Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
No reino da água o rei do vinho: o triunfo <strong>de</strong> Baco n’Os lu s í a da s<br />
Da água do esquecimento, se lá chegam Os fortes Portugueses que navegam.”<br />
(I, 32). Sumo que é veneno, <strong>de</strong>stino do herói que se per<strong>de</strong> no mar sem fim,<br />
quando o Lusíada está em <strong>de</strong>manda da “água <strong>de</strong>sejada”, mas o seu adversário<br />
lhe trama a perda, convertendo em sangue a “<strong>de</strong>sejada água”, que assim se<br />
tinge com o sumo das veias abertas na guerra sanguinolenta, mas também do<br />
vinho dionisíaco, das emoções pulsantes, em que algo ancestral se apo<strong>de</strong>ra do<br />
projeto épico: “Mas os Mouros, que andavam pela praia Por lhe <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a<br />
água <strong>de</strong>sejada, (I, 86); Para que ao Português se lhe tornasse Em roxo sangue<br />
a água que buscasse.” (I, 82).<br />
Um longo pranto escorre n’Os Lusíadas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as lágrimas por Afonso –<br />
“Os altos promontórios o choraram, E dos rios as águas saudosas Os semeados<br />
campos alagaram, Com lágrimas correndo piedosas”; (III, 84) – e as lágrimas<br />
(“piedosas lágrimas”) por Inês: “Nos saudosos campos do Mon<strong>de</strong>go,<br />
De seus fermosos olhos nunca enxuito.” (III, 120) “As filhas do Mon<strong>de</strong>go a<br />
morte escura Longo tempo chorando memoraram E por memória eterna em<br />
fonte pura As lágrimas choradas transformaram;... Ve<strong>de</strong> que fresca fonte rega<br />
as flores, Que lágrimas são a água e o nome Amores!” (III, 135).<br />
Em tais incidências, observa-se que dois sintagmas-semas se combinam:<br />
“lágrimas” e “fonte”, as lágrimas choradas pelas donzelas convertem-se em<br />
“fonte pura”. A imagem da fonte, jorro <strong>de</strong> água que mana por entre pedras<br />
e montes, reiterando-se ao longo do poema, é símile do pranto que jorra <strong>de</strong><br />
olhos e almas saudosos, mas, lançando um elo do Canto III (Inês) ao Canto<br />
IX (Ilha e Ninfas), neste será transfigurada, <strong>de</strong> pranto, em gozo, quando as<br />
ninfas audazes vingarem a “donzela fraca e sem força”.<br />
Curioso é que, <strong>de</strong>pois da fonte nascida do pranto das donzelas, no Canto<br />
III, surjam, no Canto IV, duas fontes gêmeas do fundo do inconsciente coletivo,<br />
na extraordinária imagem dos rios sagrados hindus que aparecem em<br />
sonho ao rei lusíada: “Viu <strong>de</strong> antigos, longínquos e altos montes Nascerem<br />
duas claras e altas fontes.” (IV, 70) “Das águas se lhe antolha que saíam<br />
(...) Dous homens que mui velhos pareciam (...) Das pontas dos cabelos lhe<br />
caíam Gotas, que o corpo todo vão banhando.” (IV, 71) Trecho no qual<br />
se dá uma combinatória dos temas-semas “água” e “parte” com o núcleo<br />
179