Revista <strong>Adusp</strong>Janeiro 2008Reprodução/Daniel GarciaPersonagem da novela “Duas Caras”, da TV Globo: estereótipos dominam a TV comercialA segunda diz respeito à necessidadede uma rede de emissoraspúblicas, fenômeno desconhecidono país. As experiências até hojeexistentes de televisões públicasou estatais no Brasil foram semprefragmentadas, restritas a limitesregionais. Uma rede nacional teráque atender ao princípio da universalidadegeográfica, chegandoa todos os domicílios e buscandoatender a todos os tipos de público.Cabe lembrar que se trata de umserviço público, mantido pelos impostosde toda a população e que,portanto, todos os cidadãos devemter a possibilidade de acessá-lo.E quanto à necessidade socialtrata-se de algo quase auto-evidente.O histórico do modelo detelevisão de mercado oferecido àsociedade brasileira estabeleceuuma forma de pensamento uniformizado,reprodutor das idéias dominantese disseminadas a partirdos centros do capitalismo global.Individualismo, consumismo, enfraquecimentodo papel do Estado,tornaram-se matrizes ideológicasda produção televisiva. A elas, nomodelo hegemônico, não cabemalternativas. Como fonte única deinformação e entretenimento paramaioria da população, essas emissorasmoldam perigosamente comportamentos,especialmente dascrianças e adolescentes. Há relatosde pais de filhos bem pequenoscontando que a palavra “compra”surge muitas vezes junto ou mesmoantes de “mamãe” ou “papai”.Uma das alternativas a esse massacreideológico, respeitado o jogodemocrático, é a TV Pública.Cabe a ela, no dizer de Jay Blumler,professor emérito da Universidadede Leeds, desenvolver uma“ética da abrangência”, ou seja,procurar atender às expectativas detodo o tipo de público existente noraio de sua atuação. Para exemplificaressa idéia, o pesquisador britânico— ele foi diretor do Centrode Pesquisas de Televisão daquelauniversidade — contrapõe o modelode televisão pública existentena Europa ao dos Estados Unidos.Diz ele que este último pode serdefinido como “uma ilha de bemestarnum mar de comercialismo”.Nos Estados Unidos — prossegue— seriados como “Dallas” são exclusivosda televisão comercial, enquantorecitais de ópera têm comoveículo a televisão pública. O modeloeuropeu, por sua vez, procura“abranger” os dois públicos, daía idéia da ética da abrangência.Algo próximo do conceito de umatelevisão generalista, fundamentalpara atender diferentes gostos enecessidades simbólicas.57
Janeiro 2008Documentos produzidos em diferentestelevisões européias mostramque seus fundadores as conceberamcomo instrumentos responsáveispor sustentar e renovar ascaracterísticas culturais básicas dasociedade, capazes de oferecer aosatores, músicos, escritores, teatrólogose intelectuais de modo gerala oportunidade de disseminaremde forma ampla seu trabalho criativo.E de possibilitar aos ouvintes etelespectadores a oportunidade deacesso ao produto desses talentos.O primeiro diretor-geral da BBC,o escocês John Reith, dizia que oobjetivo do rádio era de “levar paradentro do maior número possível delares tudo o que de melhor existe emcada parte do esforço e realizaçãohumana”. Cerca de 50 anos depois,nos anos 1980, outro diretor da BBC,Alsdair Milne, afirmava que o “o serviçopúblico de rádio e televisão devetornar o popular respeitável e o que érespeitável popular”. Um belo desafiopara os nossos produtores.Em vários países da Europa,passada a maré privatistados anos 1980, as televisõespúblicas seguem dividindoao meio as audiências.Para as emissoras públicasa audiência não pode serobsessão, mas também nãopode ser desprezada, afinaltrata-se de dinheiro públicoAudiência das TVs públicas na Europa (2002)PaísCanais públicosMas vale a pena mencionar outraspreocupações dessas emissoras.Elas têm em comum a obrigação de“despertar o público para idéias egostos culturais menos familiares,ampliando mentes e horizontes, etalvez desafiando suposições existentesacerca da vida, da moralidadee da sociedade. A televisãopode, também, elevar a qualidadede vida do telespectador, em vez depuxá-lo para dentro do rotineiro”.São idéias que estão até hoje integradasem programas considerados,internacionalmente, de alta qualidade,“concebidos como forma decapacitar o telespectador para umaenriquecedora experiência de vida”,no dizer do professor Blumer.E não estamos falando de programaselitistas ou maçantes, comoalguns detratores da televisãopública gostam de rotulá-los. Provadisso são os índices de audiência.Em vários países da Europa,passada a maré privatista dos anos1980, as televisões públicas seguemdividindo ao meio as audiências.Canais privadosnacionaisRevista <strong>Adusp</strong>Outros*Alemanha 40,5% 41,5% 18%Espanha 30,5% 43% 26,5% (1)França 41,5% 47,5% 11%Itália 45% 44% 11%Reino Unido 46% (2) 30% 24%Países Baixos** 36% 41,5% 22,5%Portugal** 26,5% 63% 10,5%*Cabo, satélite, locais, etc.** Para esses países o ano de referência é 2002.(1) Dos quais 18% através dos canais “autonômicos” das principais províncias, transmitidos demodo terrestre.(2) Dos quais 10% pelo Channel 4.É sempre bom lembrar que paraas emissoras públicas a audiêncianão pode ser obsessão — como sedá com as emissoras comerciais— mas também não pode ser desprezada,afinal trata-se do uso dedinheiro público que, em qualquercircunstância, deve ser bem aplicado.Apenas para ilustrar, a tabelaacima traz alguns números de audiênciana Europa. Os dados sãode 2003 e foram publicados no livroLa Tèlèvision, de Régine Chaniac eJean Pierre Jézéquel, em 2005.Claro que para chegar a essesíndices é indispensável uma boa epermanente fonte de recursos. Masnão só. No caso de uma TV Públicaé fundamental também a sua independênciaem relação a interessesparticularistas, sejam eles políticos,comerciais, religiosos. Vinculandosea qualquer um deles, a TV Públicaperde não só a sua autonomia,mas também sua identidade e o queé pior, a sua credibilidade.Cabe, isto sim, ressaltar a importânciadesses fatores para a questão58