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mães desdobráveis - Departamento de História - Universidade ...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ<br />

JULIANA FLEIG<br />

“MÃES DESDOBRÁVEIS”<br />

EXPERIÊNCIAS E MEMÓRIAS DA MATERNIDADE NA SEGUNDA<br />

METADE DO SÉCULO XX<br />

CURITIBA<br />

2009


JULIANA FLEIG<br />

“MÃES DESDOBRÁVEIS”<br />

EXPERIÊNCIAS E MEMÓRIAS DA MATERNIDADE NA SEGUNDA<br />

METADE DO SÉCULO XX<br />

Monografia apresentada à disciplina <strong>de</strong> Estágio<br />

Supervisionado em Pesquisa Histórica como requisito<br />

parcial à conclusão do Curso <strong>de</strong> <strong>História</strong>, Setor <strong>de</strong> Ciências<br />

Humanas, Letras e Artes, Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Paraná.<br />

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Paula Vosne Martins<br />

CURITIBA<br />

2009


Dedico este trabalho, que consi<strong>de</strong>ro<br />

um gran<strong>de</strong> passo na minha vida,<br />

a três gran<strong>de</strong>s pessoas:<br />

Meus pais e Rafael.


AGRADECIMENTOS<br />

À Professora Doutora Ana Paula Vosne Martins pela orientação e paciência, tornando-se um<br />

exemplo <strong>de</strong> mulher e profissional.<br />

Ao <strong>Departamento</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong> da UFPR.<br />

Ao Grupo <strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong> <strong>História</strong>, especialmente à Nádia, por meu proporcionar ingresso ao<br />

grupo.<br />

À todos companheiros nessa jornada acadêmica: Ana Carolina, Ana Paula, Juliana, Karin,<br />

Rodyer, Denilton, Diego, Marcelo, Carol, Carmelina, Daniele, Janira, Marta, Otávio, Pérola,<br />

Rafael, Rodolfo... à todos aqueles não citados que ainda estão presentes ou que nos <strong>de</strong>ixaram<br />

no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>sta caminhada, saibam que foram essenciais para meu crescimento intelectual e<br />

pessoal.<br />

As minhas queridas amigas da UTP: Ana Carolina, Ana Paula, Juliana e Karin; foi com vocês<br />

que eu dividi meu primeiro ano <strong>de</strong> curso <strong>de</strong> <strong>História</strong> e por vocês que pu<strong>de</strong> chegar até aqui.<br />

Simplesmente minhas “bró<strong>de</strong>rs”.<br />

As minhas duas pessoas, Marta e Pérola, unicamente indispensáveis na minha vida agora e<br />

sempre.<br />

Ao pessoal do Kansas: Ja<strong>de</strong>, Rafa, Tati, Fer, Isabel, Lívia, Claudinha, Natália, Jean...toda<br />

“baixa renda” do Great Wolf Lodge.<br />

Aos amigos da minha vida: Ja<strong>de</strong>, Thaís, Kétlin, Alana, Andressa (Jay’s), Mirella, Luis...todos<br />

aqueles que um dia estiveram da minha vida e que <strong>de</strong> alguma forma marcaram para sempre.<br />

À toda minha família: seja Fleig, seja Bernardi, seja Bueno...vocês são minha base, meu<br />

orgulho, meus amores...<br />

4


À minha mãe e meu pai, sempre presentes, pela paciência, pela criação e por possibilitar que<br />

tudo o que está acontecendo hoje fosse possível...amo <strong>de</strong> todo coração!<br />

Ao Rafael...palavras faltam pra expressar o quão importante é pra mim, por isso apenas digo:<br />

“te amo como uma doença e sua cura juntas”!<br />

À Deus, por permitir tudo isso, principalmente que todas essas pessoas incríveis estivessem<br />

em minha vida.<br />

* * *<br />

“Todos estes que aí estão atravancando o meu caminho, eles passarão. Eu passarinho!”<br />

(Mário Quintana)<br />

5


You finally figured out the girl in<br />

your heart isn't the girl in your dreams.<br />

Some people don't figure it out all their lives.<br />

(“If Lucy Fell” - 1996)<br />

6


RESUMO<br />

Des<strong>de</strong> o final do século XVIII o “mito da maternida<strong>de</strong>” vem sendo constituído. A mulher,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, tem sua imagem ligada à função materna, tendo um papel fundamental na<br />

criação, proteção e <strong>de</strong>senvolvimento da criança. No Brasil, a partir dos anos 1920 e 1930,<br />

começam os primeiros esforços para a institucionalização da maternida<strong>de</strong> com o<br />

estabelecimento <strong>de</strong> órgãos públicos e instituições benemerentes. A educação materna,<br />

composta pela distribuição <strong>de</strong> meios impressos (como, por exemplo, livros sobre higiene<br />

produzidos por médicos e as matérias em jornais e revistas <strong>de</strong> ampla circulação), cursos,<br />

palestras, campanhas, contribuiu para a construção <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> mãe perfeita. Frente a<br />

isso, analisamos o alcance e eficiência <strong>de</strong>stes discursos maternalistas em um momento <strong>de</strong><br />

significativas transformações culturais, sociais e econômicas para as mulheres entre os anos<br />

60 e 70 do século XX. O contexto é <strong>de</strong> expansão nas conquistas das mulheres através <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong>s mobilizações – como as do movimento feminista na luta pelos direitos da mulher; a<br />

entrada em número expressivo <strong>de</strong> mulheres nas universida<strong>de</strong>s; as mudanças na relação com o<br />

corpo e com a sexualida<strong>de</strong>. Nesse sentido, a presente pesquisa, localizada na área <strong>de</strong> estudos<br />

<strong>de</strong> gênero, tem como objetivo apresentar um estudo sobre a maternida<strong>de</strong> nas décadas <strong>de</strong> 1960<br />

e 1970, a partir das memórias <strong>de</strong> mulheres que vivenciaram a experiência materna e também<br />

do discurso maternalista. Portanto, a história oral é a forma <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r como o momento<br />

foi apreendido coletivamente e interiorizado por elas. Com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> investigar as<br />

representações que elas têm <strong>de</strong> si mesmas, realizamos sete entrevistas com mulheres que<br />

foram <strong>mães</strong> nessa época, po<strong>de</strong>ndo observar como elas articularam as expectativas sociais em<br />

torno <strong>de</strong> ser <strong>mães</strong>, esposas e donas-<strong>de</strong>-casa, com a ampliação <strong>de</strong> escolhas e <strong>de</strong> projetos<br />

pessoais como a profissionalização, a educação superior e outras experiências que<br />

constituíram as subjetivida<strong>de</strong>s femininas em torno <strong>de</strong>stes <strong>de</strong>safiadores <strong>de</strong>sdobramentos <strong>de</strong> si.<br />

7


ABCTRACT<br />

Since the late eighteenth century the "myth of motherhood" has been established. The woman<br />

has since linked its image to the maternal role, playing a key role in the creation, protection<br />

and <strong>de</strong>velopment of children. In Brazil, from the years 1920 and 1930, begin the first efforts<br />

for the institutionalization of motherhood with the establishment of public institutions. The<br />

maternal education, ma<strong>de</strong> the distribution of printed media (eg, books on health produced by<br />

medical and articles in newspapers and magazines with wi<strong>de</strong> circulation), courses, lectures,<br />

campaigns, helped to build a mo<strong>de</strong>l of perfect mother. Given this, we analyze the reach and<br />

efficiency of maternalist discourse at a time of significant cultural, social and economic<br />

changes for women between 60 and 70 years of the twentieth century. It is a expand context<br />

of the achievements of women through major <strong>de</strong>monstrations - like the feminist movement in<br />

the struggle for women's rights; a significant number of women joining in universities; the<br />

changes in relation to the body and sexuality. Accordingly, the present research, located in the<br />

area of gen<strong>de</strong>r studies, aims to present a study of motherhood in the 1960s and 1970s, from<br />

the memories of women who experienced maternal and also the maternalist<br />

discourse. Therefore, the oral history is the way to un<strong>de</strong>rstand how the moment was seized<br />

and collectively internalized by them. In or<strong>de</strong>r to investigate the role that they have of<br />

themselves, we conducted interviews with seven women who were mothers at the time, can<br />

observe how they articulated the social expectations around being mothers, wives and<br />

housewives with the expansion choices and personal projects such as professionalism,<br />

education and other experiences that formed the female subjectivities around these<br />

<strong>de</strong>velopments challenging him.<br />

8


SUMÁRIO<br />

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10<br />

CAPÍTULO UM – DA HISTORIOGRAFIA À HISTÓRIA ORAL ................................. 12<br />

1.1. Uma breve reflexão historiográfica ............................................................................... 12<br />

1.2. <strong>História</strong> oral ................................................................................................................... 15<br />

1.3. <strong>História</strong> oral e história das mulheres .............................................................................. 19<br />

1.4. Processo <strong>de</strong> entrevista .................................................................................................... 23<br />

1.5. A importância da memória............................................................................................. 25<br />

CAPÍTULO DOIS – A HISTÓRIA DA MATERNIDADE ................................................ 33<br />

2.1. O estudo do gênero ........................................................................................................ 33<br />

2.2. As mulheres e a maternida<strong>de</strong> na história ....................................................................... 36<br />

2.3. O “mito da maternida<strong>de</strong>” e as políticas maternalistas ................................................... 43<br />

2.4. Sobre as décadas <strong>de</strong> 1960 e 1970 ................................................................................... 51<br />

CAPÍTULO TRÊS – EXPERIÊNCIAS E MEMÓRIAS DA MATERNIDADE ............. 55<br />

3.1. As entrevistas e as fontes orais ...................................................................................... 55<br />

3.2. Resultados ...................................................................................................................... 57<br />

3.3. Análise ........................................................................................................................... 67<br />

CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 73<br />

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 75<br />

9


INTRODUÇÃO<br />

Nas últimas décadas do século XVIII observamos a constituição do “mito da<br />

maternida<strong>de</strong>”. Defendido por médicos, filósofos e religiosos no intuito <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir o mais<br />

importante papel que uma mulher po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>sempenhar, era composto <strong>de</strong> um discurso<br />

tratando a figura feminina como um ser mo<strong>de</strong>lado pela natureza para a maternida<strong>de</strong>,<br />

tornando-se esta sua função moral e social. Este mito continuou a ser formado no século XIX,<br />

sofrendo algumas alterações com o aumento da pobreza e a mortalida<strong>de</strong> infantil. É neste<br />

contexto que avistamos esforços <strong>de</strong> mulheres ativistas na filantropia, médicos e filantropos,<br />

preocupando-se com a infância e reivindicando uma legislação específica tanto para as<br />

mulheres, <strong>mães</strong> e trabalhadoras, quanto para as crianças.<br />

Já no século XX este quadro amplia-se, transferindo a maternida<strong>de</strong> para fora da<br />

esfera familiar e a tornando um assunto <strong>de</strong> domínio público com <strong>de</strong>sdobramentos políticos.<br />

Além <strong>de</strong> mulheres ativistas, médicos e filantropos, notamos uma participação maior do Estado<br />

no tratamento <strong>de</strong>ste tema. Organiza-se, assim, em países da Europa e da América, um<br />

discurso maternalista visando <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r as <strong>mães</strong> e as crianças, o que reflete em políticas<br />

relacionadas à saú<strong>de</strong> e à assistência social. No Brasil também ocorreram esforços buscando a<br />

institucionalização da maternida<strong>de</strong>, principalmente no governo do Estado Novo (1937-1945),<br />

com um investimento expressivo <strong>de</strong> recursos e <strong>de</strong> manifestações políticas, o estabelecimento<br />

<strong>de</strong> órgãos públicos e instituições benemerentes para aten<strong>de</strong>r as <strong>mães</strong> <strong>de</strong>safortunadas<br />

juntamente com seus filhos.<br />

Às <strong>mães</strong> são atribuídas muitas responsabilida<strong>de</strong>s e obrigações, como a <strong>de</strong> se <strong>de</strong>dicar<br />

toda sua vida à família, principalmente, aos filhos, mostrando seu amor incondicional e sua<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> organização e <strong>de</strong> cuidados para a efetiva proteção dos seus. Conseqüentemente,<br />

a função social da mulher passa a ser quase que exclusivamente a maternida<strong>de</strong>. Contudo, esta<br />

função <strong>de</strong>veria ser exercida <strong>de</strong> maneira racional, <strong>de</strong> acordo com as regras e os padrões<br />

estabelecidos pelos saberes médicos e posteriormente psicológicos, dirigindo seus interesses<br />

ao cuidado e bem-estar daqueles que seriam o futuro da nação. Nesse sentido, são produzidos<br />

escritos e organizadas uma série <strong>de</strong> campanhas visando a educação materna e assim, através<br />

<strong>de</strong> uma ação pedagógica, salvar as crianças das doenças e da morte precoce.<br />

Muitos trabalhos acadêmicos foram produzidos sobre essas políticas públicas e o<br />

discurso maternalista. Porém, a maioria <strong>de</strong>les não trata do seu alcance e eficácia para as<br />

10


mulheres – consumidoras das revistas e jornais que colaboraram efetivamente para formar um<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> mãe, por exemplo. Dessa forma, a presente pesquisa se propõe a realizar um<br />

estudo sobre a maternida<strong>de</strong> nas décadas <strong>de</strong> 1960 e 1970, a partir das memórias <strong>de</strong> mulheres<br />

que vivenciaram a experiência materna e também do discurso maternalista, com a finalida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> investigar as representações que elas têm <strong>de</strong> si mesmas.<br />

Observamos que a partir da meta<strong>de</strong> do século XX intensifica-se o número <strong>de</strong><br />

publicações, como O segundo sexo <strong>de</strong> Simone <strong>de</strong> Beauvoir (1949) e Mística Feminina <strong>de</strong><br />

Betty Friedan (1963), e manifestações em <strong>de</strong>fesa dos direitos da mulher, <strong>de</strong>nunciando sua<br />

situação <strong>de</strong> alienação e tratando, inclusive, da questão da maternida<strong>de</strong>. Vemos, assim, o<br />

processo <strong>de</strong> expansão das conquistas das mulheres no mundo inteiro, principalmente nos anos<br />

60 e 70. As mulheres passam a ter uma margem maior <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s individuais, por<br />

exemplo, com a produção da pílula anticoncepcional e uma legislação ao seu favor (em 26 <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1977 é promulgada no Brasil a Lei n o 6.515, permitindo o divórcio). Além disso<br />

ressaltamos a entrada em número cada vez mais expressivo <strong>de</strong> mulheres nas universida<strong>de</strong>s e<br />

sua profissionalização. Portanto, é neste contexto <strong>de</strong> transformações sociais e culturais, <strong>de</strong><br />

mulheres mais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, que buscamos enten<strong>de</strong>r como uma geração <strong>de</strong> mulheres<br />

vivenciou suas experiências com a maternida<strong>de</strong>.<br />

Para tanto, esta monografia se estruturou em três capítulos, sendo o primeiro uma<br />

discussão a respeito da metodologia da história oral, o segundo um estudo mais específico da<br />

maternida<strong>de</strong> e do contexto histórico, e o terceiro <strong>de</strong>dicado à análise das fontes orais e do<br />

processo <strong>de</strong> entrevista. De tal modo acreditamos na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um entendimento<br />

diferenciado, uma vez consi<strong>de</strong>rando as experiências e memórias <strong>de</strong> mulheres comuns, e não<br />

discursos oficiais.<br />

11


CAPÍTULO UM – DA HISTORIOGRAFIA À HISTÓRIA ORAL<br />

Neste primeiro capítulo fazemos uma análise da metodologia utilizada em nossa<br />

pesquisa, a história oral. Para tanto iniciaremos com uma discussão historiográfica para<br />

enten<strong>de</strong>rmos melhor “a história da <strong>História</strong>”, ou seja, como o conhecimento histórico é<br />

produzido e problematizado e os seus <strong>de</strong>sdobramentos, como a utilização da história oral<br />

enquanto metodologia para a pesquisa história. Em seguida discutimos mais a especificida<strong>de</strong><br />

da história oral, analisando seus pressupostos teóricos e a particularida<strong>de</strong> da metodologia,<br />

bem como a sua aproximação com a história das mulheres, o processo para realização <strong>de</strong> uma<br />

entrevista pautada em seus meios e a importância da memória enquanto fonte histórica.<br />

1.1. Uma breve reflexão historiográfica<br />

Para enten<strong>de</strong>r melhor a metodologia escolhida, partimos <strong>de</strong> uma breve análise da<br />

historiografia buscando enten<strong>de</strong>r as mudanças que ocorreram nesse campo do conhecimento e<br />

que suscitaram novas formas <strong>de</strong> problematização histórica. No século XIX as ciências<br />

naturais predominavam como o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> conhecimento científico, principalmente no que se<br />

refere à utilização <strong>de</strong> métodos <strong>de</strong> pesquisas empírico-científicos. A preocupação com o<br />

método não ficou restrita a essas áreas. A <strong>História</strong>, sob essa influência que remetia ao<br />

racionalismo e ao iluminismo do século XVIII, contrapondo-se às formas narrativas literárias<br />

e ao que então passou a ser <strong>de</strong>nominado <strong>de</strong> escrita histórica amadora, também passou a buscar<br />

um método próprio, mas pautado pelos valores associados ao conhecimento científico, como a<br />

racionalida<strong>de</strong>, a objetivida<strong>de</strong> e a imparcialida<strong>de</strong>. Na <strong>História</strong> a busca por verda<strong>de</strong>s<br />

incontestáveis <strong>de</strong>vido a comprovação científica, ou seja, empírico-documental, tem seu marco<br />

em 1823, com Leopold von Rank (1795-1886) e suas <strong>de</strong>finições <strong>de</strong> disciplina histórica. Dessa<br />

forma, os historiadores passaram a investigar os fatos enquanto verda<strong>de</strong> - wie es eigentlich<br />

gewesen (aquilo que realmente aconteceu) – tendo como base, principalmente, documentos<br />

escritos. Denominada posteriormente como “Escola metódica”, essa corrente impôs a<br />

“investigação científica afastando qualquer especulação filosófica [...] visando a objetivida<strong>de</strong><br />

absoluta no domínio da história; [...] aplicando técnicas rigorosas respeitantes ao inventário<br />

12


das fontes, à crítica dos documentos, à organização das tarefas na profissão” 1 . A partir <strong>de</strong><br />

então, a <strong>História</strong> é <strong>de</strong>finida enquanto ciência que estuda e não julga o passado, enaltecendo a<br />

imparcialida<strong>de</strong>, passivida<strong>de</strong>, neutralida<strong>de</strong> e objetivida<strong>de</strong> do historiador.<br />

Já no século XX observamos que a <strong>História</strong>, enquanto disciplina, sofreu profundas<br />

mudanças conceituais, ao passo que os historiadores começaram a questionar a atitu<strong>de</strong><br />

metódica e especialmente a tão exaltada objetivida<strong>de</strong> histórica. A história dos gran<strong>de</strong>s<br />

personagens e a predominância da história política tomada a partir da constituição do Estado<br />

foi questionada, levando os historiadores a repensar seu ofício e seus pressupostos teórico-<br />

metodológicos. Assim vemos o surgimento da “Escola dos Annales”, a partir <strong>de</strong> 1929,<br />

li<strong>de</strong>rada por Marc Bloch e Lucien Febvre. Os historiadores franceses <strong>de</strong>ssa corrente ao<br />

questionarem os até então objetos da <strong>História</strong>, propõem novos métodos, novas fontes e novos<br />

diálogos. “A corrente inovadora <strong>de</strong>spreza o acontecimento e insiste na longa duração; <strong>de</strong>riva a<br />

sua atenção da vida política para a ativida<strong>de</strong> econômica, a organização social e a psicologia<br />

coletiva; esforça-se por aproximar a história das outras ciências humanas” 2 . A partir <strong>de</strong> então,<br />

os historiadores passam a discutir sobre problemas que ampliam o <strong>de</strong>bate em torno das fontes<br />

e a forma <strong>de</strong> obtê-las, suas práticas, leituras e escrita, tendo a subjetivida<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> relevância<br />

nesses <strong>de</strong>bates. A <strong>História</strong> <strong>de</strong>senvolve também uma relação mais estreita com outras<br />

disciplinas, principalmente as ciências sociais e a psicologia, o que permite novas<br />

problematizações acerca dos aspectos da cultura humana e da socieda<strong>de</strong>. Além disso, com o<br />

advento dos Annales, ocorreu a chamada “Revolução documental”, o que, em poucas<br />

palavras, torna qualquer vestígio do passado como documento e/ou fonte histórica em<br />

potencial. Consi<strong>de</strong>ra-se, na realida<strong>de</strong>, que o indício é fonte não por suas características<br />

intrínsecas, mas por causa das perguntas formuladas pelo historiador. Dessa forma, ocorre<br />

uma ampliação nos interesses e nos objetivos da <strong>História</strong> <strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong> não mais haver<br />

interesse exclusivo pelos gran<strong>de</strong>s acontecimentos, tendo os outros grupos ou experiências<br />

lugar nas escolhas dos historiadores e da produção historiográfica.<br />

É a partir <strong>de</strong>ssas reflexões que observamos o início do interesse pela memória na<br />

