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visualidade dos desfiles [neste campo também Adir Botelho teve grande destaque por<br />
ter sido um dos maiores decoradores das ruas do Rio de Janeiro para o carnaval e para<br />
outros eventos festivos como o Natal e as festas juninas, sempre trabalhando com temas<br />
ligados à História e Cultura brasileiras]. O pintor José Antonio da Silva, de início<br />
carreiro na roça, representa o campo e a cidade, denuncia a destruição da natureza,<br />
declara profunda afinidade com Van Gogh e critica em telas em que se auto-retrata<br />
amordaçado o viés da crítica em uma bienal de São Paulo. A sua obra fortíssima,<br />
original, é reconhecível pela alta invenção formal. Como acontece com a de Maria<br />
Auxiliadora Silva, que em 1969 já fazia colagem dos seus próprios cabelos em telas –<br />
um início de body art – e utilizava massa plástica e espuma de náilon para realizar<br />
também relevos na superfície erotizada da sua matéria pictórica ondulante. Falas<br />
escritas de figuras aparecem em algumas de suas obras circundadas por traços, à<br />
semelhança dos personagens das histórias em quadrinhos. Seu trabalho, que foi editado<br />
em livro na Europa, era considerado por ela mesma híbrido entre pintura e escultura. O<br />
fluminense Júlio Martins da Silva, cozinheiro aposentado e favelado do Morro União,<br />
RJ, nascido em finais do século XIX e falecido em 1979, registra a mudança social do<br />
seu tempo em pinturas em que a natureza, investida de sacralidade, é mostrada como<br />
poética do paraíso, com sinais, no entanto, do início da ruptura do homem com o meio<br />
ambiente na civilização industrial. Poderíamos continuar infinitamente aqui no rastro<br />
dessa circularidade entre citações dos universos erudito e popular. Citamos apenas mais<br />
algumas instâncias, neste percorrido vôo de pássaro: a emblemática afro de que nasce o<br />
construtivismo de Rubem Valentim; as celebradas “bandeirinhas” da geometria sensível<br />
de Volpi; a incorporação de um pop suburbano no trabalho de Rubens Gerchman; a<br />
gravura de Samico, com sua fina fronteira entre a xilo do cordel e a mão erudita; a<br />
escultura solidária de Celeida Tostes; a indagação crítica do mundo-Brasil de Glauco<br />
Rodrigues, carnavalizando índios e ícones contemporâneos, história e anedota; a<br />
religiosidade popular magistralmente incorporada por Raimundo de Oliveira em<br />
profunda respiração bíblica; a representação do trabalho artesanal que coexiste com o do<br />
país industrial, na arte sintética de Djanira; o infinito recurso às mais variadas fontes<br />
visuais coexistentes no trabalho de Arlindo Daibert, na recriação visual de Macunaíma e<br />
de Grande Sertão: Veredas. 231 (fig. 297 a 311).<br />
A esta lista, como não podíamos deixar da fazer, acrescentamos a interpretação<br />
visual feita por Adir Botelho da Guerra de Canudos tendo como base uma de suas mais<br />
importantes fontes jornalísticas e literárias: Os Sertões de Euclides da Cunha.<br />
Enfim, não há como ignorarmos este trânsito de influências entre estas duas<br />
categorias – a popular e a erudita –, cuja aproximação revela que, queira-se ou não, a<br />
arte fundamentalmente é uma só e parte de uma necessidade básica do ser humano:<br />
expressar a sua relação com o mundo, seja para tentar entendê-lo, dando-lhe um sentido,