CLIPPING DO IBRAC N.º <strong>35</strong>/<strong>2011</strong> 05 a 11 de setembro de <strong>2011</strong>aquelas mais otimistas. Mas isso pode nos dar uma folga para aumentar o investimento na área industrial. Nãonecessariamente para você financiar o fim da sua industria. Acho que seria um erro histórico, se o Brasilcaminhasse nessa linha.INDÚSTRIA E EMPREGOValor: Os outros <strong>do</strong>is setores (serviços e agropecuária) podem substituir a empregabilidade da indústria?Pra<strong>do</strong>: Eu não tenhos os cálculos. Suspeito que não, por uma razão: uma porcentagem não trivial <strong>do</strong>sserviços é derivada da atividade industrial. Então, a atividade industrial não representa só, ―stricto sensu‖, osetor secundário. Você tem aí desde serviços de contabilidade, motoristas, transportes, treinamento... Então,eu suspeito que não, mas não tenho elementos para falar com segurança. Você (Pessôa) fez algum cálculo?Pessôa: Qual a importância da indústria, por que é que valeria a pena um esforço adicional? Se eu fizer umaoperação de salvamento da indústria vou ter que tirar dinheiro da saúde, educação...Valor: Ou de commodities...Pessôa: Ou de commodities, ou aumentar a carga tributária. De algum lugar vai ter que sair! Aí tem <strong>do</strong>isargumentos que, classicamente, são levanta<strong>do</strong>s para justificar a indústria como alguma coisa especial. Oprimeiro, eu acho pouco convincente, que é a indústria é o setor que tem muito viés tecnológico e que éimpossível ter um crescimento sem indústria, sem indústria não tem produtividade crescente. Desseargumento eu não vejo muita evidência empírica.Tem o segun<strong>do</strong>, que é o de que a indústria tem um perfil de demanda por trabalho melhor, ou seja, na melhorada distribuição de renda, da distribuição de salários, a indústria gera muito emprego, emprego de boaqualidade para gente que não é tão qualificada assim. E se eu for para commodities e serviços, vou gerar umperfil de demanda por trabalho que vai produzir uma péssima distribuição de renda. Vou gerar alguns bonsempregos, ou no setor financeiro, ou em advoga<strong>do</strong>s, serviços sofistica<strong>do</strong>s, e o resto vão ser serviços de menorqualidade. E commodities é a mesma coisa.Essa é dessas coisas que to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> fala, quase uma verdade. Eu confesso que nunca vi um trabalho rigorosoque coloque essa proposição à prova. Nunca vi e suspeito que, talvez, ela não seja verdadeira. Talvez vocêpossa ter um desenvolvimento com menos indústria e nos outros setores você gere uma demanda (porempregos) de boa qualidade também. Eu acho que tem um problema que é o fato que, talvez, a indústria exijamenos educação <strong>do</strong> que os serviços.INFLAÇÃOValor: Eu entendi, professor Samuel, que o senhor acredita que a indústria não faz falta para o Brasil. É issomesmo?Pessôa: Eu sou meio tucano, deixe eu deixar bem claro: tem algumas proposições pelas quais eu brigo comveemência. A necessidade de poupança para o Brasil, essa é uma proposição que eu estou levantan<strong>do</strong> hámuitos anos... Tem algumas proposições que eu sou menos vocal, que eu tenho menos certeza <strong>do</strong>s meuspontos de vista e acho elas menos importantes. Eu, como economista eu digo, olha, a gente tem que criarmecanismos para quan<strong>do</strong> nós entrarmos em surtos de crescimento, a poupança <strong>do</strong>méstica cresça.Por essa eu brigo, debato, vou às últimas consequências. E acho que nós não temos isso. Nós perdemos umachance. Por exemplo, de 2004 para 2008, a taxa de investimento saiu de 14% para 19%. Vá ver o queaconteceu com a taxa de poupança: parada.Uma coisa que a gente não falou o tempo to<strong>do</strong>, mas a gente tem inflação, gente! A inflação está baten<strong>do</strong> acima<strong>do</strong> teto da meta. As evidências que o Brasil tem um problema estrutural de carência de oferta são muito fortes.O que eu posso fazer? É da vida, não vou brigar! Eu acho que desde a redemocratização a gente tem essaevidência. Sempre que a gente se anima, a gente bate na restrição, na restrição