<strong>História</strong>, mais especificamente em função da história das mentalida<strong>de</strong>s que se propagou nos<br />

anos <strong>de</strong> 1970. Para Vovelle, a história das mentalida<strong>de</strong>s é o “estudo das mediações e da<br />

relação dialética entre, <strong>de</strong> um lado, as condições objetivas da vida dos homens e, <strong>de</strong> outro, a<br />

maneira como eles a narram e mesmo como a vivem [...]. O estudo das mentalida<strong>de</strong>s, longe <strong>de</strong><br />

ser um empreendimento mistificador [é] [...] um alargamento essencial do campo <strong>de</strong><br />

1 BOURDÉ & MARTIN, op. cit., p. 97.<br />

2 I<strong>de</strong>m, p. 119.<br />

13


pesquisa” 3 . Nessa busca por fazer uma história das “visões <strong>de</strong> mundo”, a memória se<br />

encontrava implícita, especialmente nos estudos voltados aos aspectos da cultura popular, da<br />

vida em família, dos hábitos e costumes <strong>de</strong> certos grupos socais ou localida<strong>de</strong>s, da<br />

religiosida<strong>de</strong>, etc.. Ao abordar esses temas, os historiadores se remetiam invariavelmente para<br />

a constituição social da memória.<br />

Além da utilização da memória, após as modificações possibilitadas pelos Annales,<br />

outros objetos são recortados pelos historiadores, como, por exemplo, o corpo. Ao pensar o<br />

corpo como um instrumento, como a forma com que nos relacionamos com o mundo,<br />

po<strong>de</strong>mos problematizá-lo, tornando objeto <strong>de</strong> análise e reflexão histórica. Dessa maneira,<br />

po<strong>de</strong>mos pensar o corpo como uma memória humana, num trabalho <strong>de</strong> <strong>de</strong>snaturalização, pois,<br />

como afirma Sant’Anna:<br />

“[...] quando se pesquisa o corpo por meio <strong>de</strong> uma <strong>de</strong> suas inúmeras vias – a saú<strong>de</strong>, a educação, o<br />

esporte, a culinária, entre outras – e se mantém como questão geral ‘Como uma dada cultura ou um<br />

<strong>de</strong>terminado grupo social criou maneiras <strong>de</strong> conhecê-lo e controlá-lo?’, o que se obtém como resultado<br />

não são apenas informações sobre as formas <strong>de</strong> fortificar o organismo e melhorar as aparências físicas<br />

inventadas, atualizadas e esquecidas historicamente. Juntamente com elas, são <strong>de</strong>svendados momentos<br />

<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>scontrole e <strong>de</strong> total surpresa diante <strong>de</strong> reações do corpo, presentes tanto no passado quanto<br />

na atualida<strong>de</strong>.” 4<br />

Pensando, por exemplo, na significação política do corpo, po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r como,<br />

através <strong>de</strong> experiências coletivas, as formas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r são construídas e alteradas. Notamos<br />

que os corpos po<strong>de</strong>m ser domesticados por normas e regulações levando à formulação <strong>de</strong><br />

padrões e i<strong>de</strong>ais. Contudo também observamos que nem todos se assujeitam às normatização<br />

e que isso, quando não acarreta necessariamente exclusão, po<strong>de</strong> se tornar objeto <strong>de</strong><br />

estigmatização. Enfim, po<strong>de</strong>mos compreen<strong>de</strong>r o que se passou até chegarmos ao que somos<br />

hoje, como nossos corpos são hoje, nossa subjetivida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> ser aquilo que era antes<br />

consi<strong>de</strong>rado natural, pois assim como nossa história e a socieda<strong>de</strong>, os corpos estão em<br />

constante mudança. E essas mudanças são frutos <strong>de</strong> um meio. Através do corpo<br />

exteriorizamos o que está no nosso interior, seja individual ou coletivamente, porque não há<br />

comportamento sem o corpo.<br />

Da mesma forma, juntamente com as novas percepções dos objetos, é que novas<br />

metodologias passam a ser testadas historicamente. Tendo gran<strong>de</strong> influência das ciências<br />

sociais, é no século XX que a história oral ganha visibilida<strong>de</strong> e prestígio, amplia seu campo,<br />

como observamos a seguir.<br />

3 VOVELLE, op. cit., pp. 24-25.<br />

4 SANT’ANNA, op. cit., p. 4.<br />

14


1.2. <strong>História</strong> oral<br />

A história oral, enquanto metodologia <strong>de</strong> pesquisa, promove um aprofundamento no<br />

conhecimento <strong>de</strong> estruturas socais, <strong>de</strong>terminadas realida<strong>de</strong>s e processos históricos; possibilita<br />

a ampliação <strong>de</strong> espaços que dão sentido a uma cultura explicativa dos atos sociais vistos<br />

através das pessoas que herdam os dilemas e os benefícios do presente. Apesar <strong>de</strong> ser uma<br />

expressão nova, a história oral possui um passado mais longínquo do que po<strong>de</strong> parecer, sendo,<br />

na verda<strong>de</strong>, a primeira forma <strong>de</strong> se produzir e disseminar história. Segundo o que nos<br />

apresenta Paul Thompson em “A voz do passado”, esta tem uma presença marcante nas<br />

socieda<strong>de</strong>s pré-letradas em que toda a história é história oral, servindo basicamente como<br />

exemplo e conservação da memória dos antepassados, como um método que proporcionava a<br />

criação <strong>de</strong> fontes alternativas. A partir do século XVII – exceto nas socieda<strong>de</strong>s nas quais a<br />

escrita não é presente, como na África, por exemplo –, com a história produzindo o discurso<br />

consi<strong>de</strong>rado verda<strong>de</strong>iro sobre o passado, surgem diversas críticas à tradição oral e do<br />

testemunho em favor <strong>de</strong> uma história escrita. Esta ressurge já na segunda meta<strong>de</strong> do XX em<br />

localida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> subsistia uma história com o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> entrevistas (por exemplo,<br />

história operária) e on<strong>de</strong> os historiadores dialogam com a sociologia e antropologia. Mas a<br />

história oral estava inicialmente ausente em diversos países e também era escassa, “os a<strong>de</strong>ptos<br />

da história oral não raro ficaram à margem da história acadêmica, constituindo grupos<br />

particulares com suas próprias instituições, socieda<strong>de</strong>s, revistas e seminários” 5 .<br />

A partir <strong>de</strong> 1950 observamos a chamada primeira geração <strong>de</strong> historiadores orais que<br />

visava reunir materiais para que outros historiadores os utilizassem. Tendo <strong>de</strong>staque os<br />

Estados Unidos, o México e a Itália, essas memórias estavam ligadas a conflitos marcantes,<br />

como a Segunda Guerra Mundial e a Revolução Mexicana, e a reconstituição da cultura<br />

popular. Já nos fins dos anos 60 a segunda geração <strong>de</strong> historiadores visa uma nova forma <strong>de</strong><br />

história oral, mais próxima da antropologia, dando oportunida<strong>de</strong> à fala dos grupos sociais<br />

“sem história” que se encontravam à margem da aca<strong>de</strong>mia. Surgida em meio ao clima dos<br />

movimentos <strong>de</strong> contestação <strong>de</strong> 1968, esta geração é formada por historiadores não-<br />

profissionais, feministas, sindicalistas, entre outros. A história oral passa a ter mais evidência<br />

acadêmica a partir <strong>de</strong> 1975 com o XIV Congresso Internacional <strong>de</strong> Ciências Históricas <strong>de</strong> São<br />

5<br />

JOUTARD, Philippe . “<strong>História</strong> oral: balanço da metodologia e da produção nos últimos 25 anos”. In:<br />

FERREIRA, Marieta <strong>de</strong> Morais & AMADO, Janaína. (Orgs.) Usos & Abusos da <strong>História</strong> Oral. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Editora FGV, 2001, p. 44.<br />

15


Francisco e, posteriormente, com o primeiro colóquio internacional <strong>de</strong> história oral em<br />

Bolonha. Consi<strong>de</strong>rada a etapa que marca o início da terceira geração <strong>de</strong> historiadores orais,<br />

vê-se no mundo uma maior utilização e visibilida<strong>de</strong> acadêmica da metodologia – por exemplo<br />

no Brasil, com a criação da Fundação Getúlio Vargas, em 1975, primeiro programa <strong>de</strong> história<br />

oral com intuito <strong>de</strong> coligir <strong>de</strong>poimentos dos lí<strong>de</strong>res políticos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 20. Nos anos<br />

80, cada vez mais colóquios internacionais são realizados e com o lançamento <strong>de</strong> revistas<br />

especializadas na temática, cria-se uma significativa comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> história oral. Além disso,<br />

é nessa época que vemos o estreitamento <strong>de</strong> laços entre museus, arquivos e programas <strong>de</strong><br />

história oral e a utilização pedagógica <strong>de</strong>sta metodologia, formando uma consciência da<br />

relação passado-presente. “Foi, enfim, um período <strong>de</strong> reflexões epistemológicas e<br />

metodológicas, no qual se contestou a idéia ingênua <strong>de</strong> que a entrevista permitia atingir<br />

diretamente a realida<strong>de</strong>, havendo inclusive uma profissionalização maior no tocante aos<br />

projetos <strong>de</strong> pesquisa oral e à sua utilização” 6 . A chamada quarta geração dos anos <strong>de</strong> 1990 é<br />

formada pela influência das anteriores, no entanto, possui uma relação mais natural com a<br />

oralida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> maior liberda<strong>de</strong> e também <strong>de</strong> maior valorização da subjetivida<strong>de</strong> – tendo<br />

<strong>de</strong>staque a melhor qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gravadores e <strong>de</strong> filmes <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o.<br />

Segundo Phillipe Joutard a história oral é formada pela história política e história<br />

antropológica. A primeira surgiu primeiro, sendo a entrevista utilizada como um<br />

complemento <strong>de</strong> documentos escritos, visando, inicialmente, personagens públicas e notáveis.<br />

Já a segunda trabalha com assuntos que estão presentes em várias experiências nacionais, dá<br />

voz aos excluídos e trata <strong>de</strong> temas da vida cotidiana, levantando novas problemáticas, sendo,<br />

<strong>de</strong>ssa forma, predominante. Além disso, <strong>de</strong>vemos <strong>de</strong>stacar que a história oral antropológica é<br />

uma metodologia utilizada em pesquisas históricas e sociológicas, primando pela valorização<br />

da memória individual e coletiva <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados grupos antes <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rados pela<br />

historiografia oficial.<br />

Portanto, ao escolher trabalhar com as experiências e memórias <strong>de</strong> <strong>mães</strong> dos anos 60 e<br />

70 do século XX, a metodologia privilegiada foi a história oral. Quando buscamos analisar a<br />

experiência das mulheres com o corpo, com a gravi<strong>de</strong>z, o parto, com os cuidados com os<br />

filhos e os significados contraditórios <strong>de</strong> tudo isto, ou seja, o que ficou ausente dos estudos<br />

sobre a maternida<strong>de</strong>, acreditamos ser esta a melhor forma <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r.<br />

A história oral consiste, basicamente, em gravações <strong>de</strong> narrativas pessoais para a<br />

elaboração <strong>de</strong> documentos, arquivamento e trabalhos que visam analisar experiências sociais<br />

6 JOUTARD, op. cit., p. 49.<br />

16


<strong>de</strong> pessoas e/ou grupos. Segundo José Carlos S. B. Meihy, ao construir um manual <strong>de</strong> história<br />

oral, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir o método como uma prática <strong>de</strong> apreensão <strong>de</strong> narrativas, que é <strong>de</strong>stinado<br />

a recolher testemunhos, promover análises <strong>de</strong> processos sociais do presente e facilitar o<br />

conhecimento do meio imediato; tem como objetivo formular documentos através <strong>de</strong> registros<br />

eletrônicos, po<strong>de</strong>ndo favorecer o estudo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e memória cultural; é um conjunto <strong>de</strong><br />

procedimentos composto por, entre outros, um projeto (planejamento das entrevistas,<br />

gravações, transcrição, etc.) e pela <strong>de</strong>finição do grupo <strong>de</strong> pessoas; é uma alternativa para<br />

estudar a socieda<strong>de</strong> através <strong>de</strong> uma documentação feita com o uso <strong>de</strong> documentos gravados<br />

com pessoas vivas e transformados em textos escritos; é expressão do tempo presente e <strong>de</strong>ve<br />

respon<strong>de</strong>r a uma utilida<strong>de</strong> prática, pública e imediata 7 . Assim, coloca como base para a<br />

realização <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> história oral a relação entre três elementos: entrevistador,<br />

entrevistado ou colaborador e aparelhagem <strong>de</strong> gravação, mas não po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar que<br />

qualquer tipo <strong>de</strong> entrevista utilizando um gravador seja história oral. “A presença do passado<br />

no presente imediato das pessoas é a razão <strong>de</strong> ser da história oral. Nessa medida, ela não só<br />

oferece uma mudança do conceito <strong>de</strong> história, mas, mais do que isso, garante sentido social à<br />

vida <strong>de</strong> <strong>de</strong>poentes e leitores, que passam a enten<strong>de</strong>r a seqüência histórica e se sentem parte do<br />

contexto em que vivem” 8 .<br />

É importante salientar que se trata <strong>de</strong> uma metodologia qualitativa, pois “o material<br />

primordial da investigação qualitativa é a palavra que expressa a fala cotidiana, seja nas<br />

relações afetivas e técnicas, seja nos discursos intelectuais, burocráticos e políticos”, então,<br />

“(...) a fala torna-se reveladora <strong>de</strong> condições estruturais, <strong>de</strong> sistemas <strong>de</strong> valores, normas e<br />

símbolos (sendo ela mesma um <strong>de</strong>les) e, ao mesmo tempo, possui a magia <strong>de</strong> transmitir,<br />

através <strong>de</strong> um porta-voz (o entrevistado), representações <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong>terminados em<br />

condições históricas, sócio-econômicas e culturais específicas” 9 . A metodologia qualitativa se<br />

propõe a analisar <strong>de</strong>terminados fenômenos <strong>de</strong> maneira profunda e subjetiva através dos<br />

significados dados por seus agentes.<br />

Para Alessandro Portelli é isso que torna a metodologia diferenciada, a subjetivida<strong>de</strong><br />

presente na narração dos eventos e significados que eles tomam, já que os entrevistados<br />

sempre revelam mais os significados do que sobre o evento em si, ou seja, “não apenas o que<br />

o povo fez, mas o que queria fazer, o que acredita estar fazendo e o que agora pensa que<br />

7<br />

MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual <strong>de</strong> <strong>História</strong> Oral. São Paulo : Edições Loyola, 2002.<br />

8<br />

I<strong>de</strong>m, p. 15.<br />

9<br />

MINAYO & SANCHES, op. cit., p. 245.<br />

17


fez” 10 . No entanto, ressalta que mesmo assim as fontes orais ainda possuem credibilida<strong>de</strong>,<br />

pois não são objetivas e na história oral “[...] afirmativas erradas são ainda psicologicamente<br />

corretas, e [...] esta verda<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser igualmente tão importante quanto os registros factuais<br />

confiáveis” 11 .<br />

Além disso, a história oral permite uma maior sensibilida<strong>de</strong> histórica, dando <strong>de</strong>staque<br />

ao po<strong>de</strong>r que a emoção, o <strong>de</strong>sejo, a rejeição, etc. têm na estrutura da vida social comum,<br />

percebendo o quanto nosso consciente está carregado <strong>de</strong> simbolismo, <strong>de</strong> negações, <strong>de</strong><br />

resistência e <strong>de</strong> omissões. Da mesma forma que as <strong>de</strong>mais fontes históricas <strong>de</strong>rivadas da<br />

percepção humana, a fonte oral é subjetiva, no entanto po<strong>de</strong>-se atingir, <strong>de</strong>vido a esta<br />

sensibilida<strong>de</strong> e ao trabalho com a memória, as verda<strong>de</strong>s ocultas. Não são verda<strong>de</strong>s totais. O<br />

que a história oral nos permite, segundo Paul Thompson pela influência da psicanálise, é um<br />

ouvir mais perspicaz, “é apren<strong>de</strong>r a estar atento àquilo que não está sendo dito, e a consi<strong>de</strong>rar<br />

o que significam os silêncios”, pois “o que o inconsciente conserva po<strong>de</strong> diferir em proporção<br />

e em po<strong>de</strong>r, mas não em espécie” 12 .<br />

A história oral é dinâmica porque não possui um caráter tão formal quanto as <strong>de</strong>mais<br />

metodologias utilizadas na aca<strong>de</strong>mia e “com uma vocação para tudo e para todos, a história<br />

oral respeita as diferenças e facilita a compreensão das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e dos processos <strong>de</strong> suas<br />

construções narrativas. Todos são personagens históricos, e o cotidiano e os gran<strong>de</strong>s fatos<br />

ganham equiparação na medida em que se trançam para garantir a lógica da vida coletiva” 13 .<br />

Ao promover relatos orais, obtidos através entrevistas e conversas com <strong>de</strong>terminadas pessoas,<br />

busca-se o exercício da memória, a exaltação <strong>de</strong> lembranças pessoais, uma visão específica do<br />

tema que está sendo investigado, da dinâmica <strong>de</strong> funcionamento e das várias etapas da<br />

trajetória do grupo social. Portanto, consi<strong>de</strong>ramos a história oral um fazer histórico, um<br />

recurso <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong> informações que se encontram no campo das experiências sociais.<br />

É uma metodologia que possui procedimentos e técnicas <strong>de</strong> recolhimento, registro,<br />

preservação, controle e estudo <strong>de</strong> fontes orais, das informações coletadas pelos<br />

entrevistadores junto aos narradores ou agentes sociais, que disponibilizam oralmente sua<br />

visão dos eventos que vivenciaram. Sua transcrição <strong>de</strong>ve ser realizada <strong>de</strong> forma mais próxima<br />

ao que o entrevistado disse, obe<strong>de</strong>cendo as regras e normas, observando atentamente a<br />

10 PORTELLI, op. cit., p. 31<br />

11 I<strong>de</strong>m, p. 32.<br />

12 THOMPSON, op. cit., pp. 204-205.<br />

13 MEIHY, op. cit., p. 21.<br />

18


velocida<strong>de</strong> da narrativa e suas mudanças no <strong>de</strong>correr do processo e tento sempre em mente<br />

que a história oral é resultado <strong>de</strong> uma interação entre entrevistador e entrevistado.<br />

1.3. <strong>História</strong> oral e história das mulheres<br />

Ressaltamos a pertinência da história oral para se pensar e analisar historicamente<br />

<strong>de</strong>terminados grupos – principalmente aqueles para quem a fala possui uma importância<br />

maior ou então porque suas práticas e experiências foram <strong>de</strong>svalorizadas pelas narrativas<br />

canônicas. As mulheres, sujeitos <strong>de</strong> nossa investigação, estiveram durante muito tempo<br />

ausentes da narrativa historiográfica. Com a história oral é possível ter acesso às suas<br />

experiências e falas. Através da oralida<strong>de</strong> afirmamos que nossa vida é história e que po<strong>de</strong>mos<br />

reconstruir nosso passado pelo trabalho da memória. Partilhamos do princípio <strong>de</strong> que a<br />

memória individual faz parte da memória coletiva, da mesma forma que a memória pessoal é<br />

uma forma <strong>de</strong> memória histórica. Portanto, enten<strong>de</strong>mos as entrevistas orais como importantes<br />

para <strong>de</strong>svendar as experiências e as perspectivas das mulheres.<br />

Des<strong>de</strong> o início da década <strong>de</strong> 1970 as feministas passaram a utilizar a metodologia das<br />

histórias <strong>de</strong> vida e das narrativas orais para documentar a história das mulheres. Inicialmente<br />

os projetos não possuíam relação estreita com o trabalho dos historiadores, visando coletar<br />

das mulheres relatos orais. Posteriormente, entre 1970 e 80, a história oral feminista foi se<br />

fortalecendo, principalmente nos Estados Unidos, e questões relacionadas à forma como a<br />

metodologia vinha sendo praticada entraram em pauta na busca pela compreensão das<br />

complexida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> se fazer história oral. Juntamente com historiadores que problematizaram a<br />

história oral, como Paul Thompson, a aproximação <strong>de</strong>sta com a história das mulheres<br />

promoveu um aprimoramento teórico e metodológico: <strong>de</strong>bates sobre a subjetivida<strong>de</strong> das<br />

fontes orais e a suposta objetivida<strong>de</strong> das fontes escritas; a <strong>de</strong>sconstrução <strong>de</strong> categorias binárias<br />

como público e privado, masculino e feminino, coletivo e individual; a complexida<strong>de</strong> das<br />

relações entre processos sociais e as escolhas e os projetos individuais são alguns dos<br />

problemas enfrentados. Além disso, passa-se a trabalhar com áreas antes pouco ou não<br />

analisadas historicamente, compreen<strong>de</strong>ndo práticas e representações das mulheres. Nosso<br />

tema, as experiências maternas, é um exemplo disto. No entanto, diferentemente do que<br />

costumamos encontrar sobre a história das mulheres, procuramos fazer das mulheres um<br />

objeto <strong>de</strong> pesquisa.<br />

19


Dentre os trabalhados que problematizam a história oral – estudos que promovem o<br />

enriquecimento e o maior entendimento da metodologia – <strong>de</strong>stacamos as coletâneas Women’s<br />

