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Revista de Psicanálise

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119sua casa, as suas suspeitas se confirmaram quando ao tocar no pênis do cubano «ele brochou, obicho começou a se <strong>de</strong>smanchar». Para Lúcio o jogo «per<strong>de</strong>u toda a graça», pois a graça consistiaem «fazer com que o cubano <strong>de</strong>scobrisse um gozo homossexual que até então ele não conhecia».Como Lúcio não conseguiu extrair do seu jogo as conseqüências <strong>de</strong>sejadas ele expulsou o hóspe<strong>de</strong>cubano <strong>de</strong> sua casa.Em «A ciência e a verda<strong>de</strong>» (1966), Lacan diz que o real da castração é para todo ser falante o«ponto <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>» e a divisão do sujeito é um «nó» <strong>de</strong>satado por Freud na falta do pênis da mãe.«Na perversão verifica-se a “eficácia do sujeito nesse gnômon” que ele erige para lhe apontar a todahora o ponto <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>» (p.892). Qual é o ponto <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse sujeito? Lúcio relata váriascenas <strong>de</strong> infância que indicam a sua fixação petrificada na castração. Em um <strong>de</strong> seus relatos diz: «eununca quis olhar para a minha mãe e minha irmã nuas. Eu gostava mesmo <strong>de</strong> olhar os monstrospendurados; uma buceta sempre estraga tudo». Lúcio gostava <strong>de</strong> olhar o pênis do seu pai e dos seusirmãos. O gozo advindo do real pulsional é obtido pelo fetiche (pênis). O que retorna no simbólico econstitui a matriz da fantasia perversa, repete sob a forma <strong>de</strong>sta imagem, a cena primitiva na qual osujeito está fixado no modo particular pelo qual seu gozo foi obtido. «O fetiche perdura como signodo triunfo sobre a ameaça da castração e <strong>de</strong> proteção contra ela» (Freud, 1927, p. 147).Lúcio <strong>de</strong>screve uma cena que <strong>de</strong>svela a sua posição na fantasia e a sua tentativa <strong>de</strong>uniteralizar a castração do lado do Outro. Ele conta que certa vez foi visitar um amigo heterossexualque morava com a mulher e três filhas, em um quarto localizado em uma favela, mas o amigo nãose encontrava em casa. Como era tar<strong>de</strong> da noite a mulher <strong>de</strong>le o convidou para pernoitar. Lúciodormiu no chão entre a mulher e as suas três filhas ainda pequenas. As altas horas da madrugada oamigo <strong>de</strong> Lúcio chegou completamente bêbado e fez sexo com a mulher, <strong>de</strong>vido à escuridão doambiente seu amigo não percebeu que ele estava presente. Foi aí então que Lúcio <strong>de</strong>u um jeito <strong>de</strong> seincluir na cena sexual se fazendo ver vendo. Ele acen<strong>de</strong>u a luz do celular na direção <strong>de</strong> seu própriorosto para que o amigo visse que ele estava vendo a cena <strong>de</strong> sexo do casal. Ao se <strong>de</strong>parar com oolhar <strong>de</strong> Lúcio o homem «ficou ver<strong>de</strong>». Lúcio dividiu esse sujeito provocando-lhe surpresa, susto,choque. Em um primeiro momento, o amigo não sabia que estava sendo olhado, em um segundomomento se <strong>de</strong>scortina a presença do olhar fechando o circuito da pulsão escópica. E do lugar <strong>de</strong>objeto a, <strong>de</strong> puro olhar, Lúcio conseguiu realizar o seu intento: fazer «cair a máscara» <strong>de</strong>heterossexual do amigo: «eu <strong>de</strong>smascarei a mentira <strong>de</strong>le. Ele estava com a mulher pela buceta, masgozou olhando para a minha cara. Para mim esta história <strong>de</strong> ele gostar <strong>de</strong> mulher é uma gran<strong>de</strong>mentira».Esta cena <strong>de</strong>svela com clareza a sua posição <strong>de</strong> objeto a na fantasia perversa (a◊$), tal comofoi forjada por Lacan em «Kant com Sa<strong>de</strong>» (1963). Em seu ato perverso, Lúcio não é sujeito, estáno lugar <strong>de</strong> a, causa não <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sejo, mas <strong>de</strong> um gozo forçado da vítima ($). Ele está a serviço davonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> gozo, se faz instrumento do gozo do Outro; se <strong>de</strong>dica a tapar o furo do Outro mediante ogozo. Ele divi<strong>de</strong> o sujeito revelando uma verda<strong>de</strong> que lhe é <strong>de</strong>sconhecida e extrai da sua divisão osujeito do bruto gozo (S), um gozo que é pura pulsão <strong>de</strong> morte, um para além do princípio doprazer.Em O Seminário <strong>de</strong> um Outro ao outro (1968-1969), Lacan chama atenção para o fato <strong>de</strong> queo essencial da pulsão escópica é fazer aparecer o olhar no campo do Outro: «é no nível do campo doOutro como <strong>de</strong>sertificado <strong>de</strong> gozo que o ato exibicionista se coloca ali para fazer surgir o olhar [...]O que importa para o voyeur é justamente interrogar o olhar no Outro o que não se po<strong>de</strong> ver» (p.246). Mais adiante Lacan diz que o objeto do <strong>de</strong>sejo do voyeur é o <strong>de</strong>sconhecimento do gozo para oOutro: «o essencial na perversão é a função <strong>de</strong> um suplemento, <strong>de</strong> algo que, no nível do Outro,interroga o que falta no Outro» (p. 246). É exatamente assim que Lúcio se apresenta ao seuparceiro. Em seus atos exibicionistas ele se coloca ali para fazer surgir o olhar. Em seus atosvoyeuristas Lúcio visa o <strong>de</strong>sconhecimento do gozo para o Outro, ele é o que vai fazer o Outrogozar, justamente porque ele próprio sabe gozar, mas para isso faz-se necessário o nãoconsentimentodo parceiro, pois esta é a maior prova <strong>de</strong> que o parceiro não sabe gozar. Lacanobserva que nós po<strong>de</strong>ríamos pensar que o perverso tem certo <strong>de</strong>sprezo pelo parceiro, mascontrariamente a isso, o «perverso é aquele que se consagra a tapar o furo no Outro» (Lacan, 1968-

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