NOREVISTA ABRIL 2021
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CRÓNICA<br />
CRÓNICA<br />
Por Ricardo Silva<br />
José Tolentino de Mendonça, O Que É Amar<br />
um País, O Poder da Esperança, Quetzal, 2020<br />
O madeirense, cardeal, poeta e pensador José<br />
Tolentino Mendonça propôs como reflexão<br />
no seu discurso de 2020, no Dia de Portugal,<br />
de Camões e das Comunidades Portuguesas a<br />
temática “O que é Amar um País”, convertida<br />
em título do livro ora presente. O subtítulo<br />
aponta para uma outra reflexão, traduzida numa<br />
pequena coletânea de textos, feita no decorrer<br />
da pandemia e que, pela sua profundidade,<br />
merece um cuidado que este escrito não vai<br />
observar. E isto porque o cidadão que foi<br />
convidado para proferir o discurso do dia 10<br />
de junho quis destacar a palavra Esperança<br />
como o poder sobre a pandemia, embora na sua<br />
intervenção solene tenha optado pela palavra<br />
“raiz” que tenta interpretar aplicada ao nosso<br />
país.<br />
E se as raízes podem ser a força, a estabilidade<br />
temporal e o vigor do crescimento, elas também<br />
nos recordam que são vulneráveis às crises<br />
meteorológicas e aos atos insanos dos homens.<br />
Lembram-nos que, sendo ou parecendo<br />
inabaláveis, são, também, frágeis aos tremores<br />
do mundo físico e humano. E nesta oscilação<br />
tem Portugal viajado no tempo.<br />
O também pensador lembrou<br />
Camões como o poeta que<br />
desconfinou Portugal não só<br />
porque nos deu “o poema” (Os<br />
Lusíadas), mas, sobretudo,<br />
“deixou-nos em herança a poesia<br />
como ciência de navegação<br />
interior” e “um guia náutico<br />
perpétuo.” Releva Os Lusíadas<br />
como um livro que nos conduz a<br />
nós próprios “como indivíduos e<br />
como nação” fazendo-nos chegar<br />
à “consciência última de nós<br />
mesmos”.<br />
Refere a filósofa Simone Weil<br />
para mostrar que amar um<br />
país é amar o dinamismo da<br />
sua história, os seus solavancos<br />
e riscos, e não meramente a<br />
imagem ideal do mesmo, fixa,<br />
gloriosa, num dado momento,<br />
e não aceitando as alterações<br />
do tempo. Amar um país leva,<br />
segundo Tolentino de Mendonça,<br />
ao exercício da fraternidade e<br />
da compaixão, numa viagem<br />
nacional que inclui riscos, mas<br />
que importa o caminho para<br />
onde queremos ir.<br />
Um país que, enquanto<br />
comunidade cuida da vida de<br />
cada um, formalizando um<br />
pacto que não deve deixar para<br />
trás os mais fracos, indiferentes<br />
à sua sorte. Esta ideia de<br />
pacto comunitário é tão mais<br />
importante, conquanto hoje<br />
voltam a germinar ideias de<br />
discriminação e abandono de uns<br />
por outros, num salve-se quem<br />
puder que a pandemia mais<br />
expôs.<br />
O conceito seguinte de pacto<br />
intergeracional é uma alusão<br />
à necessidade de se reabilitar<br />
e robustecer o diálogo entre<br />
faixas etárias diferentes numa<br />
perspetiva de ajuda mútua, de<br />
aprendizagem e colaboração<br />
pungente. Reforça a ideia de que<br />
a sociedade é una, inclusiva e<br />
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