Words. The feminist practice of oral history 14 e Women’s oral history: The Frontiers<br />

Rea<strong>de</strong>r 15 . Assim sendo, notamos, em primeiro lugar, a importância da comunicação ao utilizar<br />

esse método com mulheres. Numa entrevista, as narradoras expõem um formidável grau <strong>de</strong><br />

competência na fala, posicionando o corpo e expressando-se <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada maneira, sabendo<br />

que seu <strong>de</strong>sempenho se tornará público. Dessa forma, ressaltamos a atenção para a entonação<br />

vocal e a linguagem corporal, já que as palavras não estão sozinhas, havendo sempre gestos e<br />

expressões que as acompanham. Entretanto, existem diferenças que <strong>de</strong>vem ser vistas nas<br />

entrevistas envolvendo homens e as que têm mulheres como narradoras. “Assim, para as<br />

meninas, comunicação é a oportunida<strong>de</strong> para estabelecer igualda<strong>de</strong> e intimida<strong>de</strong> em grupos<br />

relativamente pequenos e particulares; para meninos, comunicação é o local para contestar<br />

dominância em grupos hierarquicamente estruturados que são públicos e relativamente<br />

amplos” 16 . Essas diferenças não são <strong>de</strong>terminadas pela genética, mas são socialmente<br />

construídas, numa contínua <strong>de</strong>svalorização da fala das mulheres, o que impe<strong>de</strong> que muitas<br />

mulheres se sintam confortáveis ao falar em público.<br />

Tendo isso em mente, é preciso usar a história oral <strong>de</strong> forma diferenciada com as<br />

mulheres na busca <strong>de</strong> obter informações mais confiáveis e válidas. Não conseguiremos ouvir<br />

o que mulheres consi<strong>de</strong>ram essencial para suas vidas a não ser que legitimemos um contexto<br />

sócio-comunicativo feminino para a situação da história oral, pois, diferentemente dos<br />

homens, as mulheres conversam sobre assuntos pessoais refletindo o que são e não o que elas<br />

fazem ou fizeram. Além disso, <strong>de</strong>vemos atentar para a importância do “ritmo especial” 17 das<br />

mulheres, não importando quem nós escolhemos para entrevistar, quão típicas ou atípicas são<br />

suas experiências <strong>de</strong> vida; há certamente um fio comum comunicativo que liga todas as<br />

mulheres.<br />

Pensando na linguagem corporal Kristina Minister avalia, <strong>de</strong>monstrando a<br />

particularida<strong>de</strong> da comunicação feminina, o comportamento <strong>de</strong> mulheres numa conversação<br />

14<br />

GLUCK, Sherna Berger & PATAI, Daphne. (Eds.) Women’s Words. The feminist practice of oral history.<br />

New York/London : Routledge, 1991.<br />

15<br />

ARMITAGE, Susan H.; HART, Patricia; WEATHERMON, Karen. (Eds.) Women’s Oral History: The<br />

“Frontiers” Rea<strong>de</strong>r. Lincoln : University of Nebraska Press, 2002.<br />

16<br />

MINISTER, Kristina. “A feminist frame for the oral history interview”. In: GLUCK, Sherna Berger & PATAI,<br />

Daphne. (Eds.) Women’s Words. The feminist practice of oral history. New York/London : Routledge, 1991,<br />

p. 30. (Tradução nossa).<br />

17<br />

Special rhythm. Sobre o “ritmo especial”, Gluck escreve: “Registrar esse ritmo é importante para documentar<br />

as vidas e experiências <strong>de</strong> todas estas mulheres: [...] para investigar plenamente as suas vidas e ativida<strong>de</strong>s e para<br />

gravar as suas histórias, para só então vermos o quadro completo da vida das mulheres, e como o seu ritmo tem<br />

afetado nossas vidas.” (p. 4. Tradução nossa)<br />

20


em grupo gravada em ví<strong>de</strong>o: elas se sentam <strong>de</strong> maneira que possam ver e ser vistas; não<br />

fazem muitos movimentos com a cabeça enquanto falam, mas gesticulam bastante enquanto<br />

falam; preocupam-se em <strong>de</strong>codificar, interpretar a conversa, tomando o cuidado para<br />

<strong>de</strong>monstrar isso; risadas são proeminentes; mantém a poli<strong>de</strong>z e <strong>de</strong>monstram empatia.<br />

Mulheres <strong>de</strong>senvolvem, <strong>de</strong> forma única, suas histórias. Estas normalmente são construídas<br />

com referência a outras histórias anteriores e são recheadas <strong>de</strong> fatos envolvendo sentimentos e<br />

relacionamentos. Não são narrativas extraordinárias, geralmente são sobre assuntos comuns e<br />

experiências mundanas, mas são muito valorizadas por elas. “Em resumo, tópicos do mesmo<br />

assunto das mulheres são inseparáveis <strong>de</strong> seu profundo contexto <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> gênero”,<br />

ou seja, “mulheres conversando com mulheres utilizam uma dialética exclusiva <strong>de</strong> escolha <strong>de</strong><br />

palavras coor<strong>de</strong>nada com um sistema exclusivo não-verbal com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> explorar e<br />

nomear questões exclusivas para mulheres” 18 , o que permite gran<strong>de</strong>s recursos para a<br />

obtenção, <strong>de</strong>senvolvimento e elaboração <strong>de</strong> falas individuais. Dessa forma, enten<strong>de</strong>mos que<br />

os entrevistadores <strong>de</strong>vem se posicionar subjetivamente <strong>de</strong>ntro da entrevista, pois as mulheres<br />

que não participam dos processos comunicativos masculinos, não falam sobre ativida<strong>de</strong>s e<br />

fatos, <strong>de</strong>senvolvendo tópicos através <strong>de</strong> um incentivo e uma atenção especial.<br />

As entrevistas dão liberda<strong>de</strong> para as mulheres contarem suas histórias completa e<br />

honestamente como elas <strong>de</strong>sejam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que elas tenham a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> explicar e<br />

esclarecer o que para elas isso significa, da sua própria maneira, utilizando a linguagem que<br />

acharem mais qualificada:<br />

“[...] história oral das mulheres requer muito mais que uma nova lista <strong>de</strong> perguntas para explorar as<br />

experiências e perspectivas únicas das mulheres; nós precisamos refinar nossos métodos para investigar<br />

mais profundamente, ouvindo os níveis em que o narrador respon<strong>de</strong> às perguntas originais. Para fazer<br />

isso nós precisamos estar criticamente atentos para nossas entrevistas, para nossas respostas, assim<br />

como para nossas perguntas. Nós precisamos ouvir o que as mulheres <strong>de</strong>ixam implícito, sugerem, e o<br />

que começam a dizer mas não dizem. Nós precisamos interpretar suas pausas e, quando acontecer, suas<br />

relutâncias e incapacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r. Nós precisamos consi<strong>de</strong>rar cuidadosamente se nossas<br />

entrevistas criam um contexto no qual as mulheres se sentem confortáveis explorando os sentimentos<br />

subjetivos que dão significado para ações, coisas, e eventos, se elas permitem às mulheres explorar<br />

sentimentos e comportamentos ‘não-femininos’, e se elas encorajam as mulheres a explicar o que elas<br />

querem dizer em seus próprios termos” 19 .<br />

Uma preocupação que não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>ixada <strong>de</strong> lado ao se trabalhar com história oral<br />

das mulheres é a interpretação das falas, pois neste processo construímos um segundo nível <strong>de</strong><br />

narrativa que é baseado e reformula o original, po<strong>de</strong>ndo ter objetivos distintos dos que o<br />

18<br />

MINISTER, op. cit., p. 34. (Tradução nossa).<br />

19<br />

ANDERSON, Kathryn and JACK, Dana C.. “Learning to listen: interview techniques and analyses”. In:<br />

GLUCK, Sherna Berger & PATAI, Daphne. (Eds.) Women’s Words. The feminist practice of oral history.<br />

New York/London : Routledge, 1991, p. 17. (Tradução nossa)<br />

21


narrador intentava expressar, seja no levantamento <strong>de</strong> questões ou ao produzir conexões entre<br />

a narrativa e o que é socialmente estudado. Isso é comum ao trabalhar com gênero, buscando<br />

resquícios <strong>de</strong> ações <strong>de</strong> lutas feministas on<strong>de</strong> muitas vezes este tipo <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> e i<strong>de</strong>ntificação<br />

não ocorreu <strong>de</strong> fato, ou não é consciente. Portanto, insiste-se para que olhemos os resultados<br />

das entrevistas com sensibilida<strong>de</strong> para não contrariarmos o senso que nossas colaboradoras<br />

têm <strong>de</strong> si mesmas. Devemos estar abertas para um intercâmbio <strong>de</strong> idéias para que nós não<br />

façamos simplesmente uma reunião <strong>de</strong> dados, adaptando aos nossos paradigmas, buscando<br />

contextualizar as narrativas orais <strong>de</strong> formas distintas das nossas construções fixas, pois ao<br />

utilizar a metodologia da história oral po<strong>de</strong>mos ir muito além <strong>de</strong> apenas encontrar a história<br />

<strong>de</strong> uma mulher, mas <strong>de</strong> várias mulheres com a uma série <strong>de</strong> questões diferentes a serem<br />

exploradas.<br />

Segundo afirma a historiadora Sherna Berger Gluck, a “história oral das mulheres é<br />

um encontro feminista [...]”, ou melhor, “é a criação <strong>de</strong> um novo tipo <strong>de</strong> material sobre as<br />

mulheres; é a validação das experiências das mulheres; é a comunicação entre mulheres <strong>de</strong><br />

diferentes gerações; é o <strong>de</strong>scobrimento <strong>de</strong> nossas próprias raízes e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma<br />

continuida<strong>de</strong> que nos vem sendo negada na <strong>de</strong>scrição tradicional da história” 20 . Gluck ainda<br />

afirma que quanto mais completo for um documento oral, mais ele permite a elaboração <strong>de</strong><br />

reflexões sobre as experiências, os valores, as atitu<strong>de</strong>s, em suma, sobre a vida das pessoas<br />

entrevistadas, possibilitando uma aproximação maior com as mulheres e, <strong>de</strong>ssa maneira, com<br />

a sua história.<br />

O historiador, usando ou não a história oral, se tornou mais atento para as dimensões<br />

subjetivas dos eventos e ativida<strong>de</strong>s. No entanto, ainda há muito que se fazer para melhor<br />

trabalharmos com essas subjetivida<strong>de</strong>s. A história oral nos permite ações nesse sentido, apesar<br />

<strong>de</strong> que ainda necessite <strong>de</strong> mudanças na metodologia <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> informações, on<strong>de</strong> o foco<br />

está sobre as perguntas certas, a interação, no processo, no dinâmico <strong>de</strong>sdobramento do ponto<br />

<strong>de</strong> vista do sujeito. É também preciso que ocorra alteração <strong>de</strong> foco, novas habilida<strong>de</strong>s do<br />

pesquisador que incluam a consciência <strong>de</strong> que as ações, coisas, e eventos são acompanhados<br />

<strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong> emocional que os dá significado; a percepção que alguns sentimentos quando<br />

trazidos à tona po<strong>de</strong>m exce<strong>de</strong>r limites do aceitável ou do comportamento feminino esperado;<br />

e, além disso, que indivíduos po<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>vem explicar o que eles querem dizer em seus<br />

próprios termos. Dessa forma, quando o entrevistador consegue ser sensível à privacida<strong>de</strong> do<br />

20<br />

GLUCK, Sherna Berger. “What’s so special about women? Women’s oral history”. In: ARMITAGE, Susan<br />

H.; HART, Patricia; WEATHERMON, Karen. (Eds.) Women’s Oral History: The “Frontiers” Rea<strong>de</strong>r.<br />

Lincoln : University of Nebraska Press, 2002, p. 5. (Tradução nossa).<br />

22


narrador enquanto, ao mesmo tempo, oferece liberda<strong>de</strong> para este expressar seus próprios<br />

pensamentos e experiências, torna seu trabalho muito mais satisfatório, possibilitando, ao<br />

utilizar uma tradição oral tão velha como a memória humana, reconstruir o passado <strong>de</strong> forma<br />

distinta e única. Não há melhor método para criar novas fontes ou para trabalhar com<br />

materiais crus, mesmo assim estamos criando uma nova história das mulheres, uma nova<br />

literatura que traz à tona sua sensibilida<strong>de</strong>, não fazendo aparecer somente novos materiais,<br />

mas validando as vidas <strong>de</strong> mulheres que nos anteviram e que forjam laços diretos com nosso<br />

próprio passado.<br />

1.4. Processo <strong>de</strong> entrevista<br />

Cada um <strong>de</strong> nós <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>senvolver um estilo, uma melhor forma <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r na<br />

entrevista com mulheres, no entanto, po<strong>de</strong>mos seguir algumas orientações para um<br />

<strong>de</strong>sempenho mais satisfatório com a história oral. Baseado no contexto da pesquisa e na<br />

perspectiva histórica que o entrevistador coloca no processo, a vida da entrevistada é<br />

reconstruída <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um amplo contexto social – um contexto não comumente provido pelo<br />

registro da memória. Um entendimento <strong>de</strong>sse contexto guia o entrevistador na <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> qual<br />

material espontâneo <strong>de</strong>ve ser elaborado mais completamente. Embora o melhor entrevistador<br />

seja aquele que encoraja as lembranças em sua direção, não se po<strong>de</strong> negar o seu papel em<br />

criar a história oral. A perspectiva do entrevistador po<strong>de</strong> não ajudar, mas influenciar, mesmo<br />

que sutilmente, o conteúdo do material – principalmente naquilo que o entrevistador julga<br />

importante no conteúdo da entrevista. No entanto, para melhores resultados, isso <strong>de</strong>ve ser<br />

feito com um preparo e conhecimento <strong>de</strong> técnicas <strong>de</strong> entrevista.<br />

Trataremos aqui do processo <strong>de</strong> entrevista da história oral, mas <strong>de</strong>vemos <strong>de</strong>ixar claro a<br />

importância <strong>de</strong> se estar preparado para a sua realização quando as entrevistas são realizadas<br />

com mulheres, já que, como foi explicitado anteriormente, essa metodologia é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> valia<br />

na escrita <strong>de</strong> uma história das mulheres. Dessa forma, iniciamos o processo com a seleção das<br />

entrevistadas. A escolha das entrevistadas é <strong>de</strong> encargo do entrevistador, seguindo os<br />

interesses e objetivos do seu projeto <strong>de</strong> história oral e atentando para as semelhanças culturais<br />

<strong>de</strong> suas entrevistadas (gênero, etnia, classe, i<strong>de</strong>ntificação regional, etc.). Não importa quem<br />

nós escolhemos para entrevistar ou como nós localizamos, <strong>de</strong>vemos atentar para o primeiro<br />

23


contato com a pessoa. Este é crucial uma vez que esta po<strong>de</strong> ser influenciada sutilmente pela<br />

maneira que realizamos o contato. É preciso informar como obteve o seu nome e explicar o<br />

interesse por ela, o motivo pelo qual acreditamos que sua vida e suas experiências são<br />

relevantes. Entretanto não se <strong>de</strong>ve adiantar muito o que irá ocorrer posteriormente, <strong>de</strong>ixando<br />

isso para a entrevista em si.<br />

Aconselha-se que a entrevista ocorra direta e pessoalmente com a entrevistada,<br />

possibilitando que aconteça uma aproximação mais estreita, uma comunicação aberta e o<br />

estabelecimento <strong>de</strong> laços <strong>de</strong> confiança, o que permite que <strong>de</strong>talhes pessoais e íntimos sobre a<br />

vida das mulheres sejam abertamente discutidos. Aconselha-se que o entrevistador se<br />

disponha a revelar algumas informações pessoais <strong>de</strong> sua vida, num processo <strong>de</strong> troca com a<br />

entrevistada que está se auto-revelando. As expectativas e a relação que se <strong>de</strong>senvolvem<br />

durante o primeiro encontro po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>terminar o curso da entrevista e das <strong>de</strong>mais que po<strong>de</strong>m<br />

assim ser realizadas – a <strong>de</strong>cisão sobre quantas entrevistas serão feitas é <strong>de</strong> encargo <strong>de</strong> cada<br />

entrevistador, com base em seus esboços e na investigação posterior à entrevista inicial.<br />

Além <strong>de</strong> conhecer a metodologia da história oral para estar melhor preparado para a<br />

entrevista, <strong>de</strong>ve-se estar preparado para a situação e para o tipo <strong>de</strong> pessoa que irá encontrar.<br />

Quando se estuda a história oral com mulheres aconselha-se que esteja familiarizado com o<br />

período do tempo que será trabalhado e especialmente com as condições <strong>de</strong> vida que é<br />

possível encontrar. Essa familiarida<strong>de</strong> com o contexto <strong>de</strong> vida nos permite explorar<br />

plenamente a história familiar e o passado da entrevistada. Juntamente a isso, Sherna Berger<br />

Gluck nos dá uma dica: “Embora a maioria das mulheres que iremos entrevistar<br />

provavelmente não tenha ‘papéis’, quase todas têm fotografias e vários objetos que mantém<br />

do seu passado. Olhando para estes ajuda a informar o entrevistador e a sacudir a memória da<br />

entrevistada” 21 .<br />

No planejamento da entrevista é necessário rever os tipos <strong>de</strong> perguntas e a or<strong>de</strong>m que<br />

estas <strong>de</strong>vem estar dispostas, mas é importante que esta or<strong>de</strong>m seja flexível, evitando que a<br />

entrevista tome a forma <strong>de</strong> questionário ou invés <strong>de</strong> ser uma conserva. Geralmente a or<strong>de</strong>m<br />

que os entrevistadores seguem é <strong>de</strong> primeiro questionar algo mais geral, esperando para saber<br />

em que horizontes a entrevistada os coloca, para <strong>de</strong>pois pontuar as perguntas. Se nossas<br />

perguntas gerais levam para digressões <strong>de</strong>moradas, então nós temos que estar preparados para<br />

seguir uma linha até esgotar o assunto. Se, no final <strong>de</strong> um novo caminho, nós continuarmos a<br />

não ter a informação que buscávamos, então po<strong>de</strong>mos retornar para a linha original <strong>de</strong><br />

21 GLUCK, op. cit., p. 12. (Tradução nossa).<br />

24


investigação, perguntando o mesmo conteúdo <strong>de</strong> forma distinta. Uma resposta geral ou vaga<br />

po<strong>de</strong> indicar que a entrevistada não consi<strong>de</strong>rou o assunto importante. Muitas vezes a<br />

informação questionada po<strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iramente não ser recordada pela pessoa que estamos<br />

entrevistando, pois a disposição da memória varia <strong>de</strong> acordo com a situação. Deve-se saber o<br />

momento <strong>de</strong> fazer e/ou parar uma entrevista.<br />

Consi<strong>de</strong>ra-se o “quase-monólogo” a melhor forma <strong>de</strong> se proce<strong>de</strong>r numa entrevista <strong>de</strong><br />

história oral, encorajando com movimentos com a cabeça, sorrisos <strong>de</strong> apreciação e escuta<br />

atenta, para fazer comentários <strong>de</strong> entendimento e perguntas inteligentes, incentivando a<br />

entrevistada a compartilhar suas memórias. Recomenda-se fazer somente anotações<br />

extremamente necessárias para manter a linha <strong>de</strong> pensamento do entrevistador, evitando a<br />

quebra <strong>de</strong> contato visual com a entrevistada. O mais difícil durante o processo é,<br />

provavelmente, manter claro algum senso <strong>de</strong> cronologia e <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m dos eventos narrados,<br />

havendo mulheres que nos ajudam mais nesse trabalho. Isso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada uma (como<br />

também <strong>de</strong> suas origens, classe social, etnia, geração que pertence, etc.), <strong>de</strong> como<br />

<strong>de</strong>senvolvem sua linha <strong>de</strong> pensamento e seu padrão <strong>de</strong> fala, assim como <strong>de</strong> que forma damos<br />

encaminhamento nessas entrevistas; cabendo somente a nós, entrevistadores, a adaptabilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> cada situação.<br />

A entrevista é uma negociação entre a entrevistada e o entrevistador juntamente com<br />

as perguntas e respostas, formando a base para a criação <strong>de</strong> uma história oral. Cada mulher<br />

tem sua própria maneira <strong>de</strong> relembrar os eventos, bem como suas experiências específicas.<br />

Cada entrevista é única, adaptando-se as reações e respostas <strong>de</strong> cada entrevistada. Como<br />

entrevistadores sensíveis, nós respon<strong>de</strong>mos a cada individualida<strong>de</strong>, variando, assim, o<br />

procedimento utilizado em cada entrevista. Esta varieda<strong>de</strong> é uma das características mais<br />

expressivas da história oral e é o que a torna uma metodologia tão rica em possibilida<strong>de</strong>s,<br />

i<strong>de</strong>al para se trabalhar com mulheres.<br />

1.5. A importância da memória<br />

A história oral é consi<strong>de</strong>rada por muitos uma forma <strong>de</strong>mocrática <strong>de</strong> se fazer história já<br />

que possibilita o resgate <strong>de</strong> interpretações diversas acerca do acontecimento vivido. Ao<br />

pesquisador é permitido um contato direto com o objetivo, o narrador, e suas lembranças e<br />

