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Paralelo - Fundação Luso-Americana

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RUI OCHôA<br />

CuLturA<br />

No 15.º aniversário da Bolsa Ernesto de Sousa Arte Experimental Intermedia<br />

recordamos o artista transversal.<br />

Contra “a austera, apagada e vil tristeza”<br />

dos portugueses, já observada em Camões,<br />

Ernesto de Sousa (1921-1988), em sintonia<br />

com Raúl Brandão, defendia: “a<br />

pedra há-de dar flor”.<br />

o mais importante, para o realizador do<br />

filme Dom Roberto, 1962, premiado em<br />

Cannes, pioneiro e divulgador da arte<br />

intermedia em Portugal, não era o espectá-<br />

“ele [ernesto de sousa] vivia no futuro”,<br />

lembra isabel Alves.<br />

o homem que estava<br />

sempre a ler<br />

POR susAnA neves<br />

culo, nem a arte, mas a<br />

vida, a comunicação,<br />

o encontro plural, propício<br />

à festa.<br />

Para ele, conversar<br />

com Man Ray ou com<br />

o mítico Joseph Beuys<br />

(Documenta 5, Kassel,<br />

1972) era equivalente à descoberta de<br />

artistas portugueses quase anónimos e<br />

esquecidos como Rosa Ramalho ou o iletrado<br />

Franklin que um dia lhe dissera:<br />

“o Sol descobre a arte.”<br />

Para a “invenção do dia claro”, frase de<br />

Almada Negreiros, com quem muito conviveu<br />

e sobre quem realiza o filme Almada,<br />

Um Nome de Guerra, 1983, todas as “provocações”<br />

eram indispensáveis, sobretudo,<br />

as que punham em causa “a cultura asfixiante”,<br />

burguesa, tanto ética como esteticamente<br />

rígida e parcelar.<br />

Na linhagem de Dubuffet, influenciado<br />

pelo Living Theatre e os artistas Fluxus,<br />

Ernesto de Sousa defendia que a verdadeira<br />

vanguarda só é possível através do<br />

aproveitamento da memória e da “aventura<br />

da tradição”.<br />

Luis Vaz 73, obra mixed media, apresentada<br />

no V Festival Internacional de Mixed<br />

Media (Gent, 1975), é um bom exemplo<br />

desse princípio. Inspirando-se na poesia<br />

camoniana, Ernesto de Sousa concebe um<br />

conjunto de imagens enquanto Jorge<br />

Peixinho compõe música sem qualquer<br />

relação de complementaridade ou ilustração.<br />

E é a partir desta obra transversal<br />

que no futuro se propicia o encontro com<br />

Phill Niblock, director da Experimental<br />

Intermedia Foundation, Nova Iorque,<br />

‘ Leitor contínuo, estudioso e criador<br />

imparável, tinha “projectos e trabalho<br />

para vários séculos”.<br />

’<br />

actual orientador da Bolsa Ernesto de<br />

Sousa, co-financiada pela FLAD e pela<br />

<strong>Fundação</strong> Calouste Gulbenkian.<br />

“Ernesto só foi aos Estados Unidos uma<br />

vez, em 1983, a convite de Phill Niblock,<br />

para apresentar o mixed media Ultimatum. Ele<br />

vivia no futuro. Lembro-me de nessa viagem,<br />

quando era preciso acertar os últimos<br />

detalhes da apresentação, já estar a<br />

falar do projecto seguinte”, recorda Isabel<br />

Alves, sua companheira ao longo de vinte<br />

e dois anos, autora do site documental de<br />

referência: www.ernestodesousa.com.<br />

Leitor contínuo, estudioso e criador<br />

imparável, tinha “projectos e trabalho<br />

para vários séculos”, Ernesto de Sousa foi<br />

também um crítico controverso e um<br />

divulgador apaixonado das obras de<br />

outros. Recorde-se, entre muitos eventos,<br />

o comissariado de várias representações<br />

portuguesas na Bienal de Veneza bem<br />

como a notável exposição “Alternativa<br />

Zero”, realizada em Belém, em 1977,<br />

e a abertura da inovadora Galeria<br />

Diferença, da qual foi um dos fundadores.<br />

Ao final da tarde, na “sala branca” da R.<br />

S. Filipe Nery, havia tertúlia, muitos artistas<br />

de várias gerações apareciam para o<br />

ouvir falar. Ele que estava sempre a ler, e<br />

cultivara a “ingenuidade voluntária”,<br />

atraía e metia medo.<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 53

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