Volume 4 - TARANTINO - Via: Ed. Alápis
Volume 4 - Tarantino
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gerações de espectadores habituados a consumi-la com um distanciamento<br />
lúdico. Ao mesmo tempo, sem que houvesse aparentemente nenhum<br />
caráter de “denúncia” (como Stanley Kubrick havia feito em Laranja<br />
Mecânica), fornecia munição a todos os que viam nesse procedimento<br />
estético um expediente que, por repetição, contribuiria para banalizar a<br />
violência da sociedade contemporânea.<br />
O estranhamento provocado pela brutalidade nas imagens do “primeiro<br />
Tarantino” está diretamente associado ao que se ouve. Já se mencionou<br />
aqui o uso de música na cena da mutilação de Cães de Aluguel, cuja sequência<br />
de créditos iniciais, também célebre, combina imagens em câmera lenta<br />
da quadrilha contratada por Joe Cabot (Laurence Tierney) com a entrada,<br />
na banda sonora, de um disc-jóquei de rádio que apresenta a canção Little<br />
Green Bag. Em Pulp Fiction, o trabalho de discotecagem pop é mais amplo,<br />
desde o uso da instrumental Misirlou nos créditos de abertura até a “pesca”<br />
de antigos hits como Son of a Preacher Man e Girl, You’ll Be a Woman Soon. Mais<br />
do que somente fornecer um contraponto musical inusitado a cenas de<br />
violência, a arqueologia musical empreendida por Tarantino buscava,<br />
nesses dois filmes, reviver nostalgicamente a atmosfera de um período do<br />
qual os personagens parecem ter vindo, localizado em alguma confluência<br />
simbólica (cinematográfica, decerto, ou talvez televisiva, à moda da série<br />
Além da Imaginação, de Rod Serling) entre as décadas de 1970 e 1980.<br />
Outros filmes e cineastas já haviam recorrido ao repertório pop dessa mesma<br />
época, como Sem Destino – com sua célebre sequência de créditos musicada<br />
por Born to Be Wild – e em filmes como Caminhos Perigosos e Os Bons Companheiros.<br />
No “primeiro Tarantino”, a garimpagem sugere personalidade, intervenção<br />
autoral, como se os filmes fossem dirigidos por um DJ em busca de imagens<br />
e situações que possibilitassem a ele usar certas canções. A sensação é<br />
fortalecida pela integração entre essas canções – selecionadas a partir de um<br />
repertório eclético, mas distintivo – e outra música, essa criada integralmente<br />
pelo diretor-DJ: a dos diálogos. Nesse aspecto criativo, a sensação de<br />
originalidade era mais clara. O prólogo de Cães de Aluguel, em que a quadrilha<br />
O ADVENTO DE <strong>TARANTINO</strong>: O IMPACTO DE UM TALENTO SINGULAR<br />
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