Perspectivas Sobre o Controle da Infraestrutura - Livro Digital

Parte II Promoção da integridade e questões socioambientais em infraestrutura
tomada por poucas pessoas no governo muito
antes da elaboração dos estudos ambientais,
a realização de audiências públicas e a
análise pelo órgão ambiental das informações
levantadas. Por serem tomadas antes
de levantar informações sobre impactos, as
decisões políticas ignoram muitas das consequências
sociais e ambientais, e o processo
de licenciamento acaba sendo um mero passo
burocrático para legalizar as decisões já
tomadas. O processo de licenciamento pode
estar sujeito a irregularidades que resultam
na aprovação de licenças apesar de grandes
impactos e injustiças.
(FEARNSIDE, 2019b, p. 79)
Nesse contexto, os órgãos licenciadores se veem
pressionados a emitir licenças ambientais apesar
de evidências técnicas contrárias à viabilidade
ambiental do empreendimento ou que comprovam
o descumprimento das condicionantes ambientais
determinadas no licenciamento.
Outro ponto de enfraquecimento do procedimento,
revelado pelas experiências concretas, se refere
à ausência de previsão formal de participação
social dos grupos impactados e de especialistas
independentes para apoiar a avaliação do órgão
ambiental sobre a efetividade das condicionantes
ambientais. É recorrente a contradição entre
as informações prestadas pelo empreendedor e
as experiências vivenciadas pelas comunidades
impactadas e, por essa razão, os grupos impactados
encontram obstáculos para o reconhecimento
formal de suas informações no processo de licenciamento
ambiental. Essa questão é discutida no
item 2b: “o caso da operação da UHE Belo Monte
e o Monitoramento Ambiental e Territorial Independente
da Volta Grande do Xingu”.
Os dois conjuntos de desafios mencionados
claramente não esgotam a discussão sobre os
desafios atuais das consequências socioambientais
do planejamento, da implantação e da
operação de obras de infraestrutura, mas têm
por objetivo reiterar a urgência de aprimoramentos
da governança do ciclo de investimento
em infraestrutura no país, destacando a ênfase
na importância de se resguardar os direitos e o
bem-estar dos povos e comunidades dos territórios
que recepcionam esses empreendimentos.
2.1 A NECESSIDADE DE UM PLANEJAMENTO
PÚBLICO TRANSPARENTE E PARTICIPATIVO:
O CASO DO DIREITO À CCLPI E A
FERROGRÃO (EF-170)
O projeto da ferrovia EF-170, mais conhecido
como Ferrogrão, tem tido sua viabilidade questionada
desde as etapas iniciais do processo de
planejamento por povos indígenas potencialmente
impactados pelo empreendimento, como os Kayapó
e Munduruku (MPF, 2020, p. 6). Ainda durante
a fase de elaboração dos Estudos de Viabilidade
Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) do projeto,
em 2017, esses povos contataram a Agência
Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), competente
pela aprovação do projeto de concessão da
implantação e da operação da ferrovia, exigindo o
cumprimento do direito à Consulta e ao Consentimento
Livre, Prévio e Informado (CCLPI) antes da
aprovação do projeto pela agência e seu posterior
encaminhamento à etapa de contratação.
No entanto, em 2020, a ANTT encaminhou o projeto
de outorga da ferrovia para análise de controle
externo pelo Tribunal de Contas da União (TCU),
sem realizar a CCLPI, o que motivou representação
conjunta ao Tribunal por parte do Ministério Público
Federal, de associações indígenas e de organizações
da sociedade civil, visando que o projeto fosse devolvido
à agência para realização da Consulta com os
povos potencialmente impactados. Até o presente
momento, o processo aberto pela representação
não foi julgado pelo TCU, embora tenha havido
manifestações técnicas favoráveis e contrárias. 3
3 Para conhecer as manifestações técnicas no processo da representação, ver item “Histórico e Momento Atual” da Ficha Técnica
sobre a Ferrogrão (EF-170) na plataforma do Observatório de Olho no Xingu, disponível em: .
PERSPECTIVAS SOBRE O CONTROLE DA INFRAESTRUTURA 85