versão pdf - Livraria Imprensa Oficial
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Então imagine, durante toda a noite a canoa ficava atravessando o rio de cá<br />
pra lá e de lá pra cá, trocando queijo por cigarro. E ninguém atirava.<br />
Mas no outro dia os tiros começavam de novo.<br />
Um tio meu participou da batalha. Ele tinha uma foto com o capacete de aço<br />
na cabeça, ajoelhado, metralhadora na mão, todo com pose, eu tinha esse<br />
retrato. Graças a Deus, se salvou, mas houve uma batalha no final da revolução<br />
em que morreu um monte de gente. Foi quando as tropas paulistas e<br />
federais se encontraram no meio de um túnel na serra da Mantiqueira, que<br />
ligava Cruzeiro, em São Paulo, e Passa Quatro, em Minas Gerais. Foi doloroso.<br />
Dessa época há uma música sobre a Serra da Mantiqueira, de Ari Kerner. É<br />
sobre uma velhinha Mãe Maria, esperando o filho que tinha entrado para<br />
um batalhão e nunca voltava, nem dava notícias. Ele tinha seguido para o<br />
Rio de Janeiro.<br />
Eu cantei essa música no Viola, Minha Viola, há pouco tempo e no outro dia<br />
choveu e-mails elogiando. Minha primeira gravação de Serra da Mantiqueira<br />
foi em 1959 no disco Canto da Saudade, ela aparece também em outras<br />
coletâneas.<br />
No Viola, quando eu cantei essa música, lá tem muito velhinho, que lembra<br />
dessas histórias e também da música, e aí foram só lágrimas, tiveram que<br />
tirar os lenços das bolsas. A música faz isso. Uma música às vezes está<br />
esquecida, mas quando você canta de novo as lembranças, para quem viveu<br />
a época, vêm imediatamente à cabeça.<br />
É um modo de preservar a memória de algum período que você passou. Por<br />
isso eu valorizo sempre a música de raiz, que é nossa, que veio do coração e<br />
que tem alguma coisa para nos dizer sempre.<br />
Essa música moderna só de moda, que só faz barulho, com letra artificial,<br />
faz sucesso um tempo e nunca mais. O que fica é aquilo que tem raiz com a<br />
nossa história ou com coisas da nossa vida que a gente realmente passou<br />
ou viu. Mesmo o habitante das grandes cidades tem parentes ou ele próprio<br />
veio de algum lugar do interior. Por isso a gente sempre se imagina algum<br />
dia numa casinha com mato, árvores e passarinhos.<br />
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