externa ou na inflação.Valor: Por que a inflação não cede mesmo com juros e as medidas macroprudenciais <strong>do</strong> governo?Pessôa: Porque a gente tem restrição de oferta muito forte. A gente vai ter que ter mais juros, mais medidasmacroprudenciais e mais corte de gastos. Eu acho que inflação é excesso de demanda. Acho quer tem umpouquinho de commodities, e tal, mas o grosso é serviços, a componente de serviços <strong>do</strong> IPCA está em quase9% (8,8%). Nesse senti<strong>do</strong> é que não dá para acreditar no argumento keynesiano para o Brasil. O problema <strong>do</strong>Brasil não é carência de demanda. Isso é para chinês, para japonês... o problema nosso é criar oferta.Valor: O senhor concorda, professor Pra<strong>do</strong>?Pra<strong>do</strong>: Não, não concor<strong>do</strong>. Aqui nós temos filiais das mesmas empresas que estão na China. Você conversacom pessoas como o (Antônio Corrêa de) Lacerda, que fazem estu<strong>do</strong>s sobre investimento internacional, e oBrasil tem quase que as mesmas filiais das empresas internacionais que operam na China. Uma das razõespara a que taxa de investimento delas aqui seja menos <strong>do</strong> que lá, é porque, com to<strong>do</strong>s os problemas, a nossademanda foi historicamente oscilante.O EURORua Card oso d e Alm eida 7 8 8 cj 1 2 1 Cep 0 50 1 3 -00 1 São P aulo -SP Tel Fax 0 1 1 3 8 7 2 -2 60 9 / 3 67 3 -6 74 8www.ib rac.org.br email: i b r ac@ibrac.org.b r24
CLIPPING DO IBRAC N.º <strong>35</strong>/<strong>2011</strong> 05 a 11 de setembro de <strong>2011</strong>Valor: É viável a Europa manter uma moeda unificada em economias tão díspares e políticas <strong>do</strong>mésticasinteiramente independentes?Pessôa: Eu acho que não. Acho que não é viável. Eu considero que o euro foi um passo maior <strong>do</strong> que a perna.O euro foi um erro, e me surpreende como nós, economistas, não percebemos isso com tanta clareza. Osingleses são muito espertos, não entraram porque perceberam esse problema. A zona monetária <strong>do</strong> euro, elatem um erro de arquitetura. Aquilo não funciona. Durante dez anos funcionou bem porque foi o perío<strong>do</strong> dagrande moderação, um perío<strong>do</strong> em que o custo de capital no mun<strong>do</strong> to<strong>do</strong> caiu e parecia que ia tu<strong>do</strong> bem, aseconomias estavam bem ou mal crescen<strong>do</strong>, uma parte desse crescimento a gente viu que era meio artificial,então eu acho que <strong>do</strong> jeito que está não vai dar, não tem solução.Valor: Você acha que ele vai se extinguir, que eles vão acabar com o euro?Pessôa: Primeiro eles vão tentar salvar o máximo que dá. A Grécia não vai conseguir pagar a dívida dela.Agora, resolver aquele problema que foi a origem de tu<strong>do</strong> não vai resolver o problema deles. Talvez atéagrave. Quanto mais ajustamento fiscal, mais aprofunda a recessão. Lá, eles têm que passar por uma deflação.Eu não conheço deflação bem sucedida. Vai demorar dez anos, vai ficar dez anos com o desemprego em 20%,a economia sem crescimento, o Esta<strong>do</strong> sem dinheiro. Antes disso a população vai para a rua. Foi o queaconteceu na Argentina. Uma saída, que me parece seria a menos <strong>do</strong>lorosa, manten<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o arcabouçoinstitucional vigente, era a política monetária na Europa olhar as periferias. Dá um peso muito maior nacomposição da inflação europeia na periferia, para que a política monetária se paute pelo que está acontecen<strong>do</strong>nas periferias. Isso vai gerar o quê? Em quem não é periférico, que está melhor, uma inflação. Nos outros não,porque estão na recessão. O preço lá vai ficar para<strong>do</strong>. Mas vai dar inflação no resto, aí você ajusta o preçorelativo com um pouco mais de inflação nas regiões mais centrais, manten<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o sistema, metasinflacionárias, tu<strong>do</strong> certinho. Só muda o targeting. E, simultaneamente, tem que criar algum mecanismo fiscal.Vai ter que construir uma institucionalidade com o carro