Prosa - Academia Brasileira de Letras
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Fagun<strong>de</strong>s Varela<br />
maldição eterna. Poucas vezes as imprecações do poeta soaram tão forte, pela<br />
sucessão <strong>de</strong> signos hostis a cercar, por cima e por baixo, o corpo do inimigo:<br />
“Pese- te a terra qual um fardo imenso,/ Infecta podridão cubra teus olhos,/<br />
Seque o salgueiro que sombreia a lousa”. A morte, ao invés <strong>de</strong> apaziguar, parece<br />
aviventar o ódio. Do ódio ao amor: visão oposta comparece em “Oração<br />
fúnebre”, tradução do Rig- Veda. Predomina uma atmosfera <strong>de</strong> suave harmonia,<br />
em que a transição não se faz com ruptura, na medida em que um dos termos<br />
(noite ou morte) já está presente no outro (aurora ou vida): “Desce à terra<br />
materna, tão fecunda,/ Tão meiga para os bons que a fronte encostam/ Em<br />
seu úmido seio.// Ela te acolherá terna e amorosa/ Como em seus braços<br />
uma mãe querida/ Acolhe o filho amado”.<br />
“Cântico do calvário”, uma das mais famosas elegias do lirismo brasileiro,<br />
é para muitos a obra- prima <strong>de</strong> Varela. Por meio <strong>de</strong> complexa orquestração <strong>de</strong><br />
metáforas, o longo poema apresenta simultaneamente a morte do filho do<br />
poeta, a dissipação das esperanças que sua vida projetava para a vida atormentada<br />
do pai, e a morte em vida <strong>de</strong> Varela, pela perda do referencial afetivo<br />
que a presença do filho representava: “Ouço o tanger monótono dos sinos,/<br />
E cada vibração contar parece/ As ilusões que murcham- se contigo”. Em alta<br />
voltagem dramática, o poema se encerra com a negação e a transfiguração da<br />
morte, reelaborada em signos <strong>de</strong> luz e <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>. De algum modo, a<br />
morte do menino o transforma no pai <strong>de</strong> seu pai, apontando- lhe o caminho<br />
da re<strong>de</strong>nção: “Brilha e fulgura! Quando a morte fria/ Sobre mim sacudir<br />
o pó das asas,/ Escada <strong>de</strong> Jacó serão teus raios/ Por on<strong>de</strong> asinha subirá<br />
minh’alma”.<br />
Estas são algumas faces, <strong>de</strong>ntre as muitas possíveis, da poesia <strong>de</strong> Fagun<strong>de</strong>s<br />
Varela.<br />
Referência<br />
Para a transcrição dos versos, valemo- nos do texto <strong>de</strong> Fagun<strong>de</strong>s Varela estampado nas<br />
Poesias completas. 2.ª ed. São Paulo: Saraiva, 1962.<br />
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