25


esquecimentos, ressentimentos e emoções. Junto a isso, o entrevistador tem a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

trabalhar com outros tipos <strong>de</strong> pesquisas e fontes, o que permite que sua pesquisa fique ainda<br />

mais rica, já que po<strong>de</strong> analisar a ação humana a partir <strong>de</strong> diversos ângulos – por exemplo ao<br />

trabalhar com fotografias ou objetos pessoais do entrevistado. Esses elementos possuem uma<br />

base comum, uma característica que marca a história oral e que é, talvez, o que seja mais<br />

importante na metodologia: seu trabalho com a memória.<br />

A entrevista é uma produção intelectual, uma interação entre entrevistador e<br />

entrevistado com o objetivo <strong>de</strong> se produzir conhecimento através da lembrança do<br />

entrevistado. Portanto, o historiador oral se utiliza da memória para <strong>de</strong>senvolver sua pesquisa.<br />

Mas é necessário que estejamos atentos para utilizá-la <strong>de</strong> maneira correta, através <strong>de</strong> técnicas<br />

específicas para sua análise e entendimento, averiguando sua legitimida<strong>de</strong> assim como as<br />

evidências e trabalhando como uma expressão cultural que possui diversos significados e<br />

complexida<strong>de</strong>s, diferentemente das <strong>de</strong>mais fontes que possuem mo<strong>de</strong>los mais fixos.<br />

Partilhamos da idéia que a memória <strong>de</strong>ve ser entendida enquanto fenômeno social, já<br />

que o ser humano é um indivíduo social e pertence e se i<strong>de</strong>ntifica com esse universo,<br />

reproduzindo modos <strong>de</strong> agir, pensar e sentir que são exteriores a ele e exercem po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

coerção. “Essa preexistência e esse predomínio do social sobre o individual <strong>de</strong>veria, por força,<br />

alterar substancialmente o enfoque dos fenômenos ditos psicológicos como a percepção, a<br />

consciência e a memória” 22 . Assim, consi<strong>de</strong>ramos a memória como construída coletivamente<br />

e passível <strong>de</strong> transformações constantes, ou seja, nossa memória não é genuinamente<br />

individual, mas coletiva, passível <strong>de</strong> uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> experiências vividas por<br />

indivíduos e agrupamentos sociais que não estão parados no tempo, mas em constante<br />

reformulação. Segundo Halbwachs, a memória individual existe sempre a partir <strong>de</strong> uma<br />

memória coletiva, assim sendo, nossas lembranças são, da mesma forma que nossas idéias,<br />

reflexões, sentimentos e paixões, estabelecidas no interior <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado grupo, são<br />

partilhadas por indivíduos e grupos sociais com os quais nos relacionamos. Logo, segundo o<br />

autor, a memória coletiva é relativa à socieda<strong>de</strong> e é uma interpretação das experiências<br />

vividas, sendo distinta do discurso histórico. “A memória é o resultado do movimento do<br />

sujeito no ato da memorização, como também é ação dos diversos grupos sociais em suas<br />

histórias, o passado e o presente” 23 , ou seja, “a memória do indivíduo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do seu<br />

relacionamento com a família, com a classe social, com a escola, com a Igreja, com a<br />

22 BOSI, op. cit., p. 16. (Grifo original).<br />

23 HALBWACHS, op. cit., p. 32.<br />

26


profissão; enfim, com os grupos <strong>de</strong> convívio e os grupos <strong>de</strong> referência peculiares a esse<br />

indivíduo” 24 .<br />

Sobre a memória individual, Halbwachs afirma a existência <strong>de</strong> uma “intuição<br />

sensível”, um estado <strong>de</strong> consciência puramente individual, distinto daquele em que há dados<br />

do pensamento social, presente na base <strong>de</strong> toda lembrança. É o que em parte garante a coesão<br />

e a unida<strong>de</strong> coletiva, concebida pelo pensador, como o espaço <strong>de</strong> conflitos e influências entre<br />

uns e outros. É um ponto <strong>de</strong> vista sobre a memória construída coletivamente. A memória<br />

individual não é isolada, seu suporte <strong>de</strong> apoio está relacionado às percepções produzidas pela<br />

memória coletiva e pela história. Ocorrendo a partir das referências e lembranças do grupo,<br />

então, a memória individual <strong>de</strong>ve ser percebida a partir do lugar ocupado pelo indivíduo<br />

<strong>de</strong>ntro do grupo e das relações que mantém com outros meios. A linguagem é, nesse sentido,<br />

o instrumento que possibilita a socialização da memória, reproduzindo, aproximando e<br />

unificando no mesmo espaço histórico e cultural a imagem do sonho, a imagem lembrada e as<br />

imagens da vigília atual.<br />

Memória é trabalho, então o autor assinala como excepcional o seu caráter livre,<br />

espontâneo. Afirma que lembrar é reconstruir, nossas lembranças po<strong>de</strong>m ser reconstruídas ou<br />

simuladas, pois “a lembrança é em larga medida uma reconstrução do passado com a ajuda <strong>de</strong><br />

dados emprestados do presente, e além disso, preparada por outras reconstruções feitas em<br />

épocas anteriores e <strong>de</strong> on<strong>de</strong> a imagem <strong>de</strong> outrora manifestou-se já bem alterada” 25 . É uma<br />

imagem engajada em outras imagens. Po<strong>de</strong>mos criar representações baseados na percepção do<br />

passado <strong>de</strong> outras pessoas, na nossa imaginação do que ocorreu, ou simplesmente naquilo que<br />

internalizamos <strong>de</strong> representações pertencentes <strong>de</strong> uma história oficial. “À medida em que os<br />

acontecimentos se distanciam, temos o hábito <strong>de</strong> lembrá-los sob a forma <strong>de</strong> conjuntos, sobre<br />

os quais se <strong>de</strong>stacam às vezes alguns entre eles, mas que abrangem muitos outros elementos,<br />

sem que possamos distinguir um do outro, nem jamais fazer <strong>de</strong>les uma enumeração<br />

completa” 26 . Por isso, <strong>de</strong>vemos duvidar da sobrevivência do passado “tal como foi”, “o<br />

simples fato <strong>de</strong> lembrar o passado, no presente, exclui a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> entre as imagens <strong>de</strong> um e<br />

<strong>de</strong> outro, e propõe a sua diferença em termos <strong>de</strong> ponto <strong>de</strong> vista” 27 . No entanto, não po<strong>de</strong>mos<br />

consi<strong>de</strong>rar a memória somente a partir da imaginação, da representação histórica ou <strong>de</strong><br />

24 BOSI, op. cit., p. 17.<br />

25 HALBWACHS, op. cit., p. 71.<br />

26 I<strong>de</strong>m, p. 72.<br />

27 BOSI, op. cit., p. 17. (Grifo original).<br />

27


elementos que nos sejam exteriores, o processo <strong>de</strong> construção da memória passa sempre por<br />

um referencial, o sujeito.<br />

Para exemplificar a “reconstrução do passado”, Ecléa Bosi nos apresenta a situação <strong>de</strong><br />

releitura, na fase adulta, <strong>de</strong> um livro apreciado na juventu<strong>de</strong>. À primeira vista julga-se que a<br />

memória nos faça reviver as sensações experimentadas na fase anterior, mas, segundo a<br />

autora, isso não se dá pois em cada momento da vida temos preocupações e reações distintas,<br />

atentando para <strong>de</strong>talhes que anteriormente tinham passado <strong>de</strong>sapercebidos e promovendo<br />

outros tipos <strong>de</strong> idéias e reflexões. “Não se lê duas vezes o mesmo livro, isto é, não se relê da<br />

mesma maneira o livro. O conjunto <strong>de</strong> nossas idéias atuais, principalmente sobre a socieda<strong>de</strong>,<br />

nos impediria <strong>de</strong> recuperar exatamente as impressões e os sentimentos experimentados a<br />

primeira vez” 28 . E isso se dá da mesma forma ao se incitar a lembrança <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados<br />

acontecimentos na história oral. Por mais que nossos entrevistados pensem que estão<br />

relatando o evento da forma que ocorreu, essa memória tem forte influência do presente,<br />

impregnado <strong>de</strong> conceitos atuais, o que não significa que não possua veracida<strong>de</strong>:<br />

“A experiência da releitura é apenas um exemplo, entre muitos, da dificulda<strong>de</strong>, senão da<br />

impossibilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> reviver o passado tal e qual; impossibilida<strong>de</strong> que todo sujeito que lembra tem em<br />

comum com o historiador. Para este também se coloca a meta i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> refazer, no discurso presente,<br />

acontecimentos pretéritos, o que, a rigor, exigiria se tirassem dos túmulos todos os que agiram ou<br />

testemunharam os fatos a serem evocados. Posto o limite fatal que o tempo impõe ao historiador, não<br />

lhe resta senão reconstruir, no que lhe for possível, a fisionomia dos acontecimentos. Nesse esforço<br />

exercer um papel condicionante todo o conjunto <strong>de</strong> noções presentes que, involuntariamente, nos obriga<br />

a avaliar (logo, a alterar) o conteúdo das memórias” 29 .<br />

Ao trabalhar com a relação entre memória e história, Halbwachs afirma que a memória<br />

coletiva é pautada na continuida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser vista sempre no plural, ou seja, são memórias<br />

coletivas. Já o que enten<strong>de</strong>mos por história é compreensão da sucessão <strong>de</strong> acontecimentos<br />

marcantes <strong>de</strong> um país e que não se resumem em datas, nomes e fórmulas, mas em correntes <strong>de</strong><br />

pensamento e <strong>de</strong> experiência on<strong>de</strong> reencontramos nosso passado. Logo, pensando a partir da<br />

história, as memórias coletivas são apenas <strong>de</strong>talhes: “O que justifica ao historiador estas<br />

pesquisas <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhe, é que o <strong>de</strong>talhe somado ao <strong>de</strong>talhe resultará num conjunto, esse conjunto<br />

se somará a outros conjuntos, e que no quadro total que resultará <strong>de</strong> todas essas sucessivas<br />

somas, nada está subordinado a nada, qualquer fato é tão interessante quanto o outro, e<br />

merece ser enfatizado e transcrito na mesma medida” 30 . Nesse sentido, Halbwachs afirma que<br />

a maior diferença entre esses dois elementos está no fato da história ser entendida como o<br />

28 BOSI, op. cit., p. 21.<br />

29 I<strong>de</strong>m, loc. cit. (Grifo original).<br />

30 HALBWACHS, op. cit., p. 85.<br />

28


esumo dos eventos mais relevantes a um conjunto <strong>de</strong> cidadãos, mas se encontra muito<br />

afastada das percepções do sujeito, ou melhor, “[...] a história começa somente no ponto on<strong>de</strong><br />

acaba a tradição, momento em que se apaga ou se <strong>de</strong>compõe a memória social. Enquanto uma<br />

lembrança subsiste, é inútil fixá-la por escrito, nem mesmo fixá-la, pura e simplesmente” 31 .<br />

Portanto história lida arbitrariamente com o passado, pois os fatos que trabalha muitas vezes<br />

estão distantes dos indivíduos, ou seja, da memória coletiva. Então, não po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar a<br />

existência <strong>de</strong> uma “memória histórica”, uma vez que a história é algo distinto do que<br />

chamamos <strong>de</strong> memória coletiva.<br />

De tal modo, Michael Pollak em “Memória, Esquecimento, Silêncio” vê a história e a<br />

memória – ou memória oficial e “memórias subterrâneas” – <strong>de</strong> forma distinta, numa relação<br />

<strong>de</strong> complemento. Para o autor, as memórias possibilitam novos caminhos no campo da<br />

história, principalmente para a história oral. Acredita num enfrentamento entre memórias ou,<br />

por assim dizer, uma disputa entre a memória oficial e as memórias subterrâneas <strong>de</strong>vido à<br />

incorporação <strong>de</strong>stas memórias silenciadas, <strong>de</strong>ixadas à margem. É um trabalho <strong>de</strong> trazer à tona<br />

memórias e não analisar historicamente aquelas que não existem mais. É um embate pela<br />

afirmação e, acima <strong>de</strong> tudo, pela aquisição <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que, por dizer respeito a uma<br />

minoria, encontra-se marginalizada. Assim, a memória se enquadra <strong>de</strong> acordo com o<br />

momento que vivenciamos, as “[...] memórias subterrâneas que prosseguem seu trabalho <strong>de</strong><br />

subversão no silêncio e <strong>de</strong> maneira quase imperceptível afloram em momentos <strong>de</strong> crise em<br />

sobressaltos bruscos e exacerbados” 32 .<br />

A memória entra em disputa, segundo Pollak, porque os historiadores possuem uma<br />

predileção pela análise <strong>de</strong> conflitos, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> lado a estabilida<strong>de</strong> e a continuida<strong>de</strong>. “Uma<br />

vez rompido o tabu, uma vez que as memórias subterrâneas conseguem invadir o espaço<br />

público, reivindicações múltiplas e dificilmente previsíveis se acoplam a essa disputa da<br />

memória [...]” 33 . A memória coletiva se torna, portanto, um elemento essencial da vida social,<br />

possibilitando ações coletivas e, até mesmo, sendo um meio com po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> transmitir e<br />

perpetuar uma memória à coletivida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> refazer e <strong>de</strong>struir antigas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s sociais.<br />

No entanto, no trabalho com a memória, <strong>de</strong>vemos estar sempre preparados para<br />

encontramos “silêncios” por parte dos narradores. Isso po<strong>de</strong> ocorrer por vários motivos:<br />

lembrança traumatizante, evitar culpar as vítimas, falta <strong>de</strong> escuta, poupar a geração posterior<br />

dos sofrimentos ocorridos, situações ambíguas que geram mal entendidos (como por exemplo<br />

31 HALBWACHS, op. cit., p. 80.<br />

32 POLLAK, op. cit., p. 3.<br />

33 I<strong>de</strong>m, p. 5.<br />

29


assumir a história oficial, ao invés <strong>de</strong> fazer a sua própria). Essas memórias, apesar <strong>de</strong> não-<br />

ditas, po<strong>de</strong>m sobreviver também durante muitos anos reclusas, segundo Pollak, “opondo-se à<br />

mais legítima das memórias coletivas, a memória nacional, essas lembranças são transmitidas<br />

no quadro familiar, em associações, em re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> afetiva e/ou política. Essas<br />

lembranças [...] são zelosamente guardadas em estruturas <strong>de</strong> comunicação informais e passam<br />

<strong>de</strong>spercebidas pela socieda<strong>de</strong> englobante” 34 . Porém <strong>de</strong>ve-se tomar cuidado com esse tipo <strong>de</strong><br />

lembrança, necessitando saber a influência do presente sobre ela: “Distinguir entre<br />

conjunturas favoráveis ou <strong>de</strong>sfavoráveis às memórias marginalizadas é <strong>de</strong> saída reconhecer a<br />

que ponto o presente colore o passado. Conforme as circunstâncias, ocorre a emergência <strong>de</strong><br />

certas lembranças, a ênfase é dada a um ou outro aspecto” 35 . Dessa forma, po<strong>de</strong>mos analisá-la<br />

<strong>de</strong> forma mais precisa em sua transmissão, o que permite sua maior organização.<br />

A memória <strong>de</strong>ve ser observada sob vários ângulos, pois é um espaço <strong>de</strong> conflitos <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>res em que a seletivida<strong>de</strong> e a construção atuam constantemente. Enten<strong>de</strong>mos o caráter<br />

seletivo e construtivo da memória como natural na vida dos sujeitos, pois não há quem possa<br />

guardar todos os acontecimentos que lhe passaram durante a vida, sendo o esquecimento parte<br />

integrante do processo <strong>de</strong> memorização. Em conseqüência da seletivida<strong>de</strong>, alguns eventos são<br />

armazenados e outros são esquecidos. É o “enquadramento da memória” 36 . Po<strong>de</strong>mos<br />

consi<strong>de</strong>rar que, <strong>de</strong> acordo com inquietações pessoais ou políticas pertencentes ao presente do<br />

sujeito, é selecionado o que será preservado na memória, o que permite, <strong>de</strong>ssa forma, afirmar<br />

que a memória, assim como o esquecimento, po<strong>de</strong> se tornar um instrumento <strong>de</strong> dominação,<br />

como afirma Le Goff:<br />

“A memória coletiva foi um importante elemento da luta das forças sociais pelo po<strong>de</strong>r. Tornar-se senhor<br />

da memória e do esquecimento é uma das gran<strong>de</strong>s preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos<br />

que dominaram e dominam as socieda<strong>de</strong>s históricas. Os esquecimentos e os silêncios da história são<br />

reveladores <strong>de</strong>sses mecanismos <strong>de</strong> manipulação da memória coletiva” 37 .<br />

34 POLLAK, op. cit., p. 8.<br />

35 I<strong>de</strong>m, loc. cit.<br />

36 Segundo Pollak, com base em Henry Rousso, “todo trabalho <strong>de</strong> enquadramento <strong>de</strong> uma memória <strong>de</strong> grupo tem<br />

limites, pois ela não po<strong>de</strong> ser construída arbitrariamente. Esse trabalho <strong>de</strong>ve satisfazer a certas exigências <strong>de</strong><br />

justificação [...]. O trabalho <strong>de</strong> enquadramento da memória se alimenta do material fornecido pela história. Esse<br />

material po<strong>de</strong> sem dúvida ser interpretado e combinado a um sem-número <strong>de</strong> referências associadas; guiado pela<br />

preocupação não apenas <strong>de</strong> manter as fronteiras sociais, mas também <strong>de</strong> modificá-las, esse trabalho reinterpreta<br />

incessantemente o passado em função dos combates do presente e do futuro. Mas, assim como a exigência <strong>de</strong><br />

justificação [...] limita a falsificação pura e simples do passado na sua reconstrução política, o trabalho<br />

permanente <strong>de</strong> reinterpretação do passado é contido por uma exigência <strong>de</strong> credibilida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da<br />

coerência dos discursos sucessivos” (pp. 9-10. Grifo nosso).<br />

37 LE GOFF, op. cit., p. 442.<br />

30


Ainda nesse processo <strong>de</strong> “enquadramento da memória”, observamos que é através <strong>de</strong><br />

sua análise que conseguimos estudar como as memórias coletivas são construídas,<br />

<strong>de</strong>sconstruídas e reconstruídas, num trabalho <strong>de</strong> cima para baixo. Ao realizamos um trabalho<br />

<strong>de</strong> história oral, ou seja, procedimento <strong>de</strong> baixo para cima, analisando as memórias<br />

individuais, encontramos os limites <strong>de</strong>sse trabalho <strong>de</strong> enquadramento, <strong>de</strong> dominação e,<br />

juntamente a isso, o trabalho psicológico do indivíduo que ten<strong>de</strong> a controlar as feridas, os<br />

traumas, as tensões e contradições entre a imagem oficial do passado e suas lembranças<br />

pessoais. “Assim como uma ‘memória enquadrada’, uma história <strong>de</strong> vida colhida por meio da<br />

entrevista oral, esse resumo con<strong>de</strong>nsado <strong>de</strong> uma história social individual, é também<br />

suscetível <strong>de</strong> ser apresentada <strong>de</strong> inúmeras maneiras em função do contexto no qual é<br />

relatada”, no entanto essas são restritas “tanto no nível individual como no nível do grupo,<br />

tudo se passa como se coerência e continuida<strong>de</strong> fossem comumente admitidas como os sinais<br />

distintivos <strong>de</strong> uma memória crível e <strong>de</strong> um sentido <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> assegurados” 38 .<br />

Segundo Ecléa Bosi, ao analisar o conceito <strong>de</strong> lembrança em Henri Bergson, afirma<br />

que à memória é atribuída:<br />

“[...] uma função <strong>de</strong>cisiva no processo psicológico total: a memória permite a relação do corpo presente<br />

com o passado e, ao mesmo tempo, interfere no processo “atual” das representações. Pela memória, o<br />

passado não só vê, à tona das águas presentes, misturando-se com as percepções imediatas, como<br />

também empurra, ‘<strong>de</strong>sloca’ estas últimas, ocupando o espaço todo da consciência. A memória aparece<br />

como força subjetiva ao mesmo tempo profunda e ativa, latente e penetrante, oculta e invasora” 39 .<br />

Assim, ao passo que consi<strong>de</strong>ramos a memória fruto <strong>de</strong> um processo social, um<br />

condicionamento externo <strong>de</strong> um fenômeno interno, também acreditamos que no interior da<br />

lembrança se organizam noções gerais, veiculadas pela linguagem, que <strong>de</strong>vido seu caráter<br />

objetivo e transubjetivo permite que as imagens resistam e se transformam em lembranças.<br />

“Uma lembrança é um diamante bruto que precisa ser lapidado pelo espírito. Sem o trabalho<br />

da reflexão e da localização, seria uma imagem fugidia. O sentimento também precisa<br />

acompanhá-la para que ela não seja uma repetição do estado antigo, mas uma reaparição” 40 .<br />

