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Paralelo - Fundação Luso-Americana

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dade enquanto a lei e a regra são pormenores<br />

de menor relevância.<br />

A personalização sulista provoca o recurso<br />

frequente à mentira, enquanto a impessoalidade<br />

do Norte, sob a inspiração de<br />

certa cultura protestante, conduz muitas<br />

vezes à hipocrisia. No Brasil, o acento<br />

tónico nas relações interpessoais redunda,<br />

muitas vezes, na “corrupção e (na) incapacidade<br />

de, no plano público, separar o<br />

joio do trigo”, enquanto nos Estados<br />

Unidos, “o preço de uma radical institucionalização<br />

da vida social tem sido o mal-<br />

-estar causado pelo desencanto com um<br />

mundo que não tem lugar para as contradições,<br />

as dualidades e as ambiguidades”.<br />

Este exercício comparativo não conduz<br />

a adoptar uma das sociedades como<br />

“modelo” a imitar e a outra como “antimodelo”<br />

a exorcizar. Em muitos aspectos,<br />

Roberto DaMatta admira a organização<br />

social norte-americana. Noutros, a simpatia<br />

do colunista e investigador vai para<br />

a raiz brasileira. Mas nunca a admiração<br />

pelo Norte se converte em culto basbaque,<br />

nem o amor do Sul em autocontemplação<br />

alheia ao espírito crítico. DaMatta: “No<br />

Brasil e em outros países (como o Chile)<br />

muita gente está convencida de que falta<br />

muito pouco para sermos como eles [os<br />

americanos]: adiantados, grandes, desenvolvidos,<br />

hiperconsumistas e obviamente<br />

felizes. Mas, quando chegarmos lá, eles<br />

serão muito diferentes, provavelmente,<br />

muito mais parecidos connosco do que<br />

gostaria a nossa vã sociologia ou economia.”<br />

A eterna questão do terceiro partido<br />

norte-americano foi reavivada pelas candidaturas<br />

de Ross Perot e de Ralph Nader<br />

(tácticas ou não, pouco importa). Colin<br />

Powell, negro republicano e centrista, sustentou,<br />

sem ambiguidades, que os Estados<br />

Unidos precisam de um terceiro partido.<br />

Sucede que – como sublinha o antropólogo<br />

brasileiro – “o número três não é<br />

bem visto nesta terra que representa-se a<br />

si mesma como dual e que sempre imaginou<br />

que o tudo ou nada, o preto ou o<br />

branco, o leste ou o oeste, o sul ou o<br />

norte, constituem as opções de uma moralidade<br />

suficiente e superior”.<br />

A questão do terceiro termo não se resume,<br />

claro, ao terceiro partido ou ao terceiro<br />

candidato presidencial. Na<br />

actualidade, o número três inscreve-se por<br />

todos os ecrãs televisivos nos relatos e<br />

especulações sobre as próximas eleições<br />

norte-americanas. As três candidaturas,<br />

ainda em disputa, situam-se fora dos binómios<br />

que moldam a cultura americana.<br />

“o (número) três – escreve DaMatta – é<br />

bLoCo De notAs<br />

A excelente montagem da capa da time magazine acentua que só haverá lugar para um dos<br />

pré-candidatos – obama ou hillary – nas eleições americanas, mas a presença de uma mulher<br />

e de um mulato na luta pela Casa branca deixará traço na história da América.<br />

a sábia e sempre próxima (mas invisível<br />

e paradoxal) terceira margem do rio.”<br />

A ironia da história poderá ditar a “renovação<br />

na continuidade”, com a vitória do<br />

candidato republicano (isto não é uma<br />

previsão, mas uma hipótese), mas a presença<br />

de hillary e Barack – uma mulher<br />

e um mulato – na margem democrática<br />

da política americana, representa já uma<br />

enorme mudança que, sejam quais forem<br />

os resultados finais, deixará traço na história<br />

da América.<br />

Desde as primeiras sufragistas a hillary<br />

Clinton, desde a escravatura a Barack<br />

obama, os americanos perfizeram um<br />

enorme percurso. o longo caminho não<br />

está terminado, nem para a América, nem<br />

para o mundo, longe disso, mas ganha<br />

novo alento neste ano de 2008. Ao fundo,<br />

na linha do horizonte, esconde-se, sob o<br />

nevoeiro da esperança, a tal “terceira margem”<br />

– utópica, mas, por certo, necessária.<br />

Nunca chegaremos a vê-la,<br />

provavelmente, mas sabemos de ciência<br />

certa que lá está, em lugar incerto, sob o<br />

denso nevoeiro, à nossa espera.<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 63

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