Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
No reino da água o rei do vinho: o triunfo <strong>de</strong> Baco n’Os lu s í a da s<br />
impregnada do “húmido elemento” – “As águas on<strong>de</strong> os ferros temperavam,<br />
Lágrimas são <strong>de</strong> míseros amantes”; (IX, 31) “Mal haverá na terra quem se<br />
guar<strong>de</strong> Se teu fogo imortal nas águas ar<strong>de</strong>.” (IX, 42) – e assim também a <strong>de</strong>scrição<br />
da Ilha, cuja paisagem está repleta <strong>de</strong> águas, <strong>de</strong> fontes, rocios, lagoas, e<br />
córregos – “Claras fontes e límpidas manavam Do cume, que a verdura tem<br />
viçosa; Por entre pedras alvas se <strong>de</strong>riva A sonorosa linfa fugitiva” (IX, 54);<br />
“A cândida cecém, das matutinas Lágrimas rociada, e a manjerona.” (IX, 62);<br />
“Ao longo da água que, suave e queda, Por alvas pedras corre à praia leda.”<br />
(IX, 67). E mais que isto: na ilha bucólica os filetes do poema se encontram:<br />
“Num vale ameno, que os outeiros fen<strong>de</strong>, Vinham as claras águas ajuntar-se,<br />
On<strong>de</strong> uma mesa fazem que se esten<strong>de</strong> Tão bela quanto po<strong>de</strong> imaginar-se”<br />
(IX, 55). No recanto em que sensorial e sublime se fun<strong>de</strong>m em figuras <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>usas sensuais, ou do <strong>de</strong>sejo carnal que se ren<strong>de</strong> às <strong>de</strong>usas da floresta sagrada,<br />
as lágrimas <strong>de</strong> Inês transfiguram-se e a água triunfa quando nela o “fogo do<br />
<strong>de</strong>sejo” submerge, <strong>de</strong>sfazendo-se em “puro amor”.<br />
E outro não era – senão a água – o motivo e propósito dos navegantes:<br />
“Cortando vão as naus a larga via Do mar ingente para a pátria amada, Desejando<br />
prover-se <strong>de</strong> água fria.” (IX, 51)<br />
Água que, no entanto, se vai transubstanciando no “licor <strong>de</strong> Lieu”, impregnando-se<br />
o “canto molhado” com o sumo dionisíaco: “Os vinhos odoríferos,<br />
que acima Estão não só do idálico Falerno Mas da ambrósia, que Jove tanto<br />
estima Com todo o ajuntamento sempiterno, Nos vasos on<strong>de</strong> em vão trabalha<br />
a lima Crespas escumas erguem, que no interno Coração movem súbita<br />
alegria, Saltando co’a mistura da água fria.” (X, 4). A impregnação dionisíaca<br />
manifesta-se na rendição que vai possuindo o canto – “Um súbito silêncio<br />
enfreia os ventos E faz ir docemente murmurando As águas, e nas casas naturais<br />
Adormecer os brutos animais.” (X, 6) – levando à profun<strong>de</strong>za trágica<br />
subjacente ao épico da superfície: “Matéria é <strong>de</strong> coturno, e não <strong>de</strong> soco A que<br />
a Ninfa apren<strong>de</strong>u no imenso lago”; (X, 8). Trágica, e também sempre lírica:<br />
“Fogo no coração, água nos olhos.” (X, 33).<br />
Mas nem após o repouso das fontes no Canto IX o curso da água se <strong>de</strong>tém:<br />
segue profusamente, no caudal <strong>de</strong> rios que <strong>de</strong>scem pelos Cantos IX e X, até a<br />
187