Perspectivas Sobre o Controle da Infraestrutura - Livro Digital

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Parte I Contratações em INFRAESTRUTURA risco a autonomia institucional dessas entidades. 42 A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) já chegou a emitir relatórios contestando a excessiva atuação do TCU nesse sentido, tomando como exemplo a ANATEL 43 e a ANEEL. 44 Considerando que, no Brasil, as agências reguladoras atuam em diversos projetos de infraestrutura, pode-se dizer que, por via oblíqua, esse fenômeno não só representa uma ingerência do controle sobre a discricionariedade técnica das agências, mas também sobre esses projetos. Existe, pois, o risco de se inaugurar um fenômeno que poderíamos chamar de controle por acordos, no sentido de que, se antes havia certo temor pela expansão do poder dos Tribunais de Contas via processos administrativos sancionadores, atualmente, porém, talvez se torne uma tendência que instrumentos consensuais sejam utilizados menos com o propósito de permitir diálogos entre as partes e mais no intuito de potencializar a ingerência do controlador sobre as atividades da Administração Pública. Significa dizer que, na prática, instrumentos consensuais podem encobrir estratégias para fortalecer a imposição da vontade do controlador, mesmo que sob a aparência de um diálogo interinstitucional. Em se tratando das SSCs, esse risco deriva de dois fatores que lhe são inerentes: (i) o fato de esse instrumento reduzir os riscos de haver futura revisão do acordo pelos controladores; e (ii) o fato de só poder ser utilizada a SSC quando já houver um processo administrativo prévio no TCU tratando do caso, ou seja, cria-se um estímulo para que seja celebrado um acordo, de modo que, caso contrário, poderá ser instaurado um processo sancionador pelo TCU se não houver solução consensual. Esse segundo aspecto fica mais evidente na medida em que uma grande parcela dos conflitos e gargalos envolvendo contratações públicas tramita perante o próprio TCU, como visto nos itens anteriores. A fortiori, existem dois fatores incidentais que podem incidir, a depender do caso concreto, e fortalecer ainda mais a existência de um controle por acordos. O primeiro seria o nível de participação dos particulares afetados nas negociações. Tomando como exemplo o Acordo de SSC celebrado no Acórdão nº 1.130/2023, houve um nível maior de participação social, porquanto a empresa interessada efetivamente pôde participar da comissão que modelou o negócio jurídico. Ademais, não há informações de que o Tribunal tenha influenciado o conteúdo das cláusulas do acordo, a sugerir a comunhão de acordo entre as partes para a resolução do problema. Por outro lado, segundo Juliana Palma 45 , havia um risco concreto de o TCU sancionar todos os envolvidos, o que teria servido de incentivo à celebração do acordo, a denotar que a consensualidade fora manejada de modo a potencializar o controle. O segundo consiste no nível de interferência do TCU na definição do conteúdo do acordo. No referido Acordo de SSC, não se tem notícias de que o Tribunal teria influenciado, de alguma forma, a definição das 42 MARQUES NETO, F.; PALMA, J. B.; MORENO, M. Relatório de Pesquisa Bianual – O Controle das Agências Reguladoras pelo Tribunal de Contas da União. Observatório do Controle da Administração Pública da USP, 2019, pp. 36 e ss.; SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIREITO PÚBLICO. Aplicação dos Novos Dispositivos da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) pelo Tribunal de Contas da União. 2021. Disponível em: . Acesso em: 01/07/2023; Relatório da Sociedade Brasileira de Direito Público de decisões do TCU entre novembro e dezembro de 2018 (SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIREITO PÚBLICO. Julgamentos de Novembro e Dezembro de 2018, 2018. Disponível em: . Acesso em: 12/07/2023. 43 ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Avaliação da OCDE sobre Telecomunicações e Radiodifusão no Brasil 2020. OECD Publishing, Paris, 2020. 44 ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, Impulsionando o Desempenho da Agência Nacional de Energia Elétrica do Brasil, 2021. 45 PALMA, J. B. O TCU e sua Consensualidade Controladora: Método Adequado de Solução de Conflitos ou Expansão de Competências Controladoras? JOTA, 28/06/2023. Disponível em: . Acesso em: 16/07/2023. 36 PERSPECTIVAS SOBRE O CONTROLE DA INFRAESTRUTURA
