o campo de intervenção e pesquisa de Rui Moreira é o desenho. Para este artista, desenhar não é apenas um fazer, é um modo de pensar. Pensar a arte e pensar o mundo. Cada desenho que realiza no seu ateliê pressupõe uma viagem que o antecede. Deserto do Sara, Amazónia, Trás-os-Montes. o seu desenho inicia-se com a experiência física de um determinado lugar, a experiência directa do viver, sentir, cheirar, encontrar. Esta imediatez é ‘armazenada’ no seu corpo e transposta, já na interioridade do seu ateliê, para a folha de papel. o espaço entre os dois acontecimentos é fundamental para que a experiência se transforme em matéria artística, para que se transforme em linguagem visual. A proposição filosófica de heidegger – o ser-no-mundo – pode ser invocada aqui para pensar a prática artística de Rui Moreira. Não há uma dissociação entre a sua vida e a sua arte. o fazer arte, o desenhar, constitui um prolongamento do seu estar no mundo. E o seu estar no mundo, embebido e imerso no quotidiano tangível, traduz-se no seu desenho. Um “desenho alargado”, como o denomina. o projecto que realizou em Trás-os-Montes iniciou-se em 2004. A sua proposta era estudar as festas pagãs (orgiásticas em tempos) que ainda subsistiam no Norte do País, e em particular debruçar- -se sobre a figura do careto. Esta figura, também uma antiga tradição nacional, é um homem comum que, através do vestir Rui Moreira nasceu no Porto, em 1971. Formou-se no Ar.Co, tendo começado a expor em meados da década de 1990. Das suas exposições individuais destacam-se as realizadas na Galeria Lisboa 20 (2007, 2005 e 2003). Prepara uma mostra antológica na 60 CoLeCção FLAD rui moreira Encarnar o desenho de indumentárias típicas, se transforma noutro ser. Um ente possuído pela magia, em forte comunhão com a natureza e transportando uma forte tensão sexual. os desenhos de Rui Moreira sobre estas personagens apresentam seres em processo de mutação (entre o homem, o animal e o vegetal) e armados de uma poderosa força sexual. o trabalho de execução de cada um destes desenhos (como é habitual na sua obra) é caracterizado por um extraordinário detalhe. A cruz é um elemento recorrente na sua obra. Simboliza a unidade, o indivíduo. Enquanto adorno das vestes do careto, ela traduz a comunidade (presente mas também do passado, do tempo da história) que este personifica naquele momento. Recorrente é ainda a cor. o azul que escolhe e que emprega de forma monocromática, alude igualmente a uma história e a uma tradição portuguesa. Apesar de esta série se alinhar na continuidade dos trabalhos que havia desenvolvido anteriormente (e daí a repetição de determinados elementos), ela representa uma mudança no traço do artista que passa a renunciar a linha geometrizante e rigorosa para adoptar um fluir manual. FiLipA oLiveirA Curadora de arte contemporânea <strong>Fundação</strong> Carmona e Costa, a inaugurar no decorrer deste ano. Das exposições colectivas em que participou destacam-se: “Portugal Agora”, Mudam, 2007; “Bouzean”, Faro Capital da Cultura, 2005; “os Últimos Dias”, <strong>Fundação</strong> Calouste Gulbenkian, 2000. <strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008
CoLeCção FLAD Sem Título, 2004, tinta de caneta sobre papel, 121 × 160 cm <strong>Paralelo</strong> n. o 2 | PRIMAVERA | VERÃO 2008 61