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dramas dos outros.” (“Entrevista com José<br />
Rodrigues Miguéis”, conduzida por<br />
Carolina Matos, enviada pela revista a Nova<br />
Iorque: Gávea-Brown, Janeiro-Junho de<br />
1980, p. 44).<br />
No entanto, Miguéis nunca mais largaria<br />
os jornais. Deixou, sim, o artigo de<br />
opinião, mas o seu impulsivo reagir ao<br />
que à sua volta se passava bem como a<br />
Alfredo Mesquita, escritor e jornalista, natural<br />
de Angra do heroísmo onde nasceu em<br />
1871, deixou-nos belas páginas de ensaio<br />
histórico-filosófico sobre a vida e os costumes<br />
de vários países, incluindo Portugal, a<br />
Espanha, a holanda e os Estados Unidos da<br />
América. A sua obra inclui livros passados<br />
em Lisboa (Alfacinhas e Rua do Ouro), e em<br />
Angra (o Jarrão da Índia), e crónicas de viagens<br />
com detalhes sobre os lugares onde serviu<br />
como diplomata (Espanha, holanda, Estados<br />
Unidos da América).<br />
É dele a seguinte descrição do grupo dos<br />
“Vencidos da Vida”, da qual faziam parte<br />
personalidades como Eça de Queirós,<br />
CuLturA<br />
sua perspicaz atenção<br />
ao quotidiano ditaram-lhe<br />
sempre crónicas<br />
que foi regular-<br />
mente enviando para a<br />
imprensa lisboeta,<br />
sobretudo o Diário<br />
Popular, onde tinha<br />
como arrimo o seu<br />
indefectível, infatigável<br />
e sempre leal<br />
amigo Jacinto Baptista. Continuou escrevendo<br />
para a imprensa periódica em<br />
parte por necessidade económica, pois<br />
decidira ser escritor a tempo inteiro e<br />
precisava de conseguir algum suporte<br />
económico. No espólio doado à Biblioteca<br />
John hay, da Brown University, há várias<br />
cartas tratando de assuntos contabilísticos<br />
com os jornais reveladores de como os<br />
tostões eram todos contados. A crónica<br />
foi, por isso, a par do conto (e dos aforismos),<br />
o seu modo perene de presença<br />
jornalística. Crónicas sobretudo tomando<br />
como tema a América do Norte, mais<br />
precisamente Nova Iorque. Escritas em<br />
português, uma selecção delas foi finalmente<br />
traduzida para inglês pelo professor<br />
David Brookshaw, da Universidade de<br />
Bristol, no Reino Unido, que tem dedicado<br />
algum tempo da sua pesquisa a<br />
investigar o espólio de Miguéis. Um volu-<br />
Alfredo mesquita,<br />
a diplomacia ao correr da pena<br />
POR CArLA bAptistA<br />
Ramalho ortigão, Jaime Batalha Reis e<br />
outros intelectuais da chamada “Geração<br />
de 70”: “A redacção [do jornal Tempo] era<br />
nas vizinhanças do hotel Bragança, e os<br />
Vencidos da Vida, que lá tinham os seus<br />
habituais jantares, costumavam invadir-nos<br />
a casa ao levantarem-se da mesa, enchendo-nos<br />
as salas com o alarido confuso da<br />
sua conversação, que o champanhe espiritualizava<br />
e risonhamente requintava.<br />
“Umas vezes era Eça de Queirós, desengonçando-se<br />
em pequenos pulos, dando<br />
volta à sala onde escrevíamos, vindo de<br />
mesa em mesa apresentar a cada um de nós<br />
os seus ‘mais respeitosos cumprimentos’,<br />
‘ A crónica foi, a par do conto<br />
(e dos aforismos),<br />
o modo perene<br />
da presença jornalística<br />
de miguéis.<br />
’<br />
me com o título The Polyedric Mirror. Tales of<br />
American Life foi publicado em 2007 pela<br />
editora Gávea-Brown, do Departamento de<br />
Estudos Portugueses e Brasileiros da Brown<br />
University, em Providence, Rhode Island.<br />
Mais um na infelizmente ainda magra série<br />
de livros de Miguéis traduzidos para inglês.<br />
(os outros são uma colectânea de contos<br />
– Steerage and Ten Other Stories, coordenada por<br />
George Monteiro e também da responsabilidade<br />
da Gávea-Brown, e A Man Smiles at<br />
Death – with half-a-face, tradução por George<br />
Monteiro de Um Homem Sorri à Morte – com<br />
Meia-Cara, publicado pela University Press<br />
of New England).<br />
Só resta espaço para lembrar a importância<br />
de se reler Miguéis, quanto mais<br />
não seja para se saborear uma escrita de<br />
altíssima qualidade estilística. Nos tempos<br />
que correm, já não é pouco. há, porém,<br />
muito mais.<br />
tratando por ‘vossa excelência’ e perguntando<br />
com voz aflautada pela esposa e os<br />
meninos ao paladino do celibato que era<br />
Alberto Braga. Depois, ao fim desta estúrdia,<br />
pedia a um de nós o lugar para escrever<br />
a notícia do banquete; mas a meio da<br />
segunda linha escrita suspendia a pena e<br />
declarava peremptoriamente não se lembrar<br />
já do que lá se passara, nem do que<br />
se comera, e ia adormecer num sofá, soluçando<br />
e implorando do conde de Ficalho<br />
a conclusão da notícia.<br />
“Ficalho, por sua vez desmemoriado<br />
miserimamente, como ele dizia, recorria à<br />
memória, incomparavelmente pronta<br />
<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 51