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gerais. - Roteiro Brasília

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por Guimarães Rosa, entre as cidades<br />

de Paraopeba, ao sul, Paracatu, a oeste,<br />

Januária, ao norte, e Montes Claros, a<br />

leste. Foi aí, nesse quadrilátero cortado<br />

ao meio pelo Rio São Francisco, que<br />

ele e sua equipe passaram três anos<br />

pesquisando, fotografando, filmando,<br />

conversando com os moradores e<br />

vivendo, ou melhor, revivendo o<br />

percurso literário de Rosa. Foram mais<br />

de 10 mil km rodados, 50 horas de<br />

imagens gravadas em vídeo e 1h30 em<br />

película.<br />

O resultado não poderia ser mais<br />

auspicioso e poderá ser conferido na<br />

exposição que o CCBB realiza a partir<br />

do dia 24, e até 26 de novembro, sob<br />

o título de Sertão: Casa de Imagem<br />

– Espaço, Tempo e Vida no Brasil<br />

Central. Compõem a mostra uma<br />

vídeoinstalação com três módulos<br />

(Grandes Histórias e Crônicas, Outras<br />

Histórias e Cadernos de Viagem e,<br />

finalmente, Cidades e Vídeocrônicas),<br />

o documentário Sertão Mineiro, que<br />

conta a história da região desde sua<br />

ocupação até os dias de hoje, e ainda o<br />

sertão virtual que poderá ser conhecido<br />

no sítio www.sertoes.art.br, onde estão<br />

reunidas até o momento 400 telas<br />

de texto, 12 horas de audiovisual,<br />

divididas em 400 seqüências (incluindo<br />

37 entrevistas, 22 videocrônicas e filmes<br />

históricos), e um mapa com vários<br />

níveis de navegação.<br />

Brasília, esta Paracatu da<br />

modernidade, criada no meio<br />

destas perdidas <strong>gerais</strong> descritas por<br />

Guimarães Rosa e resgatadas na<br />

contemporaneidade virtual por<br />

Álvaro Garcia, é parte desse processo,<br />

assim como o livro, também quase<br />

cinqüentenário, de profunda transição<br />

que marcou a história recente de nosso<br />

país e que foi detonada, entre outros<br />

fatores, pela mudança da capital.<br />

Para os que vivem aqui e que também<br />

puderam ser testemunhas dessa<br />

transformação, a exposição do CCBB<br />

trará, certamente, muitos elementos<br />

para ampliar a compreensão do que se<br />

passou e ainda se passa.<br />

Sertão: Casa de Imagem – Espaço,<br />

Tempo e Vida no Brasil Central<br />

De 24/10 a 26/11, de terça a domingo, das 10<br />

às 21h, no CCBB. Entrada franca<br />

Em entrevista à <strong>Roteiro</strong>, Álvaro Garcia conta como foi sua expedição<br />

