Rainha Santa, não tinha escripto.<br />
a constituição do país, não é toleran-<br />
A linha que traduz o movimento<br />
pturas gothicas, os tecidos suaves do a anarchia moral pela indiíferença<br />
Que massada 1<br />
do lado direito, serviu também ao<br />
da renascença que parecem feitos e tolerancia para com os bandidos que<br />
artista para descrever a fraqueza<br />
por um illuminador delicado, os da- dispo*erain do dinheiro d i nação, nem<br />
restabelecendo a censura prévia de<br />
d'aquelle corpo de Santa que tanto No côro unanime de louvores a mascos pesados e ricos do século ominosa memoria, não é sacrificando<br />
se revela no cotovello saído e le- Teixeira Lopes, apenas uma voz xvn, as sedas finas de qué os pin- os mais vities interesses do país á<br />
vantado a suspender o manto, na discordante, a do sr. Luciano Cortores do século xviii vestiam os simples ambição de governar, nem<br />
delicadeza da coxa, na magreza do deiro, que nos dizem ter aconselhacorpos<br />
das Santas.<br />
dispendendo em custosas embaixadas<br />
e rendosas commissões o dinheiro que<br />
pé longo e fino.<br />
do no Porto, que a levassem a Coim- Sabe como tudo isso se faz, mas<br />
se devia applirar ao fomento economi-<br />
Teixeira Lopes conhece como ninbra; mas que se deixassem de a ex- pinta as estatuas a seu modo, pela co, não é preparando uma terrível criguém<br />
a belleza dó corpo feminino; pôr em Lisboa.<br />
maneira que é sua, que elle inventou. se de miséria com as ultimas reservas<br />
vê-se nas mais pequenas coisas a O successo obtido na capital mos- A pintura da estatua da Rainha metallicas da nação, nem tão pouco<br />
sua adoração dartista pelo corpo tra bem que foi infeliz o critico nas Santa diz-nos que no pintor vive aggravando contribuições directas que<br />
vão ferir as fontes de riqueza publica<br />
da mulher.<br />
suas presumpções.<br />
uma alma darlisla vibranle com as ou augmentando os impostos indire-<br />
Veja-se o cuidado com que o veu Tal qual como Santa Cruz que grandes, obras d'arte.<br />
ctos que vão incidir sobre os generos<br />
lhe cinge a cabeça e lhe acaricia o elle achou muito bem, e toda a gen- Comprehendeu a eslatua, pintou necessários â vida das classes opera-<br />
collo. E' tão delicado que não parete achou muito máu...<br />
uma obra original.<br />
das, não é, finalmente, antepondo às<br />
questões economicas e financeiras as<br />
ce trabalho das mãos, lembra que<br />
As côres que cobrem a Santa são estereis questões de galopinagem po-<br />
fosse modellado pelo vento.<br />
Ao passar num grupo Teixeira as das sêdas que vestem as flôres litica, ou apregoando a extiuccão do<br />
E como elle comprehende o mo- Lopes ouviu dizer:—E um dia que na primavera. Tons claros, vistos deficit orçamental no mesmo dia em<br />
vimento, a vida da carne, a vibra- deve ser assignalado, porque não de manhã, muito frescos, antes do que se pedem novos sacrifícios ao conção<br />
musical das linhas finas dum torna a ter outro egual.<br />
sol fazer murchar as flôres.<br />
tribuinte e se preparam novos e onerosos<br />
emprestimos, não é por esses<br />
aristocrático corpo de mulher. E elle, com uma grande fé na Conhece perfeitamente os tecidos processos, sem duvida, que o gover-<br />
Lê-se a chronica cheia de provas sua arte, contava commovido: que pinta, sabe dar-lhes a côr, a no d'uma nação ha de prevenir e evi-<br />
e a gente vae sorrindo dos milagres; Um dia, em Paris, uma , das mi- espessura, o peso, a transparência. tar a grande crise de fome que amea-<br />
olha-se a simples eslatua de Tei nhas obras teve um grande succes- Na estatua de Teixeira Lopes elle ça tudo subverter.»<br />
xeira Lopes, e a gente vê que se so. Os meus professores, homens tem uma parte própria —a luz que<br />
enganara, e crê. Aquilio foi assim, d'edade, diziam-me:—Você está involve a estatua, luz que parece Coisa notável! Todos pensam as-<br />
deu-se aquelle milagre, ninguém novo, mas podemos-lheaffirmarque vir de dentro, e que de noite nos sim, todos censuram asperamente<br />
duvidará; porque todos o vêem; por muito que viva não torna a fa- dá a illusão de que ella caminha in o governo e, afinal, todos se sub-<br />
porque o sentem fundo todas as zer obra assim. Garantimos-lhe com volta em nevoeiro branco, como o mettem vergonhosamente perante<br />
almas; é aquella a Santa que foi a a nossa experiencia.<br />
incenso, e de dia a idêa d'uma au- as suas prepotências!<br />
esposa de D. Diniz.<br />
Pois eu depois d'esse tenho tido reola dourada.<br />
Explicando caso tão extranho,<br />
Apossasse por tal fórma de nós, outros successos eguaes, e tive ago- Encheu de reflexos dourados o dizia-nos ha dias um amigo: nin-<br />
que todos nós acreditamos que Teira este enorme, que eu nunca po* setim branco da túnica, as sêdas guém tem mêdo, mas todos pensam<br />
xeira Lopes fez aquella estatua para deria prevèr, que eu nunca poderia côr de rosa e lilaz do manto, as que os outros o têm e, portanto,<br />
nós e só para nós, e que ninguém imaginar*<br />
carnes d'ambar e cêra,<br />
mettem-se em casa,