Portanto, vemos que na memória atuam tanto fenômenos sociais quanto sentimentos<br />

individuais, com uma forte influência do presente, que possibilitam uma visão única e<br />

verossímil do passado, sua narrativa.<br />

Enquanto narra, o indivíduo se <strong>de</strong>bruça sobre o ato <strong>de</strong> recordar. Confronta suas<br />

reminiscências aos sonhos, aos sentimentos e às dores. O compartilhamento das memórias<br />

38 POLLAK, op. cit., p. 13.<br />

39 BOSI, op. cit., p. 9.<br />

40 I<strong>de</strong>m, p. 39.<br />

31


com os outros e consigo mesmo tem duplo significado: dar um sentido à sua própria<br />

existência e a existência <strong>de</strong> seu próprio grupo. Dessa maneira, uma investigação que advenha<br />

da memória possibilita, sobretudo, registrar a voz e, por seu intermédio, a vida e o<br />

pensamento <strong>de</strong> pessoas, o que resulta no alcance da memória pessoal, social, familiar e<br />

grupal; ou seja, possibilita analisar grupos e experiências coletivas e/ou acontecimentos<br />

sociais através das singularida<strong>de</strong>s e das subjetivida<strong>de</strong>s.<br />

32


CAPÍTULO DOIS – A HISTÓRIA DA MATERNIDADE<br />

Neste capítulo abordamos a problematização histórica da maternida<strong>de</strong> mais<br />

especificamente. Começando com uma breve discussão sobre os estudos <strong>de</strong> gênero na<br />

história, partimos para a análise <strong>de</strong> alguns trabalhos sobre as mulheres e a maternida<strong>de</strong>, tendo<br />

<strong>de</strong>staque Simone <strong>de</strong> Beauvoir e Betty Friedan. Em seguida passamos à instituição da<br />

maternida<strong>de</strong> procurando enten<strong>de</strong>r como o “mito da maternida<strong>de</strong>” se constituiu, a importância<br />

no século XX das políticas públicas maternalistas e como isto se insere em um contexto<br />

específico <strong>de</strong> transformações sócio-culturais que ocorreram nas décadas <strong>de</strong> 1960 e 1970 e que<br />

afetaram particularmente a vida das mulheres.<br />

2.1. O estudo do gênero<br />

Ao nos propormos trabalhar com as experiências e memórias <strong>de</strong> mulheres que foram<br />

<strong>mães</strong> nas décadas <strong>de</strong> 1960 e 1970, nos inserimos no campo <strong>de</strong> estudos <strong>de</strong> gênero, mais<br />

precisamente <strong>de</strong>ntro dos trabalhos histórico-feministas sobre a maternida<strong>de</strong>. Para tanto, antes<br />

<strong>de</strong> iniciarmos uma discussão sobre a maternida<strong>de</strong> em si, iremos explanar mais<br />

especificamente sobre a área que nosso trabalho se encontra. Observamos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos <strong>de</strong><br />

1980, uma ampliação na produção historiográfica <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> estudos <strong>de</strong> gênero. Seu<br />

surgimento po<strong>de</strong> ser observado como um dos <strong>de</strong>sdobramentos do movimento feminista, mais<br />

especificamente das feministas norte-americanas. De início “a palavra indicava uma rejeição<br />

ao <strong>de</strong>terminismo biológico implícito no uso <strong>de</strong> termos como ‘sexo’ ou ‘diferença sexual’. O<br />

‘gênero’ sublinhava também o aspecto relacional das <strong>de</strong>finições normativas <strong>de</strong><br />

feminilida<strong>de</strong>” 41 .<br />

Neste período o trabalho com gênero era proposto por aquelas que acreditam que seu<br />

uso transformaria os paradigmas <strong>de</strong> cada disciplina. No entanto, inicialmente este trabalho era<br />

realizado somente nas áreas das ciências sociais e da psicologia, havendo uma certa <strong>de</strong>mora<br />

do surgimento <strong>de</strong> pesquisas que envolvessem essa categoria na história. Isto se <strong>de</strong>veu ao fato<br />

da relação das pesquisas com o movimento feminista e o envolvimento político que resultava:<br />

41 SCOTT, op. cit.<br />

33


“as questões, formuladas a partir <strong>de</strong> um novo lugar e por um sujeito que, até então, ficara<br />

afastado da construção da teoria e do conhecimento, não se pretendiam distante das lutas e<br />

dos movimentos sociais, ao contrário, nutriam-se <strong>de</strong>les” 42 . Portanto, segundo Guacira Louro,<br />

havia um questionamento da objetivida<strong>de</strong> e da neutralida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta categoria por parte da<br />

historiografia.<br />

Ao utilizar a categoria gênero, as pesquisadoras estariam realizando um estudo da<br />

diferenciação entre os sexos, assim, os primeiros historiadores, nos anos 1970, acreditavam<br />

estar produzindo uma nova história. Entretanto, “a maneira como esta nova história iria<br />

simultaneamente incluir e apresentar a experiência das mulheres <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ria da maneira como<br />

o gênero po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong>senvolvido enquanto categoria <strong>de</strong> análise” 43 . Dessa forma, estes<br />

pesquisadores recorreram a analogias com a categoria classe e a categoria raça para escrever a<br />

nova história. Durante este período, eram polêmicos os <strong>de</strong>bates sobre epistemologia inseridos<br />

nos estudos feministas, pois os pressupostos metodológicos e conceituais utilizados pelos<br />

pesquisadores eram diferentes, gerando muitas discussões e questionamentos.<br />

Segundo Louro, com a entrada dos estudos <strong>de</strong> gênero na aca<strong>de</strong>mia, uma das principais<br />

mudanças epistemológicas que as pesquisadoras enfrentaram foi a renúncia da elaboração <strong>de</strong><br />

uma história das mulheres e sobre elas, propondo trabalhos voltados para a construção social e<br />

cultural do feminino e do masculino. A ênfase, portanto, passou para a constituição dos<br />

sujeitos nas relações sociais <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, ou seja, as relações <strong>de</strong> gênero seriam constituídas por<br />

re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e assim articuladas com outras divisões sociais como, por exemplo, etnia,<br />

classe, raça e sexualida<strong>de</strong>. Além disso, para garantir uma legitimida<strong>de</strong> acadêmica, o gênero<br />

foi muito associado, e ainda é, à categoria “mulheres”.<br />

O estudo <strong>de</strong> gênero, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que passou a ser utilizado, já sofreu inúmeras mudanças.<br />

Primeiramente era <strong>de</strong>finido como percepção <strong>de</strong> feminino e masculino a partir da cultura,<br />

enquanto a natureza <strong>de</strong>finiria o sexo biológico. Atualmente as pesquisas colocam essa<br />

percepção em mútua influência do natural e do cultural. Junto a isso, as relações <strong>de</strong> gênero<br />

passam a ser trabalhadas <strong>de</strong> várias formas e sob outras vertentes nos anos <strong>de</strong> 1980 e 1990,<br />

como por exemplo, marxistas, psicanalíticas, foucaultianas e pós-estruturalistas: “as pós-<br />

estruturalistas, com Derrida e Foucault à frente, dissolvendo os sujeitos e apontando para a<br />

dimensão relacional da nova categoria” e rompendo com o antigo estigma feminista que<br />

afirmava as mulheres como submetidas aos homens, dando espaço a novas formas <strong>de</strong><br />

interpretação e consi<strong>de</strong>rando as múltiplas formas <strong>de</strong> feminilida<strong>de</strong> e masculinida<strong>de</strong>; “as<br />

42 LOURO, op. cit., p.13.<br />

43 SCOTT, op. cit.<br />

34


marxistas, procurando integrar rapidamente a nova categoria em seu sistema <strong>de</strong> pensamento,<br />

sempre muito preocupadas em garantir o lugar outrora hegemônico e agora compartilhado do<br />

conceito <strong>de</strong> classe”, juntamente a estas encontramos a vertente ligada à psicologia “com suas<br />

propostas e interpretações, mais ligadas às questões da maternida<strong>de</strong> e da crítica ao<br />

patriarcado” 44 .<br />

Para Scott, gênero é uma categoria analítica que permite problematizar <strong>de</strong>terminadas<br />

representações na cultura, como por exemplo nosso objeto, a maternida<strong>de</strong>. Seu uso “coloca a<br />

ênfase sobre todo o sistema <strong>de</strong> relações que po<strong>de</strong> incluir o sexo, mas que não é diretamente<br />

<strong>de</strong>terminado pelo sexo nem <strong>de</strong>termina a sexualida<strong>de</strong>” 45 . Portanto, o gênero não possui<br />

posições fixas como está implícito no <strong>de</strong>terminismo biológico presente em termos como<br />

“sexo” ou “diferença sexual”, mas sim diz respeito à produção sócio-histórica das diferenças<br />

entre homens e mulheres articulado a outros marcadores igualmente relevantes como raça,<br />

classe social, religião, entre outros. Dessa maneira, para a elaboração <strong>de</strong> uma análise <strong>de</strong><br />

gênero <strong>de</strong>ntro da disciplina histórica é necessária a i<strong>de</strong>ntificação da metodologia <strong>de</strong> pesquisa,<br />

e a partir <strong>de</strong>la e da i<strong>de</strong>ntificação do objeto, compreen<strong>de</strong>r os eventos <strong>de</strong> gênero associados ao<br />

seu contexto e, especialmente, as diversas relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>scentralizadas. Segundo<br />

Michelle Perrot, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir gênero, ou Gen<strong>de</strong>r, nos termos I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, Igualda<strong>de</strong> e<br />

Diferença, como uma “construção social e cultural da diferença entre os sexos” 46 . Além disso,<br />

po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar o gênero como uma forma <strong>de</strong> se trabalhar com as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s sexuais,<br />

com a premissa <strong>de</strong> que as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s são frutos da influência sócio-cultural, e não marcadas<br />

pelo <strong>de</strong>terminismo biológico, ou seja, excluindo dicotomia masculino/feminino. Em suma:<br />

“A categoria do gênero permitiu, portanto, sexualizar as experiências humanas, fazendo com que nos<br />

déssemos conta <strong>de</strong> que trabalhávamos com uma narrativa extremamente <strong>de</strong>ssexualizadora, pois embora<br />

reconheçamos que o sexo faz parte constitutiva <strong>de</strong> nossas experiências, raramente este é incorporado<br />

enquanto dimensão analítica [...]; permitiu nomear campos das práticas sociais e individuais que<br />

conhecemos mal, mas que intuímos <strong>de</strong> algum modo [...]. Fundamentalmente, passamos a perceber que o<br />

universo feminino é muito diferente do masculino, não simplesmente por <strong>de</strong>terminações biológicas,<br />

como propôs o século 19, mas sobretudo por experiências históricas marcadas por valores, sistemas <strong>de</strong><br />

pensamento, crenças e simbolizações diferenciadas também sexualmente. O gênero tornou-se um<br />

instrumento valioso <strong>de</strong> análise que permite nomear e esclarecer aspectos da vida humana com que<br />

vínhamos trabalhando, impulsionados pela pressão dos próprios documentos históricos [...]. A<br />

superação da lógica binária contida na proposta da análise relacional do gênero [...] é fundamental para<br />

que se construa um novo olhar aberto às diferenças. Entendo também que a categoria do gênero não<br />

vem substituir nenhuma outra, mas aten<strong>de</strong> à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ampliação <strong>de</strong> nosso vocabulário para<br />

darmos conta da multiplicida<strong>de</strong> das dimensões constitutivas das práticas sociais e individuais” 47 .<br />

44<br />

RAGO, “Descobrindo historicamente o gênero”, p. 90.<br />

45<br />

SCOTT, op. cit..<br />

46<br />

PERROT, op. cit. p. 467.<br />

47<br />

RAGO, op. cit., pp. 92-93.<br />

35


Partindo dos estudos feministas, e das inúmeras polêmicas e discussões<br />

epistemológicas, observamos que a categoria gênero possibilita também um trabalho <strong>de</strong><br />

construção <strong>de</strong> estudos sobre os homens, num campo teórico e temático distinto do que é<br />

tradicionalmente feito. “Após a ‘revolução feminista’ e a conquista da visibilida<strong>de</strong> feminina,<br />

após a constituição da área <strong>de</strong> pesquisa e estudos feministas, consagrada aca<strong>de</strong>micamente em<br />

todo o mundo, os homens são chamados a entrar, <strong>de</strong>sta vez, em um novo solo epistêmico” 48 .<br />

Dessa forma, surgem estudos não somente na história, como na antropologia, sociologia, ou<br />

na associação <strong>de</strong>ssas áreas, sobre a masculinida<strong>de</strong>. “Cada vez mais, portanto, crescem os<br />

estudos sobre as relações <strong>de</strong> gênero, sobre as mulheres, em particular, ao mesmo tempo em<br />

que se constitui uma nova área <strong>de</strong> estudos sobre os homens, não mais percebidos enquanto<br />

sujeitos universais” 49 .<br />

Ainda que algumas teóricas afirmem que o gênero é um princípio fundamental da<br />

organização social e que todos os fenômenos sociais possuem uma influência <strong>de</strong> gênero que<br />

emana indagação, como nos é apontado por Scott 50 , a associação entre o estudo da história das<br />

mulheres e os estudos <strong>de</strong> gênero é muito comum. Dessa forma, muitos historiadores relegam<br />

os estudos <strong>de</strong> gênero às relações entre homens e mulheres, não havendo, por exemplo,<br />

pesquisas relacionadas ao campo da política. Contudo, não po<strong>de</strong>mos afirmar que a associação<br />

entre gênero e a história das mulheres seja incorreta, pois permitiu, além <strong>de</strong> benefícios aos que<br />

trabalham com mulheres no passado como objeto <strong>de</strong> pesquisa, uma flexibilida<strong>de</strong><br />

metodológica e a promoção <strong>de</strong> temas distintos. Assim, o gênero é utilizado para o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong> cunho histórico, como a que aqui realizamos sobre a<br />

maternida<strong>de</strong>.<br />

2.2. As mulheres e a maternida<strong>de</strong> na história<br />

Quando analisarmos brevemente a categoria gênero percebemos a influência do<br />

movimento feminista na sua formação. Entretanto, <strong>de</strong>vemos também observar como os<br />

<strong>de</strong>sdobramentos teóricos produzidos pelo feminismo repercutiram na produção historiográfica<br />

ao longo do tempo. Dessa forma, buscaremos enten<strong>de</strong>r a trajetória da história das mulheres,<br />

48 RAGO, “Epistemologia feminina, gênero e história”, p. 16.<br />

49 I<strong>de</strong>m, loc. cit..<br />

50 SCOTT, op. cit.<br />

36


como e quando o feminino passou a ser abordado historicamente, e como a maternida<strong>de</strong> está<br />

inserida no interior <strong>de</strong>ste campo.<br />

Apesar do gênero ser uma categoria analítica relativamente recente po<strong>de</strong>mos<br />

consi<strong>de</strong>rar, segundo Soihet 51 , a existência <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XIX <strong>de</strong> trabalhos envolvendo a<br />

história das mulheres, como por exemplo os estudos <strong>de</strong> Michelet. Ao ver a relação entre o<br />

sexo masculino e o feminino como um dos motores da história, Michelet analisa a<br />

representação da mulher associada à natureza e do homem à cultura e afirma como sendo a<br />

esfera privada o lugar <strong>de</strong>sta por excelência. No entanto, essa escrita referenciando as mulheres<br />

acaba sendo <strong>de</strong>ixada <strong>de</strong> lado. “A história positivista, a partir <strong>de</strong> fins do século XIX, provoca<br />

um recuo nessa temática, em função <strong>de</strong> seu exclusivo interesse pela história política e pelo<br />

domínio público. Privilegiam-se as fontes administrativas, diplomáticas e militares, nas quais<br />

as mulheres pouco aparecem” 52 . Dessa forma, com a predominância da perspectiva masculina<br />

na produção <strong>de</strong> documentos e fontes históricas, a verda<strong>de</strong> história ficou pautada por uma<br />

visão parcial e mesmo misógina, excluindo a mulher <strong>de</strong> relatos históricos, ou seja,<br />

<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rando sua efetiva participação na história – com exceção daquelas personagens<br />

merecedoras <strong>de</strong> biografia, <strong>de</strong>vido à sua beleza ou virtu<strong>de</strong>, mas sempre tendo como referência<br />

os gran<strong>de</strong>s homens.<br />

Observamos, então, a “ressurreição” das mulheres na história com a “Escola dos<br />

Annales” e sua busca por uma história do cotidiano, dos “seres vivos”, e não <strong>de</strong> personagens<br />

espetaculares, dando abertura a novos tipos <strong>de</strong> fontes e objetos. Apesar <strong>de</strong> não ter sido a<br />

inclusão da mulher a intenção <strong>de</strong>sses historiadores preliminarmente, vemos um<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da história das mulheres com o surgimento da história das mentalida<strong>de</strong>s e a<br />

história cultural, ao ressaltar a importância da linguagem e das representações sociais<br />

culturalmente constituídas. Assim, o discurso é analisado como uma prática e passa a ser a<br />

principal matéria-prima do historiador, visto que este não “cria” o mundo, mas sim se<br />

apropria <strong>de</strong>le e lhe confere múltiplos significados. Com o apoio <strong>de</strong> outras disciplinas, como<br />

antropologia, psicologia e literatura, o feminino enquanto objeto passa a ser cada vez mais<br />

freqüente.<br />

“A emergência <strong>de</strong> novos temas, <strong>de</strong> novos objetos e questões, especialmente ao longo da década <strong>de</strong><br />

setenta <strong>de</strong>u maior visibilida<strong>de</strong> às mulheres enquanto agentes históricos, inicialmente a partir do padrão<br />

masculino da <strong>História</strong> Social, extremamente preocupada com as questões da resistência social e das<br />

51 SOIHET, Rachel. “<strong>História</strong> das Mulheres”. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. Domínios<br />

da <strong>História</strong>. Ensaios <strong>de</strong> teoria e metodologia. 1.ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Campus, 1997.<br />

52 I<strong>de</strong>m, p. 400.<br />

37


formas <strong>de</strong> dominação política. Este quadro ampliou-se, posteriormente, com a explosão dos temas<br />

femininos da Nouvelle Histoire, como bruxaria, prostituição, loucura, aborto, parto, maternida<strong>de</strong>, saú<strong>de</strong>,<br />

sexualida<strong>de</strong>, a história das emoções e dos sentimentos, entre outros” 53 .<br />

Para o marxismo “a problemática que divi<strong>de</strong> homens e mulheres [é] uma contradição<br />

secundária, que encontrará resolução com o fim da contradição principal: a instauração da<br />

socieda<strong>de</strong> sem classes com a mudança do modo <strong>de</strong> produção. Não se justifica, portanto, uma<br />

atenção especial do historiador para a questão feminina” 54 . Somente a partir dos anos 1960,<br />

<strong>de</strong>vido as correntes revisionistas do marxismo e seu envolvimento com a história social, que a<br />

preocupação com grupos esquecidos historicamente, incluindo as mulheres, entra em voga.<br />

A influência do movimento feminista durante a década <strong>de</strong> 1960 e 70 contribuiu ainda<br />

mais para o <strong>de</strong>senvolvimento da história das mulheres. “Nos Estados Unidos, on<strong>de</strong> se<br />

<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou o referido movimento, bem como em outras partes do mundo nas quais este se<br />

apresentou, as reivindicações das mulheres provocaram uma forte <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> informações,<br />

pelos estudantes, sobre as questões que estavam sendo discutidas” 55 . As feministas passam a<br />

criticar o caráter particularista, i<strong>de</strong>ológico, racista e sexista das ciências, atacando a lógica<br />

operante da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, pois afirmavam que esta não é capaz <strong>de</strong> refletir sobre a diferença,<br />

sendo esta lógica i<strong>de</strong>ntitária e exclu<strong>de</strong>nte. Ou seja, po<strong>de</strong>mos exemplificar esta crítica com o<br />

conceito universal <strong>de</strong> homem que remete ao mo<strong>de</strong>lo oci<strong>de</strong>ntal <strong>de</strong> homem branco,<br />

heterossexual e civilizado, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> lado todos aqueles que não fazem parte <strong>de</strong>ste mo<strong>de</strong>lo<br />

<strong>de</strong> referência. A partir disso propõe-se a abertura, nas universida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> cursos em que o<br />

estudo da história das mulheres é o principal tema.<br />

“[...] poucos po<strong>de</strong>rão negar que a entrada <strong>de</strong>sses novos temas se fez em gran<strong>de</strong> parte pela pressão<br />

crescente das mulheres, que invadiram as universida<strong>de</strong>s e criaram seus próprios núcleos <strong>de</strong> estudo e<br />

pesquisa, a partir dos anos setenta. Feministas assumidas ou não, as mulheres forçam a inclusão dos<br />

temas que falam <strong>de</strong> si, que contam sua própria história e <strong>de</strong> suas antepassadas e que permitem enten<strong>de</strong>r<br />

as origens <strong>de</strong> muitas crenças e valores, <strong>de</strong> muitas práticas sociais freqüentemente opressivas e <strong>de</strong><br />

inúmeras formas <strong>de</strong> <strong>de</strong>sclassificação e estigmatização. De certo modo, o passado já não nos dizia e<br />

precisava ser re-interrogado a partir <strong>de</strong> novos olhares e problematizações, através <strong>de</strong> outras categorias<br />

interpretativas, criadas fora da estrutura falocêntrica especular” 56 .<br />

Surgindo então grupos como History Workshop, na Inglaterra, Women’s Studies, nos<br />

