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Seguindo por este caminho do imaginário do povo, em particular do nordestino,<br />
perceberemos que a Guerra de Canudos possui características muito particulares que a<br />
diferenciam das outras guerras, justamente por estar intimamente relacionada a um<br />
mundo bizarro de religiosidade fanática e mitos das mais variadas fontes - a começar<br />
pelo seu principal personagem, Antonio Conselheiro, um homem de caráter muito<br />
extravagante que, ao final do século XIX, atravessou vários estados do Nordeste<br />
anunciando o fim imediato do mundo. Ao redor deste “profeta” surgiu todo um<br />
conjunto de histórias fantásticas que se tornaram, com o passar do tempo, crenças<br />
fervorosas, todas a respeito da sua santidade e poderes milagrosos, crenças que só<br />
tomaram forma porque aqueles que o seguiam tão cegamente eram também imbuídos<br />
por uma mistura de fé católica fervorosa com o temor das coisas sobrenaturais –<br />
superstições, almas-penadas, fetiches de origem africana, reminiscências da mitologia<br />
indígena e medo, instilado por sua fé, dos poderes malévolos do demônio. Sendo assim,<br />
ao realizar as suas xilogravuras, Adir Botelho foi buscar inspiração não só na narrativa<br />
de Euclides da Cunha (que explica eruditamente esta fé sincrética do povo sertanejo)<br />
como também neste mundo mágico do cordel nordestino e em outras manifestações<br />
culturais sertanejas. É este imaginário fantástico do sertão que transparece em algumas<br />
das suas gravuras, notadamente naquelas que fazem referência a Antonio Conselheiro e<br />
à religiosidade exacerbada do seu povo (fig. 125 a 130; 134; 139 e 140; 148; 150; 153 e<br />
154; 158; 171 e 172; 175). Um bom exemplo da manifestação deste imaginário popular<br />
ao redor da mística de Antonio Conselheiro e da guerra que ele desencadeou com suas<br />
prédicas fanáticas pode ser visto no cordel A Guerra de Canudos, de João Melquiades<br />
Ferreira da Silva, que conta a historia daquela guerra no sertão baiano num enredo cheio<br />
de ação e com uma explícita simpatia pelos soldados republicanos. Eis um pequeno<br />
trecho:<br />
183<br />
No ano noventa e sete/O exército brasileiro/Achou-se comandado/Pelo general<br />
guerreiro/ De nome Arthur Oscar/Contra um chefe Cangaceiro.<br />
Ergueu-se contra a República/O bandido mais cruel/Iludindo um grande povo/Com a<br />
doutrina infiel/Seu nome era Antonio Mendes Maciel.<br />
Por causa deste bandido/Ter a mãe assassinada/Fugiu de Aracaty/Do Ceará seu<br />
Estado/vestia-se como frade/Se conservando barbado.<br />
De alpercatas, um cajado/Armado de valentia/Seu pensamento era crime/Outra coisa<br />
não queria/agradou-se de Canudos/Que é sertão da Bahia.<br />
Para iludir o povo/Ignorante do sertão/inventou fazer milagre/Dizia em eu sermão/Que<br />
virava a água em leite/Convertia as pedras em pão.