O que resta da paisagem do grande sertão<br />

descrito por Guimarães Rosa<br />

Nosso trabalho tentou mostrar a paisagem<br />

mental e natural do sertão de Rosa. Segundo<br />

dados do Ibama, nós já devastamos 80% do<br />

Cerrado. Então, sobra muito pouco ainda<br />

preservado. É interessante também que este<br />

bioma, o segundo da América do Sul, atrás<br />

apenas da Amazônia, é o que tem o menor<br />

número proporcional de hectares em unidades<br />

de preservação, entre todos os biomas<br />

brasileiros. Nós também fomos atrás do que<br />

chamo de ‘paisagem mental’, aquela forma<br />

de falar, pensar e ser do sertanejo. Ela também<br />

sofreu intensas mudanças nos últimos 50 anos.<br />

Com as distâncias encurtadas, a urbanização, a<br />

escola, a televisão e a telefonia, o linguajar e a<br />

forma de ser do sertanejo perderam muito das<br />

suas características descritas por Rosa. Hoje há<br />

uma nova geração na região que praticamente<br />

desconhece o próprio sertão e que tem uma<br />

diferença enorme na forma de falar e pensar<br />

em relação a seus avós, por exemplo. Ainda<br />

achamos aqui e acolá comunidades e sertanejos<br />

que guardam a verve daqueles tempos, mas são<br />

uma ‘espécie em extinção’.<br />

Os personagens de Rosa, no seu entender,<br />

poderiam viver em outra região ou eles e seu<br />

entorno geográfico são uma coisa só<br />

Grande Sertão: Veredas é um livro universal.<br />

Como disse Antônio Cândido, ‘o sertão é o<br />

mundo’, e nesse sentido o livro poderia ter sido<br />

escrito contando a vida de pessoas em outras<br />

regiões. Ocorre também que Grande Sertão<br />

é também uma verdadeira ‘bíblia’ do sertão.<br />

Nele há um completo mapeamento cultural,<br />

da fauna, flora, história e geografia da região.<br />

Então, ele não seria o mesmo livro em outro<br />

lugar, e muitas das riquezas que estão no livro<br />

se perderiam, ou seriam trocadas por outras. O<br />

que a gente tenta mostrar é que a conformação<br />

geográfica e histórica da ocupação da região<br />

e sua relação com o restante do Brasil e do<br />

mundo condicionaram um espírito único que<br />

moldou o sertanejo e sua forma de ser.<br />

Depois de realizar esse grandioso trabalho, qual<br />

é seu sentimento Você se sente pessimista<br />

ou não em relação ao futuro das <strong>gerais</strong> e, por<br />

extensão, do país<br />

Acho importante a gente ter uma visão realista<br />

da situação das <strong>gerais</strong>, e também do Brasil.<br />

Temos problemas gravíssimos a enfrentar, fruto<br />

de um desenvolvimento e de uma ocupação<br />

da região que se preocupou pouco com sua<br />

enorme riqueza ambiental e cultural. O sertão<br />

está sendo ‘ocupado’ predatoriamente pela<br />

cidade, está se conectando à globalização de<br />

uma forma que tem causado sérios efeitos<br />

para a região. Tudo é fruto de um imediatismo<br />

muito grande. Agora, eu sempre tenho<br />

esperança. Há possibilidades de transformação<br />

e caminhos para reverter ou pelo menos parar<br />

esse ritmo de devastação. E acho que conhecer<br />

a realidade é sempre um dos caminhos. Não<br />

podemos propor soluções para aquilo que não<br />

estamos vendo. Acho até que esse trabalho<br />

faz parte do movimento de instituições do<br />

governo, ONGs, movimentos e redes da<br />

sociedade civil organizada. Minha esperança<br />

é sensibilizar a nova geração sertaneja para<br />

a riqueza, a beleza e o risco que seu lugar<br />

corre hoje. Não se trata de voltar atrás, numa<br />

visão romântica, mas de caminhar adiante,<br />

desenvolvendo e transformando, levando-se<br />

em conta a bagagem que têm as <strong>gerais</strong>, e que<br />

é muito preciosa. Será que mudamos nossa<br />

percepção do sertão ao longo do século 20<br />

Creio que não. O sertão antítese da civilização<br />

foi o sertão que se perpetuou na literatura e<br />

no cinema, funcionando como um ponto de<br />

fuga da cultura urbana, emergente na costa<br />

brasileira. O sertão tem sido utilizado dessa<br />

maneira, ora como oposição à cidade, espaço<br />

de valores atrasados e conflitos ancestrais, de<br />

luta ímpia contra as forças brutas da natureza,<br />

ora como espaço de afirmação da brasilidade,<br />

da cultura autêntica da terra, em oposição ao<br />

importado que chegava à capital-porto Rio de<br />

Janeiro e às cidades da costa. Através de filmes<br />

e livros, fomos construindo a imagem de um<br />

sertão que hoje está defasada, pois o sertão<br />

real foi devastado pela passagem da nossa<br />

própria civilização urbana, que continua nos<br />

consumindo, e também às cidades e campos.<br />

E é para esta realidade que precisamos olhar<br />

agora. Pois é a partir dela que poderemos fazer<br />

alguma coisa.<br />

PEDRO MOTTA<br />

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