Estados Unidos e Cahiers pour l’histoire <strong>de</strong>s femmes, na França, as pesquisas se multiplicam<br />

e a história das mulheres torna-se reconhecida a nível acadêmico. A partir da década <strong>de</strong> 1970,<br />

53 RAGO, op. cit., pp. 12-13.<br />

54 SOIHET, op. cit., p. 400.<br />

55 I<strong>de</strong>m, p. 401.<br />

56 RAGO, op. cit., p. 13.<br />

38


estes estudos se expandiram para outras partes do mundo, incluindo o Brasil. Devemos<br />

<strong>de</strong>stacar também os trabalhos realizados no campo da sociologia e da antropologia para a<br />

inclusão do feminino na aca<strong>de</strong>mia, principalmente <strong>de</strong>senvolvidos por Clau<strong>de</strong> Lèvi-Strauss,<br />

com o estudo da família e o relacionamento entre o casal e entre pais e filhos.<br />

“A emergência da história das mulheres como um campo <strong>de</strong> estudo não só<br />

acompanhou as campanhas feministas para a melhoria das condições profissionais, como<br />

envolveu a expansão dos limites da história” 57 . Assim, inicialmente, notamos que a questão<br />

das relações entre sexos não era fundamental no estudo da história das mulheres. Os<br />

historiadores sociais, nos anos 1970, enfatizavam as mulheres enquanto uma categoria<br />

homogênea, essencialmente igual, o que favoreceu a construção <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> coletiva, o<br />

antagonismo homem versus mulher e, <strong>de</strong>ssa forma, a mobilização política do movimento<br />

feminista.<br />

Com relação à história dos estudos sobre a maternida<strong>de</strong>, também precisamos recorrer a<br />

uma análise do movimento feminista. Segundo Martins 58 , a relação entre feminismo e<br />

maternida<strong>de</strong> vem sendo construída <strong>de</strong> forma problemática <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo do século XX. O<br />

feminismo dos finais do século XIX e início do XX, ou seja, da primeira onda, era<br />

fundamentalmente maternalista, o que significava uma valorização da mulher enquanto mãe.<br />

Já nas décadas <strong>de</strong> 1960 e 1970, este movimento se dividiu em relação à maternida<strong>de</strong>,<br />

representando a segunda onda. Desta vez, a maternida<strong>de</strong> passou a ser problematizada como<br />

objeto da opressão feminina, havendo correntes feministas européias e estaduni<strong>de</strong>nses<br />

tratando <strong>de</strong> questões principalmente ligadas à igualda<strong>de</strong> e ao fim da discriminação sexual,<br />

adotando um caráter mais radical nas suas <strong>de</strong>núncias – tanto que algumas feministas mais<br />

radicais sugeriam a renúncia à maternida<strong>de</strong>.<br />

É nesse período que observamos influência <strong>de</strong> autoras como Simone <strong>de</strong> Beauvoir e<br />

Betty Friedan. Em 1949 Simone <strong>de</strong> Beauvoir tratou da alienação e da subalternida<strong>de</strong> das<br />

mulheres em seu famoso livro O segundo sexo 59 . Nele mostra como a maternida<strong>de</strong>, tão<br />

exaltada pelas políticas públicas do maternalismo e pela i<strong>de</strong>ologia da domesticida<strong>de</strong>, não<br />

condizia com a realida<strong>de</strong> vivida pelas mulheres. Além disso, questiona a responsabilida<strong>de</strong><br />

exclusiva das mulheres <strong>mães</strong> pela criação dos filhos e também o mito do amor instintivo e<br />

57<br />

SOIHET, op. cit., p. 402.<br />

58<br />

MARTINS, Ana Paula Vosne. “Apresentação”. In. HISTÓRIA: questões & <strong>de</strong>bates – Parto e Maternida<strong>de</strong>.<br />

Curitiba, PR : Editora UFPR, ano 24, n. 47, jul/<strong>de</strong>z. 2007.<br />

59<br />

Destacamos também outras obras, como seus romances – A convidada, <strong>de</strong> 1943 – e sua autobiografia –<br />

Memórias <strong>de</strong> uma moça bem comportada, <strong>de</strong> 1958 – em que o feminino, juntamente com seus dilemas e suas<br />

restrições, tem uma presença muito forte.<br />

39


natural, uma vez que mulher é um ser humano dotado <strong>de</strong> diversos sentimentos, como a<br />

frustração e indignação, que não estão ligados à sua chamada “função específica e natural”.<br />

No capítulo que trata sobre a maternida<strong>de</strong>, do livro já citado, Beauvoir afirma:<br />

“Gravi<strong>de</strong>z e maternida<strong>de</strong> são vividas <strong>de</strong> maneira muito diferente, segundo se <strong>de</strong>senvolvam na revolta,<br />

na resignação, na satisfação, no entusiasmo. É preciso consi<strong>de</strong>rar que as <strong>de</strong>cisões e os sentimentos<br />

confessados da jovem mãe nem sempre correspon<strong>de</strong>m a seus <strong>de</strong>sejos profundos. [...] vêem-se<br />

igualmente <strong>de</strong>snorteadas pelas contradições e os conflitos que nelas ocorrem” 60 .<br />

Na mesma linha temos o livro Mística Feminina <strong>de</strong> Betty Friedan, publicado em<br />

1963. Ao entrevistar mulheres que ficavam restritas à atuação no âmbito doméstico,<br />

empresários da época, médicos e publicitários, <strong>de</strong>nuncia e argumenta sobre o papel da mulher<br />

como um ser que pertence somente ao lar e a situação <strong>de</strong> frustração vivenciada pelas norte-<br />

americanas, o que ia contra o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrado nas propagandas da época: da<br />

imagem da mulher mistificada, mãe que vive para os filhos, não tendo interesses fora do<br />

quadrante do lar, das crianças, da família ou da própria beleza. “[...] A mulher americana fez<br />

uma escolha errônea. Correu para casa, a fim <strong>de</strong> viver somente seu papel sexual, trocando a<br />

individualida<strong>de</strong> pela segurança. O marido seguiu-a e a porta fechou-se ao mundo exterior” 61 .<br />

De gran<strong>de</strong> inspiração para as feministas do período, é consi<strong>de</strong>rada a precursora da segunda<br />

onda feminista, já que sua obra, apesar <strong>de</strong> tratar da situação dos Estados Unidos, pô<strong>de</strong> ser lida<br />

e interpretada nas diferentes conjunturas vivenciadas por mulheres em todo o mundo.<br />

No entanto, no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>ssa década <strong>de</strong> 70, pesquisadores passam a questionar as<br />

possibilida<strong>de</strong>s da categoria “mulheres”, ditas como grupo homogêneo, e transferem o foco<br />

para a utilização da “diferença”, acreditando na <strong>de</strong>sconstrução <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s consi<strong>de</strong>radas<br />

naturais e na existência <strong>de</strong> múltiplas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s. Nesse sentido, “as teóricas feministas<br />

propuseram não apenas que o sujeito <strong>de</strong>ixasse <strong>de</strong> ser tomado como ponto <strong>de</strong> partida, mas que<br />

fosse consi<strong>de</strong>rado dinamicamente como efeito das <strong>de</strong>terminações culturais, inserido em um<br />

campo <strong>de</strong> complexas relações sociais, sexuais e étnicas” 62 , ou seja, a mulher agora não é mais<br />

vista como biologicamente pré-<strong>de</strong>terminada, e sim possuindo uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> constituída<br />

tanto cultural quanto socialmente nas relações sociais e sexuais, não sendo mais um sujeito<br />

universal, como antes visto pela historiografia.<br />

Essa mudança também é percebida na forma <strong>de</strong> se trabalhar com a maternida<strong>de</strong>. Com<br />

o feminismo da diferença, 1970-1980, o enfoque das autoras recaiu sobre a alterida<strong>de</strong><br />

60 BEAUVOIR, op. cit., p. 258.<br />

61 FRIEDAN, op. cit., p. 178.<br />

62 RAGO, op. cit., p. 6.<br />

40


feminina, valorizando a maternida<strong>de</strong> por ser uma experiência vivida somente pelas mulheres e<br />

também pela sua positivida<strong>de</strong> em oposição ao po<strong>de</strong>r.<br />

Nos anos oitenta, <strong>de</strong>stacamos autoras como Michelle Perrot e Elisabeth Badinter. A<br />

primeira 63 , ao se perguntar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se escrever uma história das mulheres, expõe<br />

inúmeros problemas <strong>de</strong>correntes da mulher enquanto sujeito universal, dando atenção ao<br />

dinamismo das relações sexuais e sociais, uma vez que as mulheres vivem em socieda<strong>de</strong> e não<br />

isoladas, interagindo continuamente com os homens – sejam estes maridos, pais, irmãos,<br />

filhos, ou seja, familiares, ou profissionais, como médicos, e colegas <strong>de</strong> trabalho. Trata,<br />

portanto, da valorização <strong>de</strong> produções acadêmicas que visem a problematização das relações<br />

entre os sexos e levanta questões sobre a existência ou não <strong>de</strong> um fazer histórico propriamente<br />

feminino, diferente do masculino. E ainda <strong>de</strong>staca as diferenças na forma <strong>de</strong> registro da<br />

memória feminina, sendo esta mais preocupada com os <strong>de</strong>talhes do que a masculina e voltada<br />

para as manifestações do cotidiano.<br />

Já Elisabeth Badinter, em seu Um amor conquistado - o mito do amor materno, nos<br />

apresenta a <strong>de</strong>scoberta da origem da “mãe mo<strong>de</strong>rna”, aquela influenciada pelo “mito da<br />

maternida<strong>de</strong>”, a partir do mo<strong>de</strong>lo rousseauísta, o que permitiu um reforço ao questionamento<br />

do padrão <strong>de</strong> maternida<strong>de</strong> existente e um aumento na luta feminista pela conquista <strong>de</strong> novos<br />

direitos para as mulheres. “O questionamento das mitologias científicas sobre sua suposta<br />

natureza, sobre a questão da maternida<strong>de</strong>, do corpo e da sexualida<strong>de</strong> foi fundamental em<br />

termos da legitimação das transformações libertadoras em curso” 64 .<br />

Observamos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o final do século XVIII a expressiva presença no meio público do<br />

“mito da maternida<strong>de</strong>”, tornando o “ser mãe” algo inexorável às mulheres já que possuíam um<br />

instinto natural para tanto. Além <strong>de</strong> estar marcadamente presente no discurso médico,<br />

filosófico e religioso, este mito passou a ser alvo <strong>de</strong> políticas públicas entre finais do século<br />

XIX e ao longo do século XX. Tomando como referência os Estados Unidos e a Europa, a<br />

historiografia sobre o tema <strong>de</strong>senvolveu análises no campo dos estudos <strong>de</strong> gênero <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os<br />

anos 1980. Um exemplo é a coletânea organizada pelas historiadoras Gisela Bock e Pat<br />

Thane, Maternidad y políticas <strong>de</strong> género 65 , na qual estão presentes diversos trabalhos sobre a<br />

história da maternida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a experiência materna propriamente dita até as políticas dos<br />

63<br />

Autora <strong>de</strong> títulos como “<strong>História</strong> das Mulheres no Oci<strong>de</strong>nte”, em co-autoria com George Duby; “Os excluídos<br />

da história: operários, mulheres e prisioneiros”, coletânea <strong>de</strong> seus artigos; “É possível uma história das<br />

mulheres?”, fruto <strong>de</strong> um curso ministrado na Universida<strong>de</strong> Paris VII; “As mulheres ou os silêncios da história”,<br />

tratando do lugar da mulher na história; entre outros.<br />

64<br />

RAGO, op. cit., p. 14.<br />

65<br />

BOCK, Gisela e THANE, Pat. (org). Maternidad y políticas <strong>de</strong> género. La mujer em los Estados <strong>de</strong><br />

bienestar europeos, 1880-1950. Madrid : Ediciones Cátedra, 1996.<br />

41


Estados <strong>de</strong> bem-estar europeus. No mesmo caminho temos a historiadora Marcela Nari que<br />

trata do maternalismo político na Argentina 66 , observando como esta política influenciou na<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> das mulheres como <strong>mães</strong>, papel este que foi produzido e interpretado por<br />

diferentes agentes e instituições como exclusivo e origem da felicida<strong>de</strong> e realização pessoal<br />

das mulheres. No Brasil esta é ainda uma área temática relativamente nova, envolvendo<br />

pesquisadoras não só da história, com também da área <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, da sociologia e da<br />

antropologia. Dentro dos autores que se <strong>de</strong>dicam ao tema <strong>de</strong>stacamos Maria Lúcia Mott 67 e<br />

Ana Paula Vosne Martins 68 , analisando tanto o papel das mulheres na formação das políticas<br />

públicas quanto na recepção das mesmas.<br />

O <strong>de</strong>bate sobre a maternida<strong>de</strong> na história é relativamente recente. As abordagens são<br />

diversificadas, encontrando-se no campo da história social, cultural e política. No entanto há<br />

um privilégio no enfoque das relações entre a maternida<strong>de</strong> e as políticas <strong>de</strong> proteção dos<br />

Estados <strong>de</strong> bem-estar social, como as pesquisas <strong>de</strong>stacadas acima, <strong>de</strong>ixando em segundo<br />

plano o estudo das experiências maternas, objeto que buscamos aqui trabalhar.<br />

Segundo a já citada historiadora Ana Paula Vosne Martins, a maternida<strong>de</strong> é alvo<br />

recorrente <strong>de</strong> uma diversificada produção incluindo a escrita feminista, os textos médico-<br />

científicos, religiosos, entre outros 69 . Assim, po<strong>de</strong>mos afirmar que a historiografia ampliou<br />

consi<strong>de</strong>ravelmente seu campo <strong>de</strong> atuação, emergindo novos temas e novos objetos, ou seja,<br />

novos sujeitos femininos passaram a ser incluídos nas produções historiográficas, “partindo-<br />

se inicialmente das trabalhadoras e militantes, para incluir-se, em seguida, as bruxas, as<br />

prostitutas, as freiras, as parteiras, as loucas, as domésticas, as professoras, entre outras” 70 .<br />

Dessa forma afirmamos que “a ampliação do conceito <strong>de</strong> cidadania, o direito à história e à<br />

memória não se processavam apenas no campo dos movimentos sociais, passando a ser<br />

incorporados no discurso, ou melhor, no próprio âmbito do processo da produção do<br />

conhecimento” 71 .<br />

No entanto, nossa pesquisa vai numa outra direção da maioria dos trabalhos por nós<br />

conhecidos porque se sustenta nos relatos <strong>de</strong> mulheres/<strong>mães</strong>, buscando, assim, respostas às<br />

66<br />

NARI, Marcela. Políticas <strong>de</strong> maternidad y maternalismo político. Buenos Aires, 1890-1940. Buenos Aires<br />

: Biblos, 2004.<br />

67<br />

MOTT, Maria Lúcia. Maternalismo, políticas públicas e benemerência no Brasil. 1930-1945. Ca<strong>de</strong>rnos<br />

Pagu, n o 16, 2001.<br />

68<br />

MARTINS, Ana Paula Vosne. “O Estado, as <strong>mães</strong> e os filhos: políticas <strong>de</strong> proteção à maternida<strong>de</strong> e à infância<br />

no Brasil na primeira meta<strong>de</strong> do século XX”. Humanitas. V. 21, N. 1/2, 2005.<br />

69<br />

MARTINS, “Dar a luz: experiência da maternida<strong>de</strong> na transição do parto doméstico para o parto hospitalar”.<br />

Projeto <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong> pós-doutorado apresentado ao CNPQ, Nov., 2004.<br />

70<br />

RAGO, op. cit., p. 14.<br />

71 I<strong>de</strong>m, loc. cit.<br />

42


nossas inquietações sobre as experiências da maternida<strong>de</strong>. Procuramos analisar a experiência<br />

das mulheres com o corpo, a gravi<strong>de</strong>z, o parto, os cuidados com os filhos e, também, os<br />

significados contraditórios <strong>de</strong> tudo isto, ou seja, o que, segundo nossa compreensão, ficou<br />

ausente dos estudos sobre a maternida<strong>de</strong>. Por esta razão partimos da idéia <strong>de</strong> experiência<br />

materna como “um conjunto bastante diferenciado <strong>de</strong> agentes sociais, <strong>de</strong> práticas e <strong>de</strong><br />

representações atinentes a esta palavra que <strong>de</strong>signa a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser mãe, mas que também<br />

se refere a uma instituição hospitalar e a um imaginário no qual se articulam i<strong>de</strong>ologias <strong>de</strong><br />

gênero” 72 . Dessa forma, recorremos aos trabalhos <strong>de</strong> Martins 73 para compreen<strong>de</strong>r melhor<br />

como a maternida<strong>de</strong> foi vivida pelas mulheres, tanto como experiência física e emocional,<br />

quanto como um conjunto <strong>de</strong> expectativas e valores relacionados à pedagogia materna e à<br />

i<strong>de</strong>ologia da domesticida<strong>de</strong>.<br />

2.3. O “mito da maternida<strong>de</strong>” e as políticas maternalistas<br />

Ao propormos um estudo sobre a história da maternida<strong>de</strong> faz-se necessário recuarmos<br />

ao século XVIII, mais precisamente, nas suas últimas décadas, quando o “mito da<br />

maternida<strong>de</strong>” foi constituído. Observamos nesse período um aumento das publicações que<br />

faziam referência aos cuidados que as <strong>mães</strong> <strong>de</strong>veriam ter com seus filhos. “Foi Rousseau, com<br />

a publicação <strong>de</strong> Émile, em 1762, que cristalizou as novas idéias e <strong>de</strong>u um verda<strong>de</strong>iro impulso<br />

inicial à família mo<strong>de</strong>rna, isto é, a família fundada no amor materno” 74 . Dessa forma,<br />

<strong>de</strong>fendido por médicos, filósofos e religiosos, e tendo como base, então, o pensamento<br />

rousseauniano, o mito foi construído a partir da <strong>de</strong>finição da maternida<strong>de</strong> como o mais<br />

importante papel que uma mulher po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>sempenhar, como um <strong>de</strong>stino que <strong>de</strong>veria ser<br />

cumprido. Constituía-se, então, o processo da naturalização da maternida<strong>de</strong>: a mulher era<br />

mo<strong>de</strong>lada pela natureza para ser mãe, possuía um instinto materno inerente, e esta, portanto,<br />

era sua função social e moral. Para as mulheres, a valorização da maternida<strong>de</strong> possibilitou a<br />

valorização feminina, ou seja, ao acreditar na sua importância, julgaram estar conquistando<br />

72 MARTINS, “<strong>História</strong> da maternida<strong>de</strong> no Brasil...” p. 1.<br />

73 “Memórias maternas: experiências da maternida<strong>de</strong> na transição do parto doméstico para o parto hospitalar”.<br />

<strong>História</strong> Oral. V. 8, n. 2, Julho-Dezembro <strong>de</strong> 2005; “<strong>História</strong> da maternida<strong>de</strong> e história oral: trajetórias<br />

historiográficas e <strong>de</strong>safios metodológicos”. Texto apresentado no IX Encontro Nacional <strong>de</strong> <strong>História</strong> Oral,<br />

UNISINOS, Porto Alegre, 22 a 25 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2008.<br />

74 BADINTER, op. cit., p. 54.<br />

43


um espaço novo que envolvia o respeito dos homens e o reconhecimento da sua utilida<strong>de</strong> e<br />

especialida<strong>de</strong>. No entanto, apesar <strong>de</strong> seu progressivo sucesso, o mito teve que ser reiterado<br />

constantemente pelos i<strong>de</strong>ólogos para o convencimento das <strong>mães</strong>.<br />

Segundo Elisabeth Badinter foram necessários três discursos diferentes para que as<br />

mulheres se convencessem da naturalida<strong>de</strong> do amor materno e para exaltação <strong>de</strong>ste<br />

sentimento: “um alarmante discurso econômico, dirigido apenas aos homens esclarecidos, um<br />

discurso filosófico comum aos dois sexos e, por fim, um terceiro discurso, dirigido<br />

exclusivamente às mulheres” 75 . O primeiro visava a importância da população para o país, ou<br />

seja, a <strong>de</strong>mografia. Já o segundo, proveniente das Luzes, propagou duas idéias – igualda<strong>de</strong> e<br />

felicida<strong>de</strong> individual – que favoreceram o <strong>de</strong>senvolvimento do amor e <strong>de</strong> sua expressão. O<br />

último, e o mais importante para nós nesta pesquisa, é o discurso do Estado às mulheres por<br />

meio <strong>de</strong> intermediários. “Como é das mulheres que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> todo o êxito da operação, elas se<br />

tornam, pela primeira vez, as interlocutoras privilegiadas dos homens. São, portanto, elevadas<br />

ao nível <strong>de</strong> ‘responsáveis pela nação’, porque, <strong>de</strong> um lado, a socieda<strong>de</strong> precisa <strong>de</strong>las e lhes diz<br />

isso e, <strong>de</strong> outro, quer-se reconduzi-las às suas responsabilida<strong>de</strong>s maternas” 76 .<br />