andan<strong>do</strong>. Alguma instituição supranacional comalgum poder de tributação e de estabelecer transferências segun<strong>do</strong> critérios tem que ter.Valor: Mas eles não tinham indica<strong>do</strong>res fiscais?Pessôa: Sim, eles tinham indica<strong>do</strong>res fiscais, mas o problema é que esses indica<strong>do</strong>res fiscais dão umafotografia. Precisa de uma institucionalidade para dar conta da diversidade que existe <strong>do</strong> ciclo econômico.Não é uma fotografia. No Brasil, se o Amapá vai mal e São Paulo vai bem, as pessoas migram de lá, vêm paraSão Paulo, o salário em São Paulo não sobe também, então não tem perda de competitividade em São Paulo,porque em vez de você ajustar com preço, você ajusta com imigração. Ou ao contrário, se São Paulo está male o Amapá está bem, as pessoas vão lá. Esse mecanismo na Europa não existe.Pra<strong>do</strong>: O euro foi feito por uma razão simples: a Alemanha era um gigante econômico, mas politicamente umanão; a França era politicamente muito poderosa, mas economicamente frágil. A junção das duas dava o poderpolítico que a Alemanha não tinha condições de ter e dava a estabilidade econômica que a França sozinha nãotinha historicamente consegui<strong>do</strong>. Junta isso mais Benelux [Bélgica, Luxemburgo e Holanda], que eram paísespequenos, que funcionavam para eles mais ou menos como Paraguai, Uruguai funcionam no caso de Brasil eArgentina. Avançou em direção ao merca<strong>do</strong> comum e caminhou perfeitamente. Conforme você vai alargan<strong>do</strong>,os objetivos originais vão se perden<strong>do</strong>. A Alemanha tentou integrar a Europa central ao seu merca<strong>do</strong> emvários momentos. Pelo menos duas guerras ela fez com esse objetivo. Ela consegue isso na paz, você tem ummerca<strong>do</strong> amplia<strong>do</strong>, que é essencialmente um merca<strong>do</strong> alemão, mas aí entra um segun<strong>do</strong> detalhe: até que pontoo contribuinte alemão estaria disposto a sustentar os custos também desse processo de integração? Se aeconomia mundial continuasse bem, sem maiores problemas, provavelmente, a médio prazo você teria dealguma maneira equaciona<strong>do</strong> esse problema, mas depois o que aconteceu é que nós entramos em uma fase deinstabilidade. Quan<strong>do</strong> entra também a Europa central fica bem mais difícil. Então você caminha para o eurosem fazer, como o Samuel colocou, a unificação de natureza fiscal, com uma série de fragilidades, deindecisões políticas. Porque o projeto só faria senti<strong>do</strong> se você caminhasse para um passo além, alguma formade confederação, ou seja, de cessão de parcela da soberania. Então, a meu juízo a Europa está numaencruzilhada: ou caminha para algum tipo de união fiscal, ou vai encontrar imensa dificuldade. Eu nãoacredito em quebra <strong>do</strong> euro por uma razão simples: o custo político de saída é tão eleva<strong>do</strong>, que ninguém, a nãoser que não tenha nenhuma alternativa, vai estar disposto a fazer. Pegan<strong>do</strong> o caso da Grécia, voltar ao dracma,com dívida em euro, só se houvesse um default da dívida. Ou seja, a saída seria tão pior <strong>do</strong> que ficar comoestá que eu não consigo vislumbrar esse cenário. A Grécia voluntariamente não sairá, só se for expulsa. Achoque pode ter alguma coisa com alguma política <strong>do</strong>méstica, de quan<strong>do</strong> a situação estiver muito complicadavocê chega lá e faz alguma transferência, faz um novo programa de renegociação de dívida. A diferença dasaída que eu vejo é que no caso da Alemanha e de outros países eles teriam que aumentar o gasto públicodeles. Eles teriam que aumentar a inflação, isso nós compartilhamos. A complicação desse negócio: aAlemanha gastou muito na unificação da Alemanha Oriental com a Alemanha Ocidental. Estima-se mais deUS$ 1 trilhão. Mas na Alemanha, de certa maneira, você consegue convencê-los a fazer. Agora, como pegarRua Card oso d e Alm eida 7 8 8 cj 1 2 1 Cep 0 50 1 3 -00 1 São P aulo -SP Tel Fax 0 1 1 3 8 7 2 -2 60 9 / 3 67 3 -6 74 8www.ib rac.org.br email: i b r ac@ibrac.org.b r25