Revista <strong>Adusp</strong>A nova televisãobrasileiraLaurindo Lalo Leal FilhoProfessor da Escola de Comunicações e Artes da USPJaneiro 2008Daniel GarciaSão Paulo, 5/10/07: a faixa diz tudoArdilosamente confundida com uma TV estatal, a TV Públicapassou a ser acusada, antes mesmo de entrar no ar, de servir ainteresses do governo, ou, na linguagem da mídia hegemônica, de“chapa branca”. Tal fúria esconde o temor dos concessionáriosdos canais comerciais de enfrentar uma concorrência qualificada.Os defensores da TV Pública, por outro lado, ainda se ressentemda falta de elementos mais consistentes para defendê-la ejustificá-la. O que também é compreensível dada a quaseinexistência desse modelo entre nós até hoje55
Janeiro 2008No final do ano a sociedadebrasileira foiapresentada a doisnovos fenômenos televisivos:um tecnológico,a TV digital,e outro institucional, a TV pública.Pompas e circunstâncias marcaramo lançamento do modelo digital.Críticas e muxoxos cercaramo anúncio da TV não comercial.Tudo dentro da lógica do mercado.A televisão digital, tal como foiconcebida no Brasil, abre novasperspectivas de negócios para osradiodifusores, anunciantes, agênciasde propaganda, fabricantes dereceptores e todos os demais ramoscomerciais que gravitam emtorno da TV. Daí a festa. Ao telespectadorrestará ver os mesmosprogramas edificantes que temoshoje com um pouco mais de nitidez(quando puder comprar oconversor mais simples) e adquirirrapidamente o produto anunciadona tela (para aqueles que conseguirempossuir o conversor maiscaro). Convenhamos tratar-se deum uso medíocre para uma tecnologiatão sofisticada.A TV pública pode ser a exceçãoa essa regra. Seu compromissoé com o público e não com omercado. Por isso foi desde logoapedrejada. Ardilosamente confundidacom uma TV estatal passou— sem ainda estar no ar — a seracusada de servir a interesses dogoverno, ou na linguagem da mídiahegemônica, de “chapa branca”. Talfúria esconde o temor dos concessionáriosdos canais comerciais deenfrentar uma concorrência qualificada.Os defensores da TV pública,Revista <strong>Adusp</strong>por outro lado, ainda se ressentemda falta de elementos mais consistentespara defendê-la e justificá-la.O que também é compreensível dadaa quase inexistência desse modeloentre nós até hoje.E não é só aqui que ocorre essedebate. Mesmo na Europa, onde aTV em vários paises nasceu pública,as pressões do mercado exigem delasempre um estado de alerta. Foi amobilização da sociedade britânica,por exemplo, que evitou a privatizaçãoda BBC nos anos 1980, desejoardente do governo MargarethTatcher. A própria União Européiatem manifestado a preocupação dedefender a TV pública dos ventosneoliberais. Em 1997, no Protocolode Amsterdam, deixou isso claroao dizer que “o sistema de radiodifusãopública está diretamenterelacionado com as necessidadesdemocráticas, sociais e culturais decada país, e com a necessidade depreservar o pluralismo dos meiosde comunicação”.Com a chegada da televisão digitala defesa da TV pública se fezainda mais necessária. Em junhode 2004, os órgãos reguladores europeusde radiodifusão publicaramdocumento onde está dito que “emtodos os casos o desenvolvimentoda Televisão Digital Terrestre pareceestar diretamente conectadocom a sinergia de dois fatores: umaatitude proativa do Serviço Públicode Radiodifusão conjuntamentecom um modelo regulatório quegaranta um papel de liderança daradiodifusão pública”.Como aqui ainda estamos longedesse protagonismo exercidopela TV pública, cabe desenvolveralgumas idéias no sentido decolaborar com a argumentaçãoem sua defesa.Partimos de três razões centraisjustificadoras da existência da televisãopública no Brasil: a socializaçãoda produção de bens simbólicosproduzidos no país, a abrangêncianacional e sua necessidade social.O modelo comercial,regido por índices deaudiência, impede o acessoà televisão de bens culturaisnão transformados emmercadoria. A sociedade vêse,dessa forma, privada deconhecer e reconhecer a suaprópria produção simbólicaA primeira diz respeito à hegemoniado modelo comercial,regido por índices de audiência(mera sanção do mercado, no dizerdo sociólogo francês PierreBourdieu), que impede o acessoà televisão de bens culturais nãotransformados em mercadoria. Asociedade vê-se, dessa forma, privadade conhecer e reconhecer asua própria produção simbólica.Não cabe aqui detalhar os prejuízosdecorrentes dessa prática, maseles podem ser intuídos. Vão desdea fragilização das referênciasnacionais à inibição do surgimentode novas manifestações culturaise artísticas, vítimas da falta dereconhecimento público.56