10.07.2015 Views

Revista de Psicanálise

Revista de Psicanálise

Revista de Psicanálise

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

83Segundo Jacques Aubert, principal interlocutor <strong>de</strong> Lacan no Seminário XXIII, há em Joyce«um en<strong>de</strong>reçamento ao leitor e a presença da voz na escritura, embora conservando a i<strong>de</strong>ia do que éjogado fora, do <strong>de</strong>jeto, do lixo». 9 Para Lacan, Joyce ensina também que há várias possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>enodamento dos eixos Real-Simbólico e Imaginário (RSI), mesmo no âmbito da foraclusão doNome-do-Pai.Voltemos ao uso joyciano <strong>de</strong> lalíngua, recorrendo a uma passagem <strong>de</strong> Finnegans Wake, talcomo a traduziu Donaldo Schüler sob o título <strong>de</strong> Finnicius Revém: «Volta já por or<strong>de</strong>m dosministros! E tu, leva já este barril pro lugar don<strong>de</strong> o tiraste, o bar <strong>de</strong> Mac Shane, toma o caminhoque trilharam teus anciãos, Caminho da Machadinhenterrada! Xi! Como xisparam daqui,vagabundas, todumescola<strong>de</strong>scândalos, com um fru-fru <strong>de</strong> se<strong>de</strong>svoaçante atrás <strong>de</strong>las, essas<strong>de</strong>smilinguidas perlipetas!». (J.Joyce. Finnicius Revém. 2000, p.183)É verda<strong>de</strong> que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início <strong>de</strong> sua obra, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os contos Os Dublinenses, encontramospalavras que lhe parecem: jogadas fora, ir com o vento, restos <strong>de</strong> diálogos e <strong>de</strong> conversas recolhidasno cenário <strong>de</strong> uma Dublin <strong>de</strong>vastada e humilhada. O leitor fica sempre em suspense, com asensação <strong>de</strong> que os contos acabaram antes do tempo. É uma sensação entre a perplexida<strong>de</strong> e oestranhamento. Como catador e colecionador <strong>de</strong> lixo, Joyce apanha falas e sons <strong>de</strong> homens bêbados,indo <strong>de</strong> bar em bar, ou nas vozes das mulheres que caminham pelas ruas <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> Dublin.Diremos que em Dublinenses, Joyce coleta, remenda e costura em forma <strong>de</strong> escrita, e no estilo quelhe é peculiar, as falas e os sons da cida<strong>de</strong> humilhada, tão querida quanto odiada.No encaminhamento <strong>de</strong> sua obra, autêntico work in progress, observa-se que a relação com afala lhe é cada vez mais imposta. Ao ser quebrada e <strong>de</strong>smantelada, a fala acaba por ser escrita.Dissolve-se a linguagem e com a perda da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> fonatória faz surgir a polifonia. 10 «Éexatamente esta evolução que governará o universo joyciano, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o lirismo <strong>de</strong> Música <strong>de</strong> câmeraaté a epopéia <strong>de</strong> Ulisses e o drama cômico <strong>de</strong> Finnegans Wake, universo este que, nascido darealida<strong>de</strong> mais cotidiana, atingirá aos poucos a dimensão intemporal». 11Em Finnegans Wake, Joyce <strong>de</strong>scontextualiza o significante, esvaziando-o <strong>de</strong> significado efazendo o texto literário chegar a sua materialida<strong>de</strong> última <strong>de</strong> escrita sonora. O significante, aqui,apresenta-se através <strong>de</strong> jogos em que predomina o pouco sentido, ou seja, a metonímia lúdica queaponta para o vazio <strong>de</strong> significação, exatamente como as crianças que brincam com as palavras, pormeio <strong>de</strong> assonâncias ou literações. Fenômeno típico daqueles que, <strong>de</strong>vido a pouca ida<strong>de</strong>, ainda nãoestão solidamente fixados em um discurso. A foraclusão do Nome do Pai produz o mesmoresultado: neologismos, senesteseias, interrupções, paradas, repetições, associações por assonância,<strong>de</strong>scarilhamentos, fenômenos que <strong>de</strong>svelam a falta <strong>de</strong> hierarquização significante e se localizam«Fora do discurso, mas <strong>de</strong>ntro da linguagem». 12«Aqui jazzpem os serrestos <strong>de</strong>. Uns o votam Vico, outros o motejam Miko, uns o Bub Llyname Phinam, enquantooutros o saúdam Ly Bertador, Bor Racha, Lex, Lax, Ser Viço, Ser Veja. Uns oatiçam Arto, outros o baptistam Bardo, Colle, Nolle, Solle, Villa, Velle, Valle mas eu estou porEstour A. Tim Pano, do contrário será chamado por nome nenhum. Juntos. Arre, <strong>de</strong>ixe-o a Hosty,<strong>de</strong>ixe-o a Hosty pois este é o romem para rumar as rimas, as rimas, o rei <strong>de</strong> todas as rimas. Há porcá? (Algo hão) Há por lá? (Algo não) Hás cutado? (Outros dão) Há campeado? (Outros não) Távindo, tá bramindo! O clipe, o clope! (Tudo claca) Craca creca O(klikkaklakkaklaskaklopatzklatschabattacreppycrottyGraddaghsemmihsammihnouithappluddyappladdypkonpkot!) ».[ J.Joyce Finnicius Revém. 2000, p.51]Sabemos que Lucia, filha <strong>de</strong> Joyce, recebeu <strong>de</strong> Jung o diagnóstico <strong>de</strong> esquizofrenia e que opai foi contrário ao diagnóstico, consequentemente, ao tratamento. Contam os biógrafos que,somente no fim <strong>de</strong> sua vida, Joyce consentiu que a internasse, fato que, contribuiu para os longosperíodos <strong>de</strong> silêncio mantidos pelo escritor, mesmo em companhia dos amigos e familiares. Lacanressalta que Joyce atribui a Lúcia alguma coisa que está no prolongamento <strong>de</strong> seu próprio sintoma:9 Aubert J. 2001, p.117.10 Lacan J. [1975-76], 2007, p.93.11 Paris J. 1992,p. 54.12 Lacan J., 1954-5.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!