Revista <strong>Adusp</strong>Janeiro 2008Meu Jornal Pessoal completou 20 anos de vida. Se ele nãoexistisse, informações importantes, análises elucidativas e idéiasúteis deixariam de adquirir a forma impressa. Isso fortaleceriagrupos e pessoas que gostariam de manipular a opinião pública —e se apresentariam com seus press-releases sem o contraponto dachecagem, do questionamento. Quinzenal, o Jornal Pessoal é lidopor 30 mil pessoas só em Belém (PA) e já acumulou 33 processosjudiciais por revelar casos de grilagem de terras, extração ilegal demadeira, manipulação da opinião pública, enriquecimento ilícitoEm setembro deste ano,meu Jornal Pessoalcompletou 20 anos devida. A data me impôsuma reflexão, que dividicom meus leitores:qual a razão de tão extensa perenidade?Duvido que seja, ao contráriodo que sugerem alguns adversáriosda publicação, por merocapricho ou vaidade pessoal, pormaiores que eles fossem. Minhaslimitadas condições materiais e minhasafiadas exigências mais íntimasnão me permitiriam manter oJP simplesmente por capricho ouvaidade, se ele não cumprisse umafunção pública, se não preenchesseuma exigência social.Tirando-o do mostruário dasbancas de revistas e expondo-o aolado dos jornais diários de Belém,verifico que, se o JP não existisse,informações importantes, notíciasrelevantes, abordagens ilustrativas,análises elucidativas e idéiasúteis deixariam de adquirir a formaimpressa. Provavelmente empobreceriama opinião pública efortaleceriam grupos e pessoas quegostariam de manipulá-la — mais emelhor. Esses grupos e essas pessoasse apresentariam com seus cartõesde visita e seus press-releasessem o contraponto da checagem,da verificação, da dúvida, do questionamento.O JP é um jornal deuma só pessoa, um faz-tudo (oupau-para-toda-obra, como se diziaantigamente), mas não é um empreendimentoiconoclasta, emboraàs vezes pareça.Com tiragem de 2 mil exemplares,é lido por pelo menos 30 milpessoas só em Belém, pela facilidadecom que é reproduzido através dexerox, e circula entre leitores de váriaspartes do mundo. Já acumulou33 processos na justiça de Belém, amaioria com base na chamada Leide Imprensa, de 1967, um dos “entulhosautoritários” que remanescena ordem legal democrática. Emquatro dessas ações, fui condenado.Mas os autores nunca escreveramuma carta para o jornal (que tempor diretriz publicar na íntegra todasas mensagens que recebe, mesmoas extensas) e jamais contestaramde público o conteúdo das matériasque os desagradaram. Em nenhumadelas o assunto versou sobre a intimidadedessas pessoas.Sempre foram questões de interessepúblico, como grilagem deterras, extração ilegal de madeira,exploração dos recursos naturaisem geral, manipulação da opiniãopública, enriquecimento ilícito. Oobjetivo das ações judiciais é claro:impedir que o jornal prossigaou minar sua qualidade, desviando75
Janeiro 2008seu único redator de sua atividadeprofissional para as lides forenses 1 .Os estímulos vieram de fora, comoum dos mais prestigiosos prêmiosde jornalismo da Itália, o Colombed’Oro per La Pace, em 1997, e ahonraria conferida pelo CPJ (Comitêde Proteção aos Jornalistas),de Nova York, em 2005.O Jornal Pessoal é umjornal de elite. Nem podiaser de outra maneira. Comapenas 12 páginas, emformato ofício, sem cor,praticamente sem fotografia,escrito por um únicoredator, seu exemplar custa3 reais. É mais caro do queum jornal convencionalO Jornal Pessoal é um jornalde elite. Nem podia ser de outramaneira. Com apenas 12 páginas,em formato ofício (só um poucomaior do que uma folha de papelA4), sem cor, praticamente semfotografia, escrito por um únicoredator, seu exemplar quinzenalcusta três reais. É mais caro doque um jornal convencional, quetem muito mais páginas e atrativos(ou espelhinhos e balangandãs)para o leitor. Quem o quiserler terá que ir até uma banca derevistas para comprá-lo, cada vezmais difícil de freqüentar (inclusivepelo risco de assaltos às suasproximidades). Não há a possibilidadede recebê-lo em casa, atravésde assinatura.Freqüentemente, o leitor enfrentarátextos longos, analíticos,cheios de números e estatísticas,ironias e sutilezas, ceticismo e indignação.Um analfabeto funcionalnão encontrará qualquer estímulopara encará-lo. Quem mal conseguearranjar dinheiro no acanhadoorçamento para pagar o ônibusruim de cada dia está fora do seuâmbito. Portanto, tinha que ser umjornal dirigido à elite.Mas o Jornal Pessoal tem comoseu primeiro alvo a elite à qual sedestina, sem qualquer preconceitonem elitismo. Não há outro destinopara um jornal verdadeiramenteindependente, que rejeitapublicidade desde o primeiro número,e reduz todos os seus custospara poder viver exclusivamenteda venda avulsa, que só lhe devolve30% líquidos sobre o preço decapa (ou 90 centavos por exemplar,feitos os descontos com adistribuição, comercialização, encalhe,perdas e cortesias).O povão não o lerá, infelizmente.Não com a periodicidadeque seria desejável, ou necessária,para dar-lhe a devida conseqüência.Talvez fosse possível alcançara massa dos cidadãos se o jornalcontasse com alguma publicidadeou um mecenas poderoso. Opreço dessa abrangência, porém,seria a perda da independência, ofim da possibilidade de fazer umjornalismo radical (de radicare: iràs raízes), que só tem um limite:a capacidade do jornalista que opratica. É uma contradição, masela é inevitável.Revista <strong>Adusp</strong>Se a sua difusão não pode serampla, o Jornal Pessoal transformaessa limitação em arma de combate,pois seu grande objetivo é criticara elite, fustigando-a, cobrando-lheos compromissos devidos(e, em alguns casos, declarados),exigindo sua participação, denunciando-a,desmascarando-a, desnudando-a,expondo-a àquilo quemais detesta: ser analisada pelosdemais cidadãos.Ao contrário dos marxistas ortodoxos,partilho o entendimentode intelectuais mais perceptivos àcomplexidade humana (como KarlManheim, Max Weber, Lucien Goldman,Wright Mills e, claro, SigmundFreud, aquele que tudo explica),de que o papel das elites émuito mais decisivo do que estãodispostos a admitir os sacerdotesda determinação econômica (aindaque atenuada pelo aposto da “últimainstância”).Com esse fundamento, respondoaos que consideram excessivaa atenção que dispenso às elites,materializada no Jornal Pessoal.A leitura das 400 edições publicadaspelo jornal até o seu 20º aniversárioajudarão a compreenderalguns dos problemas que a sociedadeparaense, em particular, aamazônica, em maior amplitude,e a brasileira, em geral, enfrentam.E a explicar por que não seconsegue transformar nosso potencialde riqueza em bem-estarpara nossos cidadãos, traduzindomaterialmente uma expectativaque se vai tornando quimera.Numa região como a amazônica,cuja condição colonial é resultantede sua impossibilidade (ou76