25.11.2014 Views

Prosa - Academia Brasileira de Letras

Prosa - Academia Brasileira de Letras

Prosa - Academia Brasileira de Letras

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Luiza Nóbrega<br />

estância crítica em que a água surge como metáfora da vida do poeta em seu <strong>de</strong>clínio:<br />

“Vão os anos <strong>de</strong>scendo e já do estio Há pouco que passar até o outono. Os<br />

<strong>de</strong>sgostos me vão levando ao rio Do negro esquecimento e eterno sono.” (X, 9)<br />

Águas que continuam a <strong>de</strong>scer no canto <strong>de</strong> Téthys: “alagoas don<strong>de</strong> o Nilo<br />

nasce” (X, 95); rios e lágrimas <strong>de</strong> rios: “Choraram-te, Tomé, o Gange e o<br />

Indo” (X, 118); até a foz do Mecong, on<strong>de</strong> as águas todas confun<strong>de</strong>m-se, e o<br />

poema submerge, no contexto como no texto.<br />

Como se vê, por essa amostra exemplificativa, os sintagmas-semas do campo<br />

semântico da água formam um robusto eixo articulador do discurso d’Os<br />

Lusíadas. Visto que o curso da água, em sua abundância, e na confluência das<br />

vertentes, leva ao molhar-se do canto, resta dizer do sentido que têm tal presença<br />

e tal confluência n’Os Lusíadas. Cumpre então indagar: que propósito<br />

aponta esta predominância, e a que sentido leva este fio aquoso que flui <strong>de</strong><br />

estância a estância?<br />

ȄȄ<br />

A água metafórica: curso da vida, discurso poético<br />

O propósito e sentido <strong>de</strong> ambas – presença e confluência – que é sem<br />

dúvida convergente, é também, em seu cerne, metafórico: metaforiza a vida,<br />

o escorrer da vida, que o poeta acompanha, com sua pena, cujas tinta e tema<br />

são as lágrimas saudosas por ele vertidas, e cuja escrita é o verso, pelo qual<br />

água-vida converte-se em poesia. O curso da vida e da poesia <strong>de</strong> Camões escorre,<br />

n’Os Lusíadas, do Douro e Mon<strong>de</strong>go ao Tejo, do Tejo ao Atlântico, do<br />

Atlântico ao Indico e ao Ganges, até a imersão no Mecong, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> é <strong>de</strong>volvida<br />

ao oceano, para o retorno ao Tejo. A água é, n’Os Lusíadas, a metáfora da<br />

vida, in abstracto, e da vida concreta vivida pelo poeta, convertida em poema. É o<br />

próprio Camões quem diz, nos versos das já citadas críticas estâncias – “Vão<br />

os anos <strong>de</strong>scendo e já do Estio Há pouco que passar até o Outono... Os <strong>de</strong>sgostos<br />

me vão levando ao rio Do negro esquecimento e eterno sono” (X, 9)<br />

– em que os anos <strong>de</strong> sua vida <strong>de</strong>clinam no tempo como os rios no espaço, em<br />

paralelas que ao fim se fun<strong>de</strong>m, quando <strong>de</strong>ságuam, ambos os cursos, na gran<strong>de</strong><br />

“água indiscreta” do “Mecom”. Na correspondência metafórica <strong>de</strong> água, vida<br />

188

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!