Prosa - Academia Brasileira de Letras
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Luiza Nóbrega<br />
ir buscar uma instância mais profunda <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>sejo, instância que, se está no<br />
poeta Luís <strong>de</strong> Camões, ultrapassa-lhe e lhe antece<strong>de</strong> a intenção consciente:<br />
“Camões se impone a su propósito (…) hay algo que está (...) más allá <strong>de</strong> la voluntad <strong>de</strong> este<br />
poeta (...) hay algo que va más allá <strong>de</strong> sus meros propósitos.” Que “algo” seria este, a que<br />
instância o “más allá” correspon<strong>de</strong>ria, o próprio Borges respondia remetendo-nos<br />
ao que os antigos chamaram “musa”, e os mo<strong>de</strong>rnos, não musa, mas<br />
“algo no menos incomprensible, y menos bello”, que ele chama “subconsciente colectivo”.<br />
Algo que, segundo venho há anos <strong>de</strong>monstrando, confere ao poema o acento<br />
trágico que não se po<strong>de</strong> tomar por secundário, porque inci<strong>de</strong> categoricamente<br />
sobre a sua <strong>de</strong>finição estética.<br />
Por fundamentar o que afirmava na citada tese, partindo da observação do<br />
texto, aprofun<strong>de</strong>i, por capítulos: 1. a poética d’Os Lusíadas, que <strong>de</strong>fini como<br />
antinômica e oceânica, apontando-lhe os agentes e expedientes estruturantes,<br />
entre os quais se <strong>de</strong>stacam a portentosa combinatória semântica (que<br />
Sena chamou “arquitetura significativa”, por oposição à “arte narrativa”),<br />
a pro fusão metafórica, a plurivalência frasal e o <strong>de</strong>sdobramento discursivo<br />
que chamei contradicção; 2. a função primacial <strong>de</strong> sua vastíssima trama míti -<br />
co-metafórica; 3. o sentido metafórico da perífrase “<strong>de</strong>sejada parte Oriental”,<br />
com a qual se <strong>de</strong>signa a Índia, tomando-a como correlativo objetivo 10 da Anima<br />
– parte feminina complementar do herói navegante – e cuja irradiação é fundamental<br />
na constituição <strong>de</strong> um dos campos semânticos centrais do poema,<br />
revelando a unida<strong>de</strong> profunda que há entre episódios como o da Linda Inês,<br />
o do sonho <strong>de</strong> D. Manuel, o do Consílio Submarino e o da Ilha Namorada,<br />
e a vinculação <strong>de</strong> todos eles ao sentido profundo da viagem; 4. o sentido e<br />
as funções da presença <strong>de</strong> Baco, persona do poeta, solista do coro contradictório<br />
do discurso encomiástico, ícone do encontro Oci<strong>de</strong>nte/Oriente, peça<br />
central para a compreensão do propósito e sentido d’Os Lusíadas; 5. aspectos<br />
10<br />
Noção conceitual assim formulada por T. S. Eliot: “The only way of expressing emotion in the form<br />
of art is by finding an objective correlative; in other words, a set of objects, a situation, a chain of events which<br />
shall be the formula of that particular emotion; such that when the external facts, which must terminate in sensory<br />
experience, are given, the emotion is immediately evoked.” “Hamlet”. In: Selected Essays. London: Faber<br />
and Faber, 1949, pp. 141-46.<br />
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