Parte I Contratações em INFRAESTRUTURA suas cláusulas, o que também denotaria um bom sinal de efetiva consensualidade na sua celebração. Em suma, a SSC naturalmente revelaria o risco de se ampliar o controle sobre o espectro de atuação das instituições públicas. E esse risco se eleva a depender da forma como os Acordos de SSC serão pactuados e celebrados em cada caso concreto. É discutível se isso teria ocorrido ou não no âmbito do Acórdão nº 1.130/2023. De toda sorte, é relevante que esses riscos sejam levados em conta e que se busque formas para mitigá-los. CONCLUSÃO As SSCs são processos em franca expansão no TCU, o que reflete uma tendência do Tribunal rumo à resolução de conflitos mais pela via consensual e menos através da lógica do comando e do controle, inclusive em matéria de contratações públicas. Essa ferramenta apresenta o potencial de destravar obstáculos burocráticos nas contratações públicas de maneira mais rápida e eficiente, aproximando os diferentes players e garantindo mais segurança jurídica com o aval do controlador nesses acordos. Entre os principais terrenos nos quais a SSC poderá ter êxito estão: (i) obras paralisadas; (ii) planejamento de projetos de desestatização; e (iii) renegociações e relicitações de contratos públicos. De outro lado, a SSC pode apresentar os seguintes riscos: (i) reforçar o controle ex ante das contratações públicas pelo TCU, o que seria interditado pelo ordenamento jurídico brasileiro; (ii) qualificar-se como decisão coordenada, instituto que é regulamentado pela Lei nº 9.784/1999, cujo art. 49-A veda a celebração de ajustes em licitações; (iii) apresentar baixa porosidade à participação de particulares; e (iv) criar estímulos para que o TCU amplie seu espectro de influências sobre os processos de tomada de decisões públicas, o que já se vem notando sobretudo no caso de agências reguladoras. Este último risco é o que chamamos de controle por acordos, no qual a consensualidade empregada é menos uma forma de diálogo entre as partes interessadas e mais um veículo de expansão da vontade do controlador sobre a Administração Pública. Para as SSCs, existem elementos estruturais e acidentais que aumentam esse risco, a variar conforme o caso concreto. Diante desse cenário, é preciso que as SSCs sejam utilizadas no melhor intuito de maximizar seus potenciais, destravar investimentos públicos e mitigar os riscos de se encobrir estratégias do controlador para elastecer suas competências. REFERÊNCIAS 4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, Mandado de Segurança nº 1013469-13.2023.4.01.3400. ALMEIDA, Fernando Menezes Dias de. Mecanismos de Consenso. In. ARAGÃO, Alexandre Santos de; MARQUES NETO, Floriano Azevedo (org.). Direito Administrativo e seus Novos Paradigmas. Belo Horizonte: Fórum, 2008. ATRICON, Nota Recomendatória Atricon n° 02/2022. Conselheiro Presidente: Cesar Miola, aprovada em 24/08/2022. BAPTISTA, Patrícia. Transformações do Direito Administrativo. 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, pp. 180 e ss. BARCELLOS, Ana Paula. Políticas Públicas e o Dever de Monitoramento: “Levando os Direitos a Sério”. Revista Brasileira de Políticas Públicas, vol. 08, nº 02, UNICEUB, 2018. BINENBOJM, Gustavo. A Consensualidade Administrativa como Técnica Juridicamente Adequada de Gestão Eficiente de Interesses Sociais. Revista Eletrônica da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro – PGE-RJ, Rio de Janeiro, v. 3, n. 3, 2020. PERSPECTIVAS SOBRE O CONTROLE DA INFRAESTRUTURA 37
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