Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Marcos Pasche<br />
evocação <strong>de</strong> mitos e lendas, e sim como alegoria da morte simbólica em que<br />
vivem as socieda<strong>de</strong>s maquinadas pela objetivida<strong>de</strong>: “A tribo exulta, sai da caverna,<br />
dança por entre as árvores se<strong>de</strong>ntas, aproxima-se do rio e logo se prostra<br />
no chão enlameado das margens, para agra<strong>de</strong>cer aos <strong>de</strong>uses relampejantes.<br />
Está salva. Porém, nunca mais voltaria a sonhar” (“O pintor da tribo”).<br />
O enfoque espacial foi até então um divisor <strong>de</strong> águas e <strong>de</strong> terras na obra<br />
<strong>de</strong> Adriano Espínola, que ora perambula pelo litoral, ora veleja pela urbe. Em<br />
Malindrânia, porém, ocorre uma fusão: em “As cordas do mar”, texto <strong>de</strong> abertura,<br />
as águas marinhas, à maneira das tsunamis, tomam ruas e praças, gerando<br />
um novo locus para o poeta que se transmutou em prosador:<br />
“Daí a pouco, espumas se aproximaram, velozes, vindas com o vento.<br />
Acompanhavam-nas ruídos <strong>de</strong> tráfego: ronco <strong>de</strong> motores, buzinas, apitos,<br />
freadas <strong>de</strong> ônibus, arrancadas <strong>de</strong> motos... (...). Enquanto as espumas cruzavam<br />
as águas, cheias <strong>de</strong> som e fuga, <strong>de</strong>cidi mergulhar para ver, naquele<br />
trecho, a cida<strong>de</strong> submersa.”<br />
Além <strong>de</strong> poeta, Adriano Espínola é professor universitário <strong>de</strong> literatura,<br />
o que inevitavelmente levou-o à produção ensaística. A crítica, apesar <strong>de</strong> sua<br />
natureza diferente, reforça o signo da diferença do poeta, visto que seus estudos<br />
mais famosos abordam as obras múltiplas <strong>de</strong> poetas <strong>de</strong>sconcertantes para<br />
os manuais <strong>de</strong> literatura: na antologia <strong>de</strong> poemas <strong>de</strong> Sousândra<strong>de</strong>, o cearense<br />
chamou o maranhense <strong>de</strong> “irisado” (no ensaio que abre a coletânea); na estupenda<br />
tese consagrada a Gregório <strong>de</strong> Matos, Adriano <strong>de</strong>senvolveu a i<strong>de</strong>ia<br />
<strong>de</strong> ter o poeta baiano teatralizado sua poesia e sua biografia, sendo autor e<br />
personagem no mesmo palco.<br />
Antes <strong>de</strong> concluir, talvez seja interessante observar que a arte poética <strong>de</strong><br />
Adriano Espínola inscreve-se na maioria das <strong>de</strong>dicatórias <strong>de</strong> seus livros especificamente<br />
literários. Trapézio e Em trânsito não trazem esse tipo <strong>de</strong> homenagem.<br />
Em Beira-Sol, ela é dirigida a Eduardo Portella, com o complemento<br />
“pelos toques do mestre”. Uma vez que se trata <strong>de</strong> uma poesia com vivo gosto<br />
por alterar-se, ela vê inegavelmente na alterida<strong>de</strong> uma fonte <strong>de</strong> inspiração e <strong>de</strong><br />
120