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Paralelo - Fundação Luso-Americana

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62<br />

bLoCo De notAs<br />

A terceira margem do rio<br />

‘ As três candidaturas, ainda em disputa, situam-se<br />

fora dos binómios que moldam a cultura americana.<br />

“o (número) três – escreve Damatta – é a sábia<br />

e sempre próxima (mas invisível e paradoxal) terceira<br />

margem do rio”.<br />

’<br />

“Se na sociedade brasileira as relações<br />

entre as pessoas obrigam a mentir e calcular<br />

constantemente quem nos deve e a<br />

quem devemos, aqui, nos Estados Unidos,<br />

o problema é a ilusão de que tudo pode<br />

ser resolvido formalmente por meio de<br />

instituições impessoais.”<br />

Estas palavras são de Roberto DaMatta,<br />

antropólogo brasileiro traduzido em múltiplas<br />

línguas, autor de estudos sobre a<br />

vida quotidiana brasileira, o carnaval e o<br />

futebol, a rua e o jogo do bicho. DaMatta<br />

compilou em livro as colunas do Jornal da<br />

Tarde (1993-2001), do Estado de S. Paulo<br />

(2001-2004) e de periódicos de menor<br />

difusão, sob o título sedutor de<br />

Tocquevilleanas – Notícias da América (Rio de<br />

Janeiro, Rocco, 2005). o autor foi professor<br />

da Universidade de Notre Dame<br />

(Indiana) durante os dezassete anos a que<br />

correspondem estes ensaios e crónicas.<br />

o contraste entre os tipos de sociedade<br />

a que DaMatta alude remete para as teses<br />

de Edward hall (Beyond Culture). Nas sociedades<br />

pobres em contexto (as anglo-americanas)<br />

os códigos comunicativos quase dispen-<br />

sam a compreensão aprofundada do<br />

ambiente circundante. Nas culturas ricas<br />

em contexto (as sul-americanas), a comunicação<br />

interpessoal e não-verbal relega<br />

para segundo plano a lei, a regra ou o<br />

código. DaMatta não afirma coisa diferente:<br />

“No Brasil todo o mundo personaliza;<br />

aqui (nos Estados Unidos) todo o mundo<br />

impessoaliza”.<br />

Textos jornalísticos, mas simultaneamente<br />

ensaios de investigador que procura<br />

evitar que “os factos canibalizem as teorias<br />

ou, para ser menos pedante, os vários<br />

estilos pelos quais os acontecimentos são<br />

anestesiados de suas repercussões pelo uso<br />

de receitas interpretativas rotineiras”. Ao<br />

contrário dos que se encerram no jargão<br />

especializado, Roberto DaMatta assume<br />

a sua atitude de procurar traduzir para<br />

públicos mais vastos os resultados da pesquisa<br />

e da reflexão universitárias.<br />

o contraste entre sociedades desenvolvidas<br />

e “pobres em contexto” e sociedades<br />

em vias de desenvolvimento “ricas em<br />

contexto” – teorizado por Edward hall –<br />

não adquire na obra do antropólogo bra-<br />

mário mesQuitA<br />

um tocqueville antropólogo e brasileiro<br />

em pleno século xxi.<br />

sileiro significado normativo. Equivale<br />

antes a um esforço de interpretação.<br />

A ilusão anglo-americana é que tudo pode<br />

ser resolvido sem a interferência das relações<br />

entre as pessoas, através do respeito<br />

da legalidade e do culto das instituições.<br />

A ilusão sul-americana é que a amizade e<br />

o compadrio bastam para regular a socie-<br />

<strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008

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