Assim surgem as bases do discurso maternalista. Sabemos que este não foi homogêneo<br />

nem imediato, tampouco foi aceito pela totalida<strong>de</strong> das mulheres, mas foi se transformando e<br />

se ajustando. Uma nova imagem <strong>de</strong> mãe vai surgindo com mulheres cada vez mais<br />

preocupadas com seus filhos, sacrificando-se para que eles vivessem junto <strong>de</strong>las. Os<br />

comportamentos mudam tanto no que se refere ao papel social das mulheres, quanto na<br />

relação com seu corpo e seu filho. Com isso as mulheres passam a restringir sua liberda<strong>de</strong> em<br />

favor da liberda<strong>de</strong> do filho, permitindo um contato físico maior.<br />

Durante o século XIX este mito começou a sofrer algumas alterações, principalmente,<br />

com a constatação <strong>de</strong> que a pobreza e a mortalida<strong>de</strong> infantil eram realida<strong>de</strong>s muito presentes e<br />

atingiam as cida<strong>de</strong>s industriais européias, sendo as mulheres e as crianças os mais afetados,<br />

sofrendo <strong>de</strong> <strong>de</strong>snutrição e <strong>de</strong> doenças causadas pelas péssimas condições <strong>de</strong> trabalho e<br />

moradia, e que somente a valorização moral da maternida<strong>de</strong> não resolvia estes problemas.<br />

Assim, observamos o surgimento da medicina infantil – a palavra "pediatria" é criada um<br />

pouco mais tar<strong>de</strong>, em 1872. É neste período, em que avistamos as primeiras mulheres ativistas<br />

na filantropia, que se <strong>de</strong>pararam com os quadros <strong>de</strong> pobreza e abandono <strong>de</strong> mulheres das<br />

classes trabalhadoras, passando a reivindicar direitos, como uma legislação específica tanto<br />

para as mulheres <strong>mães</strong> e trabalhadoras, quanto para as crianças. Na virada do XVIII para o<br />

75 BADINTER, op. cit., p. 148.<br />

76 I<strong>de</strong>m, p. 181.<br />

44


XIX, observa-se também uma preocupação com a higiene e a saú<strong>de</strong> das crianças, iniciando o<br />

cuidado com a alimentação, higiene e atenção com o corpo na gravi<strong>de</strong>z. “Os carinhos<br />

maternos, a liberda<strong>de</strong> do corpo e as roupas bem a<strong>de</strong>quadas testemunham um novo amor pelo<br />

bebê. Para fazer tudo isso, a mãe <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>dicar a vida ao filho. A mulher se apaga em favor da<br />

boa mãe que, doravante, terá suas responsabilida<strong>de</strong>s cada vez mais ampliadas” 77 . A mulher<br />

torna-se cada vez mais alienada <strong>de</strong> si e do mundo e a criança insubstituível.<br />

Essa mulher que vem se formando juntamente com o “mito da maternida<strong>de</strong>” é<br />

essencialmente mãe. Reservam todo seu tempo e <strong>de</strong>dicação à prole para não <strong>de</strong>monstrarem<br />

negligência. Dão banho, vestem, amamentam, brincam, educam, cuidam, estabelecendo<br />

verda<strong>de</strong>iros laços <strong>de</strong> amor com seus filhos. Assim, pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser mãe em tempo<br />

integral e pelas obrigações que isso acarreta, as mulheres ficam restritas ao lar, abandonando<br />

hábitos <strong>de</strong> freqüentar salões ou lugares em que não se po<strong>de</strong> estar com os filhos. “A nova mãe<br />

é essa mulher que conhecemos bem, que investe todos os seus <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r na pessoa <strong>de</strong><br />

seus filhos” 78 .<br />

Esse é o quadro que vemos se formar no século XVIII e que atravessa o XIX,<br />

ampliando o número <strong>de</strong> mulheres que a<strong>de</strong>riram a essa forma <strong>de</strong> vivenciar a maternida<strong>de</strong>. Na<br />

passagem do século XIX para o XX, as preocupações <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m político-<strong>de</strong>mográfica e <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> aumentaram com a crescente mortalida<strong>de</strong> infantil. É neste contexto que a maternida<strong>de</strong><br />

foi ampliada para fora da esfera familiar tornando-se um assunto do domínio público com<br />

<strong>de</strong>sdobramentos políticos, dando origem à políticas públicas voltadas à infância na Europa e<br />

na América. Diversos grupos se envolveram nessa causa, entre eles, mulheres ativistas –<br />

sendo feministas ou não –, como já <strong>de</strong>stacado, médicos, filantropos, religiosos, o Estado e<br />

organizações internacionais (como a OIT, surgida posteriormente à Primeira Guerra Mundial)<br />

passaram a tratar cada vez com mais freqüência do tema. Cria-se, assim, um discurso<br />

maternalista em <strong>de</strong>fesa da mãe e da criança, estabelecendo uma política <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e assistência<br />

social. Marcela Nari, trabalhando com o contexto argentino, comenta: “Especial atenção<br />

mereciam as <strong>mães</strong> solteiras. O principal objetivo do Serviço Social era manter a ‘relação mãe-<br />

filho’. Em meta<strong>de</strong> dos casos, a ‘solução’ obtida era que as <strong>mães</strong> voltavam com o filho à casa<br />

<strong>de</strong> seus pais ou conseguiam um emprego sem ter <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar a criança” 79 .<br />

O advento das duas guerras mundiais e a preocupação com a natalida<strong>de</strong> – ou seja, com<br />

o futuro da nação e da raça –, foram primordiais para um alargamento ainda maior do<br />

77 BADINTER, op. cit., p. 206.<br />

78 I<strong>de</strong>m, p. 212.<br />

79 NARI, op. cit., p. 186-187. (Tradução nossa).<br />

45


maternalismo. A exaltação que antes era voltada à mulher e ao seu corpo, passou a enfocar a<br />

criança e seu <strong>de</strong>senvolvimento. Nesse sentido, são produzidos escritos visando a educação<br />

materna e assim, através <strong>de</strong> uma ação pedagógica, salvar as crianças das doenças e da morte<br />

precoce. Além das publicações para leigos, a<strong>de</strong>ptos <strong>de</strong>ssa política pedagógica da maternida<strong>de</strong><br />

(entre os quais havia um número significativo <strong>de</strong> médicos) ministravam cursos e palestras em<br />

escolas, incentivavam e também participavam com artigos da publicação <strong>de</strong> revistas, sempre<br />

mostrando o importante papel que as <strong>mães</strong> tinham na criação dos filhos e para garantir o<br />

futuro do país.<br />

O que antes <strong>de</strong>pendia <strong>de</strong> escolhas essencialmente familiares e individuais, começava a<br />

se tornar <strong>de</strong> interesse público. A maternida<strong>de</strong> se institucionalizara, havendo um investimento<br />

expressivo <strong>de</strong> recursos e <strong>de</strong> manifestações políticas entre as décadas <strong>de</strong> 1940 e 1950 no Brasil.<br />

Às <strong>mães</strong> são atribuídas muitas responsabilida<strong>de</strong>s e obrigações, como a <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicar toda sua<br />

vida à família, principalmente, aos filhos, mostrando seu amor incondicional e sua capacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> organização e <strong>de</strong> cuidados para a efetiva proteção da família e das crianças. Portanto, a<br />

função social da mulher passou a ser quase que exclusivamente a maternida<strong>de</strong>. Contudo, esta<br />

função <strong>de</strong>veria ser exercida <strong>de</strong> maneira racional, <strong>de</strong> acordo com as regras e os padrões<br />

estabelecidos pelos saberes médicos e posteriormente psicológicos, dirigindo seus interesses<br />

ao cuidado e bem-estar daqueles que seriam o futuro da nação.<br />

No Brasil, como já citado anteriormente, essa busca por uma educação materna<br />

também esteve presente, tendo início por volta dos anos <strong>de</strong> 1920 e 1930 com o<br />

estabelecimento <strong>de</strong> órgãos públicos e instituições benemerentes para aten<strong>de</strong>r aquelas <strong>mães</strong><br />

<strong>de</strong>safortunadas juntamente com seus filhos. No entanto, <strong>de</strong>vemos recuar alguns anos,<br />

<strong>de</strong>stacando a importância da imprensa e da publicação <strong>de</strong> livros realizados por mulheres,<br />

anteriores ao período republicano, na educação feminina e na exaltação da maternida<strong>de</strong>. Seja<br />

para o <strong>de</strong>senvolvimento da inteligência ou pensando no progresso da nação, os livros e jornais<br />

contribuíram para a promoção da imagem da mulher como mãe. “A natureza feminina,<br />

segundo elas [as escritoras e redatoras], atribuía às mulheres características específicas para a<br />

maternida<strong>de</strong>, o que fazia com que marido e esposa tivessem funções igualmente importantes,<br />

embora diferentes e exercidas em esferas distintas. O exercício do papel <strong>de</strong> mãe era visto<br />

como uma forma <strong>de</strong> patriotismo” 80 .<br />

Com exceção <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> lei que, em 1822, visava a regulamentação do trabalho<br />

da escrava grávida, não houve, até o fim do século XIX, nenhuma iniciativa governamental<br />

80 MOTT, op. cit., p. 205.<br />

46


em favor das mulheres pobres grávidas. “Apesar da falta <strong>de</strong> interesse das autorida<strong>de</strong>s<br />

imperiais e <strong>de</strong>pois republicanas com a infância e a maternida<strong>de</strong>, os médicos e as mulheres das<br />

classes altas que atuavam nas associações <strong>de</strong> carida<strong>de</strong>, não <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> reclamar <strong>de</strong>ste<br />

<strong>de</strong>scaso, atuando por conta própria ao fundar instituições para aten<strong>de</strong>r as <strong>mães</strong> e seus<br />

filhos” 81 . Dessa forma, no século XX, com a valorização da maternida<strong>de</strong> já enraizada na<br />

socieda<strong>de</strong> brasileira, vemos as primeiras instituições privadas <strong>de</strong> proteção à maternida<strong>de</strong> e à<br />

infância surgirem no Brasil, levando as mulheres a exercer <strong>de</strong>terminadas profissões<br />

compatíveis com a consi<strong>de</strong>rada “missão das mulheres” com a maternida<strong>de</strong>. “[...] Os efeitos da<br />

urbanização, da industrialização, <strong>de</strong> melhor educação, bem como maiores oportunida<strong>de</strong>s<br />

profissionais para o sexo feminino, se fizeram sentir na vida social. Intensificou-se a<br />

participação feminina em movimentos <strong>de</strong> reforma social e <strong>de</strong> reivindicação políticas” 82 .<br />

Portanto, é nesse período que são criadas as entida<strong>de</strong>s filantrópicas voltadas à questão<br />

materna, fundadas e dirigidas por mulheres, com o objetivo <strong>de</strong> não <strong>de</strong> apenas ajudar com<br />

doações, mas <strong>de</strong> promover a educação e cuidar da saú<strong>de</strong> das <strong>mães</strong> e das crianças,<br />

possibilitando que <strong>de</strong>ixassem <strong>de</strong> passar por dificulda<strong>de</strong>s, ou seja, procurando uma promoção<br />

social <strong>de</strong>les. “Lutaram ao mesmo tempo pela emancipação jurídica, social, econômica e<br />

intelectual das mulheres e pelo estabelecimento <strong>de</strong> leis <strong>de</strong> proteção à infância e à<br />

maternida<strong>de</strong>” 83 .<br />

Nessa linha, observamos em 1901 o início dos trabalhados do Instituto <strong>de</strong> Proteção à<br />

Infância do Rio <strong>de</strong> Janeiro, instituição i<strong>de</strong>alizada e fundada por Arthur Moncorvo Filho<br />

(médico pediatra) que forneceu, posteriormente, mo<strong>de</strong>los adotados pelo Estado na prestação<br />

<strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e assistência às <strong>mães</strong> e crianças. Além do atendimento médico e<br />

assistencial, o Instituto promoveu campanhas e propagandas voltadas para a educação da<br />

saú<strong>de</strong> e higiene. Em 1922 temos também a fundação da Fe<strong>de</strong>ração Brasileira pelo Progresso<br />

Feminino (FBPF), no Rio <strong>de</strong> Janeiro, composta por mulheres pertencentes às camadas médias<br />

e às elites, que possuíam em sua maioria ligações com outras entida<strong>de</strong>s feministas ou<br />

assistenciais, e mulheres <strong>de</strong> origens mais simples, como professoras, comerciárias e<br />

datilógrafas. Tendo Bertha Luz como membro <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque, e seguindo o direcionamento do<br />

feminismo dos Estados Unidos, a Fe<strong>de</strong>ração <strong>de</strong>fendia o lar como base da socieda<strong>de</strong>, portanto,<br />

ao lutar por uma educação, o direito ao trabalho in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte o estado civil e uma<br />

emancipação da mulher, a FBPF não pregava o rompimento com a família (e, <strong>de</strong>ssa forma,<br />

81 MARTINS, “Políticas da Maternida<strong>de</strong>...”, p. 45.<br />

82 MOTT, op. cit., p. 206.<br />

83 I<strong>de</strong>m, p. 206.<br />

47


nem o com papel <strong>de</strong> mãe e esposa da mulher), nem o fim da missão educadora e altruísta da<br />

mulher na vida social e política, ao contrário, ao promover o aumento da instrução da mulher,<br />

permite-se uma proteção à infância, o cumprimento do papel social da mulher e melhorias na<br />

socieda<strong>de</strong>. Juntamente com iniciativas visando benefícios práticos às mulheres e às crianças, a<br />

Fe<strong>de</strong>ração Brasileira pelo Progresso Feminino organizou eventos para discussão <strong>de</strong>ssas<br />

práticas, como o I e o II Congresso Internacional Feminista, reunindo representantes <strong>de</strong><br />

organizações profissionais femininas, <strong>de</strong> assistência social e entida<strong>de</strong>s filantrópicas. A<br />

Fe<strong>de</strong>ração também participou da organização da Constituição <strong>de</strong> 1934, incluindo itens como o<br />

direito da mulher <strong>de</strong> votar e ser votada, licença maternida<strong>de</strong>, participação das mulheres na<br />

direção e administração <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> assistência e bem-estar social referentes à<br />

maternida<strong>de</strong> e à infância, entre outros.<br />

Outra organização <strong>de</strong> mulheres <strong>de</strong> igual importância é a Cruzada Pró Infância, criada<br />

em 1930 em São Paulo sob a li<strong>de</strong>rança <strong>de</strong> Pérola Byington e Maria Antonieta <strong>de</strong> Castro.<br />

Apesar do <strong>de</strong>senvolvimento agrícola e industrial do período, a socieda<strong>de</strong> brasileira vivia em<br />

péssimas condições <strong>de</strong> trabalho e sanitárias, o que acarretava em altas taxas <strong>de</strong> mortalida<strong>de</strong><br />

infantil. Esta questão preocupava as elites e se tornou o principal objetivo da Cruzada, ao<br />

combater a mortalida<strong>de</strong> infantil por meio <strong>de</strong> um programa <strong>de</strong> assistência para as <strong>mães</strong> e suas<br />

crianças. Além disso, o contexto da época valorizava a proteção à infância: “Dentro <strong>de</strong> um<br />

espírito populista da época, acreditavam que o Brasil precisava preencher espaços vazios, que<br />

o número <strong>de</strong> habitantes significava maior número <strong>de</strong> trabalhadores, [...] que o futuro da nação<br />

<strong>de</strong>pendia da quantida<strong>de</strong>, como também da qualida<strong>de</strong> física, moral e educacional da<br />

população” 84 . Para tanto, a Cruzada Pró Infância se profissionalizou, permitindo uma<br />

diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços e uma maior abrangência. Foram construídos no <strong>de</strong>correr da sua<br />

história, além da se<strong>de</strong>, dispensários (com atendimento pré-natal, clínica geral, higiene infantil,<br />

etc.), uma Casa Maternal para receber as <strong>mães</strong> antes e <strong>de</strong>pois do parto, parques infantis, um<br />

banco <strong>de</strong> leite e creches. A entida<strong>de</strong> tinha sua própria revista, produzindo uma relevante<br />

literatura sobre a proteção da infância e da maternida<strong>de</strong>, e também organizou campanhas e<br />

cursos para ensinar os preceitos da puericultura.<br />

“O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> família preconizado era o <strong>de</strong> marido provedor e da esposa <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte voltada para os<br />

cuidados dos filhos. A família – constituída <strong>de</strong> pai, mãe e filhos – era consi<strong>de</strong>rada o sustentáculo da<br />

socieda<strong>de</strong>, mas a realida<strong>de</strong> social da maioria das brasileiras estava bem longe disso. Para Pérola<br />

Byington, todos <strong>de</strong>veriam lutar – igreja, governos, associações, imprensa, rádio, povo – no sentido <strong>de</strong><br />

dar os meios necessários para assegurar a continuida<strong>de</strong> do ‘binômio sagrado – mãe e filho’. [...] A<br />

84 MOTT, op. cit., p. 209.<br />

48


educação das <strong>mães</strong> foi uma das mais importantes campanhas <strong>de</strong>senvolvidas pela Cruzada [...]. A<br />

ignorância, a falta <strong>de</strong> conhecimentos básicos <strong>de</strong> puericultura, a persistência <strong>de</strong> práticas tradicionais no<br />

cuidado das crianças, a amamentação artificial e a alimentação ina<strong>de</strong>quada eram consi<strong>de</strong>radas as<br />

principais causas da mortalida<strong>de</strong> infantil” 85 .<br />

Essas entida<strong>de</strong>s, influenciadas por políticas e programas maternalistas presentes na<br />

Europa e nos Estados Unidos, permitiram uma maior dissipação do discurso maternalista uma<br />

vez que a maternida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser uma função individual, do espaço privado, da família, para<br />

se tornar uma função social, <strong>de</strong> interesse público. Papel primordial para as mulheres,<br />

acreditava-se que através da maternida<strong>de</strong> teriam reconhecimento social, assim como no século<br />

XVIII, alguns direitos e uma consi<strong>de</strong>rada igualda<strong>de</strong>, ou seja, era a maternida<strong>de</strong> que permitia o<br />

reconhecimento da cidadania para as mulheres. Dessa forma atribuíam às <strong>mães</strong> qualida<strong>de</strong>s e<br />

<strong>de</strong>veres específicos, apontados como naturais em uma mulher, o que as tornava responsáveis<br />

por suas proles, ou melhor, pelo futuro da nação. Segundo Martins:<br />

“Po<strong>de</strong>-se dizer que no Brasil o maternalismo não esteve, na sua formulação original, relacionado aos<br />

direitos das <strong>mães</strong> como nos Estados Unidos e alguns países europeus, mas como um direito das crianças<br />

em ter uma mãe bem informada sobre suas necessida<strong>de</strong>s ou, usando uma metáfora também comum no<br />

discurso médico da época, o espelho mais perfeito, capaz <strong>de</strong> refletir nos corpos e nos espíritos das<br />

crianças a sabedoria informada <strong>de</strong> suas <strong>mães</strong>” 86 .<br />

No entanto os esforços <strong>de</strong> todos que estavam envolvidos nessas instituições não eram<br />

suficientes, apesar <strong>de</strong> ser <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> utilida<strong>de</strong>, para modificar o quadro <strong>de</strong> pobreza e alta taxa<br />

<strong>de</strong> mortalida<strong>de</strong> infantil. Dessa forma, passaram a reivindicar uma intervenção estatal, assim<br />

como ocorria na Europa e nos Estados Unidos, na questão social, buscando uma ampliação da<br />

população atendida com a organização pública <strong>de</strong> assistência à maternida<strong>de</strong> e à infância e a<br />

elaboração <strong>de</strong> leis que protegessem <strong>de</strong> maneira efetiva as mulheres trabalhadoras e seus<br />

filhos. A partir <strong>de</strong> 1930, com a ascensão <strong>de</strong> Getúlio Vargas ao po<strong>de</strong>r, o Estado tomou para si o<br />

cuidado e a proteção da infância. “A rigor só se po<strong>de</strong> falar <strong>de</strong> políticas públicas para a<br />

maternida<strong>de</strong> e a infância, tanto no que diz respeito à legislação, quanto à organização e<br />

prestação <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> assistência social e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, nas décadas <strong>de</strong> 1930 e 1940” 87 . Ao<br />

analisarmos a legislação promulgada no período, observamos o Código <strong>de</strong> Trabalho das<br />

Mulheres – Decreto-lei 21.417, <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1932 – que regulamentava o trabalho feminino <strong>de</strong><br />

acordo com as <strong>de</strong>mandas das feministas, dos médicos e da legislação internacional. Além<br />

disso, foram criados organismos governamentais como o Ministério da Educação e da Saú<strong>de</strong><br />

85 MOTT, op. cit., pp. 212-213.<br />

86 MARTINS, op. cit., p. 44.<br />

87 I<strong>de</strong>m, pp. 50-51.<br />

49


Pública e elaborados programas voltados especialmente para <strong>mães</strong> e filhos, com a divulgação<br />

<strong>de</strong> inúmeras campanhas.<br />

“Se observarmos o texto constitucional <strong>de</strong> 1934 vê-se ali a incorporação não só das garantias <strong>de</strong> direitos<br />

e proteção às trabalhadoras, como a licença maternida<strong>de</strong> remunerada, mas também a orientação <strong>de</strong> que<br />

os serviços <strong>de</strong> proteção à maternida<strong>de</strong> e à infância, ao lar e ao trabalho fossem, <strong>de</strong> preferência,<br />

orientados e fiscalizados pelas mulheres habilitadas, conforme o Parágrafo 3 do Artigo 121. Esta<br />

orientação jamais foi regulamentada [...], cabendo às mulheres habilitadas as funções secundárias e <strong>de</strong><br />

atendimento público. Nesse sentido, as idéias <strong>de</strong>fendias pelas feministas brasileiras ficaram restritas ao<br />

papel, não conseguindo estabelecer alianças políticas que garantissem a sua participação na estrutura do<br />

po<strong>de</strong>r, como acontecer com suas colegas estaduni<strong>de</strong>nses” 88 .<br />

O Estado Novo (1937-1945) foi um marco na exaltação da tarefa patriótica que as<br />

<strong>mães</strong> <strong>de</strong>veriam exercer. Além <strong>de</strong> leis que institucionalizavam o maternalismo, surgem órgãos<br />

públicos diferenciados e instituições benemerentes visando principalmente aten<strong>de</strong>r as <strong>mães</strong><br />

mais pobres juntamente com seus filhos. Mesmo com algumas mudanças administrativas<br />

nesse novo período “as intenções do governo Vargas em proteger a maternida<strong>de</strong> e a infância<br />

não foram esquecidas, pelo contrário, durante os Estado Novo ganharam forças as idéias<br />

eugenistas articuladas por discursos médicos e políticos em <strong>de</strong>fesa do casamento, da família e<br />

do aumento da população” 89 . Em 1940, com o estabelecimento do Decreto-lei 2024, é criado<br />

o <strong>Departamento</strong> Nacional da Criança, órgão responsável por elaborar e implementar políticas<br />

públicas maternalistas e para a infância até 1970. A partir <strong>de</strong> então, estavam estruturadas<br />

orientações básicas para as políticas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> materno-infantil e <strong>de</strong> assistência social às <strong>mães</strong><br />

e às crianças pobres, mantendo e ampliando os serviços <strong>de</strong> proteção à maternida<strong>de</strong> e à<br />

infância.<br />

Após o Estado Novo as políticas públicas para a maternida<strong>de</strong> continuaram em vigência<br />

com o <strong>Departamento</strong> Nacional da Criança ou foram ampliadas. Entretanto, é importante<br />

<strong>de</strong>stacar sua contínua limitação, <strong>de</strong>ixando gran<strong>de</strong> parte da população fora <strong>de</strong> seu alcance –<br />

principalmente no que refere à saú<strong>de</strong>. Não ocorreram mudanças muito expressivas durante os<br />

anos posteriores, a não ser durante o governo <strong>de</strong> Castello Branco (1964-67), com a inclusão<br />

das trabalhadoras rurais na assistência à saú<strong>de</strong> e previdência social. Assim, sobre o<br />

maternalismo no Brasil, po<strong>de</strong>mos concluir que “as <strong>mães</strong> pobres não eram consi<strong>de</strong>radas, por<br />

sua pobreza, más, ou seja, a ignorância e o erro podiam ser corrigidos pelos especialistas,<br />

contanto que eles tivessem acesso às mulheres e seus filhos [...]”, ou seja, “a questão da<br />

maternida<strong>de</strong> no Brasil partiu <strong>de</strong> uma visão instrumental da mãe, como sendo o meio ou a<br />

88 MARTINS , op. cit., p. 55.<br />

89 I<strong>de</strong>m, p. 56.<br />

50


forma para se chegar ao que realmente interessava aos médicos e, mais tar<strong>de</strong>, às autorida<strong>de</strong>s: a<br />

criança” 90 .<br />

2.4. Sobre as décadas <strong>de</strong> 1960 e 1970<br />

Para enten<strong>de</strong>r as experiências e memórias da maternida<strong>de</strong> nas décadas <strong>de</strong> 1960 e 1970<br />

não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> analisar o contexto da época. Sabemos previamente que é nesse<br />

período que a pílula anticoncepcional foi produzida e difundida em larga escala,<br />

possibilitando o controle da concepção que antes <strong>de</strong>pendida do acaso. É também o momento<br />

que o casamento passa a não ser mais visto como um <strong>de</strong>stino, sendo promulgada no Brasil a<br />

Lei do Divórcio (n o 6.515) em 26 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1977. Além disso, é um momento <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong>s mobilizações – como as do movimento feminista na luta pelos direitos da mulher; a<br />

entrada em número cada vez mais expressivo <strong>de</strong> mulheres nas universida<strong>de</strong>s; as mudanças na<br />

relação com o corpo e a sexualida<strong>de</strong>. No entanto, realizaremos aqui um estudo mais <strong>de</strong>talhado<br />

<strong>de</strong>sse contexto.<br />

Ao partirmos <strong>de</strong> Erick Hobsbawm e sua obra Era dos Extremos – O breve século XX,<br />

1914-1991, observamos que este é o período da chamada “Revolução Cultural”. Abordando a<br />

partir da família e da casa, ou seja, das relações entre sexos e gerações, o autor analisa as<br />

mudanças que se intensificaram em seus seios em nível mundial. “[...] Cruzando todas as<br />

variações, a vasta maioria da humanida<strong>de</strong> partilhava certo número <strong>de</strong> características, como a<br />

existência <strong>de</strong> casamento formal com relações sexuais privilegiadas para os cônjuges [...]; a<br />

superiorida<strong>de</strong> dos maridos em relação às esposas (‘patriarcado’) e dos pais em relação aos<br />

filhos, assim como às gerações mais jovens; famílias consistindo em várias pessoas; e coisas<br />

assim” 91 . Portanto, a existência do mo<strong>de</strong>lo da “família nuclear” – um casal com filhos – era<br />

um padrão geralmente encontrado em algum lugar no mundo, oci<strong>de</strong>ntal principalmente, nos<br />

séculos XIX e XX. O que vamos ver a partir das décadas <strong>de</strong> 1960 e 1970 é essa padronização<br />

familiar começando a sofrer gran<strong>de</strong>s e velozes transformações, aumentando, por exemplo, o<br />

número <strong>de</strong> divórcios e a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mulheres vivendo sós. Era o início <strong>de</strong> mudanças que<br />

passaram a afetar as mentalida<strong>de</strong>s:<br />

90 MARTINS. “O Estado, as <strong>mães</strong> e os filhos...”. pp. 43-44.<br />

91 HOBSBAWM, op. cit., pp. 314-315.<br />

51


“As mulheres que procuravam clínicas ginecológicas na década <strong>de</strong> 1970 mostravam ‘uma substancial<br />

diminuição no casamento formal, uma redução no <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> filhos [...] e uma mudança <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> para a<br />

aceitação <strong>de</strong> uma adaptação bissexual’ [...]. A crise da família estava relacionada com mudanças<br />

bastante dramáticas nos padrões públicos que governam a conduta sexual, a parceria e a procriação.<br />

Eram tanto oficiais quanto não oficiais, e a gran<strong>de</strong> mudança em ambas está datada, coincidindo com as<br />

décadas <strong>de</strong> 1960 e 1970. Oficialmente, essa foi uma era <strong>de</strong> extraordinária libertação tanto para<br />

heterossexuais (isto é, sobretudo para as mulheres, que gozavam <strong>de</strong> muito menos liberda<strong>de</strong> que os<br />

homens) quanto para os homossexuais, além <strong>de</strong> outras formas <strong>de</strong> dissidência cultural-sexual.” 92 .<br />

Apesar <strong>de</strong> não terem ocorrido <strong>de</strong> forma totalizante em todo o planeta, essas mudanças<br />

pu<strong>de</strong>ram ser sentidas, principalmente com a promulgação <strong>de</strong> leis que passavam a permitir, ou<br />

reconhecer, aquilo que antes eram práticas proibidas, como a já citada Lei do Divórcio no<br />

Brasil. No entanto vemos as transformações <strong>de</strong> forma muito mais expressiva na cultura<br />

popular jovem. Além da crise nas relações entre os sexos, o que era representado pelo<br />

crescimento dos divórcios, nascimentos ilegítimos e famílias com apenas o pai ou a mãe,<br />

observamos que as relações entre as gerações também sofreram modificações com a nova<br />

cultura juvenil.<br />

Agente social in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, o jovem, sendo representado pela faixa etária<br />

compreendida até os vinte e cinco anos, foi o responsável pelos eventos políticos mais<br />

dramáticos e mais radicais a partir da década <strong>de</strong> 1960. Organização <strong>de</strong> motins operários,<br />

mobilização estudantis mundiais, protestos pelo fim da Guerra do Vietnã ou a que ocorreu em<br />

França, <strong>de</strong>nominada Maio <strong>de</strong> 1968, são exemplos da juventu<strong>de</strong> atuando politicamente. Dessa<br />

forma, o jovem adquiria autonomia enquanto classe social distinta, simbolizada pelo herói que<br />

morre jovem e que escuta rock’n’roll, fato favorecido pela indústria <strong>de</strong> bens <strong>de</strong> consumo.<br />

Nesse sentido, algumas características <strong>de</strong>ssa juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>stacadas, como a<br />

compreensão <strong>de</strong> seu estágio pleno <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento humano acabar nessa ida<strong>de</strong>; a inversão<br />

<strong>de</strong> papéis das gerações, tendo os pais mais o que apren<strong>de</strong>r com os filhos, principalmente com<br />

o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> novas tecnologias; o enorme internacionalismo <strong>de</strong>sse grupo, fazendo<br />

surgir uma cultura jovem global, seja pela música, com o rock, pela moda, com a febre do<br />

blue jeans (para ambos os sexos), ou mesmo pelas universida<strong>de</strong>s, numa espécie <strong>de</strong> “osmose<br />

informal”, como afirma Hobsbawm 93 ; o po<strong>de</strong>r aquisitivo que permitiu aos jovens o<br />

<strong>de</strong>scobrimento <strong>de</strong> símbolos materiais e culturais portadores <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, aumentando ainda<br />

mais as diferenças entre as gerações: “por mais fortes que fossem os laços <strong>de</strong> família, por<br />

mais po<strong>de</strong>rosa que fosse a teia <strong>de</strong> tradição que os interligasse, não podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> haver um<br />

92 HOBSBAWM, op. cit., pp. 315-316.<br />

93 I<strong>de</strong>m, p. 321.<br />

52


vasto abismo entre a compreensão da vida <strong>de</strong>les, suas experiências e expectativas, e as das<br />

gerações mais velhas” 94 .<br />

Essa cultura jovem foi, assim, a base da “Revolução Cultural” <strong>de</strong> modos, costumes,<br />

formas <strong>de</strong> lazer e comerciais, tornando-se o ambiente vivenciado por homens e mulheres<br />

urbanos <strong>de</strong> diversas classes. As classes altas e médias aceitaram <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as roupas, a música das<br />

classes baixas, como também a forma <strong>de</strong> linguagem, servindo esta última como mo<strong>de</strong>lo.<br />

“Essa guinada para o popular nos gostos dos jovens <strong>de</strong> classe alta e média do mundo<br />

oci<strong>de</strong>ntal, que teve até alguns paralelos no Terceiro Mundo, como a <strong>de</strong>fesa do samba pelos<br />

intelectuais brasileiros, po<strong>de</strong> [...] ter tido alguma coisa a ver com a corrida dos estudantes da<br />

classe média para a política e i<strong>de</strong>ologias revolucionárias poucos anos <strong>de</strong>pois” 95 , pois o<br />

paradoxo <strong>de</strong>ssa nova cultura jovem pô<strong>de</strong> ser ainda mais notado quando esta encontrou alguma<br />

expressão intelectual. Era a exaltação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejos e sentimentos subjetivos e isso permitiu a<br />

rejeição <strong>de</strong> valores da geração anterior:<br />

“Liberação pessoal e liberação social, assim, davam-se as mãos, sendo sexo e drogas as maneiras mais<br />

óbvias <strong>de</strong> <strong>de</strong>spedaçar as ca<strong>de</strong>ias do Estado, dos pais e do po<strong>de</strong>r dos vizinhos, da lei e da convenção [...].<br />

O recém-ampliado campo <strong>de</strong> comportamento publicamente aceitável, incluindo o sexual, na certa<br />

aumentou a experimentação e a freqüência <strong>de</strong> comportamento até então consi<strong>de</strong>rado inaceitável ou<br />

<strong>de</strong>sviante, e sem dúvida, aumentou sua visibilida<strong>de</strong> [...]. Contudo, o gran<strong>de</strong> significado <strong>de</strong>ssas<br />

mudanças foi que, implícita ou explicitamente, rejeitavam a or<strong>de</strong>nação histórica e há muito estabelecida<br />

das relações humanas em socieda<strong>de</strong>, que as convenções e proibições socais expressavam, sancionavam<br />

e simbolizavam” 96 .<br />

Segundo Erick Hobsbawm, a “Revolução Cultural” po<strong>de</strong> ser entendida como o triunfo<br />

do indivíduo sobre a socieda<strong>de</strong> ao romper com as amarras que o prendiam às texturas sociais<br />

que, além <strong>de</strong> ser representadas pelas relações entre seres humanos e sua organização, consistia<br />

na forma padronizada <strong>de</strong> comportamento dos sujeitos e seus papeis prescritos. Todavia, por<br />

maiores que fossem essas transformações, não <strong>de</strong>rrubaram completamente as velhas texturas e<br />

as convenções sociais existentes, ainda muito presentes nos países <strong>de</strong> Terceiro Mundo.<br />

Ainda po<strong>de</strong>mos afirmar que a família e a Igreja foram as instituições que mais<br />

sofreram com os efeitos <strong>de</strong>ssa nova forma <strong>de</strong> relação humana. Nesse sentido, vemos que a<br />

realida<strong>de</strong> do comportamento do terceiro quarto do século XX teve muita influência no<br />

<strong>de</strong>smoronamento <strong>de</strong>ssas instituições, como o fim do sistema moral que regia a socieda<strong>de</strong>, não<br />

tendo mais tanta relevância a idéia <strong>de</strong> pecado e virtu<strong>de</strong>, direitos e <strong>de</strong>veres, a não ser que se<br />

tratasse somente do indivíduo. A liberação feminina talvez tenha sido a mais expressiva, uma<br />

94 HOBSBAWM, op. cit., p. 322.<br />

95 I<strong>de</strong>m, p. 325.<br />

96 I<strong>de</strong>m, pp. 326-327.<br />

53


vez que a exigência do controle da natalida<strong>de</strong>, a legalização do aborto e o direito ao divórcio<br />

foram conquistados pelas mulheres após muitas reivindicações.<br />

“Ao lado <strong>de</strong> outros movimentos sociais dos anos sessenta e setenta, como o<br />

movimento negro, especialmente o norte-americano, o feminismo adquire uma enorme<br />

importância ao questionar a organização sexual, social, política, econômica e cultural <strong>de</strong> um<br />

mundo profundamente hierárquico, autoritário, masculino, branco e exclu<strong>de</strong>nte” 97 . Ou seja, o<br />

movimento feminista possibilitou às mulheres maior visibilida<strong>de</strong> nos espaços da vida social,<br />

política e cultural, inclusive acadêmico, levando as mulheres, tanto teoricamente como na<br />

prática, para as universida<strong>de</strong>s.<br />

Juntamente às mudanças sociais, as populações <strong>de</strong> países favorecidos viam-se numa<br />

onda <strong>de</strong> prosperida<strong>de</strong> que era reforçada pelos sistemas públicos <strong>de</strong> segurida<strong>de</strong> social,<br />

conhecidos como Estados <strong>de</strong> bem-estar social, garantindo, por exemplo, sustento e abrigo às<br />

<strong>mães</strong> solteiras ou aos velhos que não tinham a assistência dos filhos. “Parecia natural tratar do<br />

mesmo jeito outras contingências que antes faziam parte da or<strong>de</strong>m familiar, por exemplo,<br />

transferindo o fardo do cuidado dos bebês das <strong>mães</strong> para as creches e jardins-<strong>de</strong>-infância<br />

públicos [...] preocupados com as necessida<strong>de</strong>s das <strong>mães</strong> assalariadas” 98 .<br />

Mulheres que antes tinham suas expectativas restritas ao casamento e à maternida<strong>de</strong><br />

passaram a ter uma margem maior <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s individuais, modificando o rumo <strong>de</strong> suas<br />

próprias vidas. Portanto, é neste contexto <strong>de</strong> transformações sociais e culturais que buscamos<br />

enten<strong>de</strong>r, nesta monografia, como essa geração <strong>de</strong> mulheres vivenciou suas experiências com<br />

a maternida<strong>de</strong>.<br />

97 RAGO, “A<strong>de</strong>us ao feminismo?...”, p. 12.<br />

98 HOBSBAWM, op. cit., p. 332.<br />

54


CAPÍTULO TRÊS – EXPERIÊNCIAS E MEMÓRIAS DA MATERNIDADE<br />

Neste analisamos as fontes orais produzidas durante a realização da pesquisa. Para<br />

tanto vamos tratar do processo <strong>de</strong> realização das entrevistas e como, a partir <strong>de</strong>las, fizemos a<br />

transcrição; posteriormente passaremos à análise <strong>de</strong>ste material à luz do contexto das<br />

transformações sócio-culturais das décadas <strong>de</strong> 1960 e 1970, apresentando os resultados e<br />

algumas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> resposta aos questionamentos que conduziram este trabalho.<br />

3.1. As entrevistas e as fontes orais<br />

As fontes para esta pesquisa foram produzidas a partir <strong>de</strong> <strong>de</strong>poimentos gravados,<br />

seguindo as <strong>de</strong>limitações que um trabalho <strong>de</strong> história oral exige. A pesquisa foi realizada na<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba, entretanto, não foi uma exigência prévia que as entrevistadas tivessem<br />

nascido aqui, havendo casos <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> outros estados e do interior do Paraná. Fizemos<br />

setes entrevistas, sendo cinco realizadas por mim e duas pela minha orientadora, com<br />

mulheres cujas ida<strong>de</strong>s variam entre 55 e 75 anos, obe<strong>de</strong>cendo ao mesmo critério <strong>de</strong> seleção e<br />

estando inseridas no mesmo projeto <strong>de</strong> pesquisa. Variáveis como classe social, etnia,<br />

escolarida<strong>de</strong> ou religião não foram relevantes ao selecionarmos nossas entrevistadas. A<br />

principal exigência estabelecida pelo projeto era que as entrevistadas tivessem vivenciado a<br />

maternida<strong>de</strong> entre as décadas <strong>de</strong> 1960 e 1970, ou seja, que fossem contemporâneas ou que<br />

tivessem tido acesso aos métodos contraceptivos, ao divórcio e principalmente ao<br />

<strong>de</strong>sdobramento entre vida doméstica, trabalho e profissão. Dessa forma, através das pessoas<br />

selecionadas, seria possível analisar as relações mãe-filho e também na conjugalida<strong>de</strong>, já que<br />

as entrevistadas iniciaram sua vida adulta e <strong>de</strong> casada entre os anos 50 e 60, período que,<br />

como vimos, começaram a ocorrer transformações importantes a respeito da feminilida<strong>de</strong> e<br />

das relações <strong>de</strong> gênero no âmbito da socieda<strong>de</strong> e da cultura. Portanto, seguindo o tema da<br />

pesquisa e suas <strong>de</strong>limitações, a escolha das mulheres se <strong>de</strong>u <strong>de</strong> forma aleatória, buscando a<br />

maior diversida<strong>de</strong> possível entre suas experiências.<br />

As mulheres foram encontradas através da indicação <strong>de</strong> pessoas que estavam<br />

familiarizadas com a pesquisa ou mesmo que se propunham a ajudar na sua realização. Após<br />

55


um primeiro contato, em que os objetivos e os procedimentos foram previamente<br />

apresentados às entrevistadas, a entrevista foi agendada, ocorrendo no local <strong>de</strong> escolha <strong>de</strong><br />

cada uma, obe<strong>de</strong>cendo as suas especificações e restrições. Não houve tempo mínimo ou<br />

máximo para a sua execução, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo somente da vonta<strong>de</strong> da locutora. O relato oral foi<br />

gravado <strong>de</strong> acordo com a autorização <strong>de</strong> quem o conce<strong>de</strong>u, sendo tudo especificado no<br />

primeiro contato. Em seguida as gravações foram transcritas no sentido <strong>de</strong> se produzir a fonte,<br />

buscando ser fiel à oralida<strong>de</strong>, ou seja, foram mantidos os vícios <strong>de</strong> linguagem, os erros <strong>de</strong><br />

concordância, as repetições, entre outras marcas da língua falada. Além disso, <strong>de</strong>stacamos as<br />

expressões, as reações e as emoções ocorridas ao longo <strong>de</strong> cada fala, uma vez que enten<strong>de</strong>mos<br />

que estas po<strong>de</strong>m dizer mais e possuem a mesma importância em comparação àquilo que é<br />

dito. Para cada entrevista foi elaborada uma ficha com dados pessoais. Após a transcrição das<br />

entrevistas uma ficha temática foi produzida para organizar cada um dos tópicos do roteiro <strong>de</strong><br />

perguntas.<br />

As entrevistas foram semi-estruturadas, buscando seguir um roteiro <strong>de</strong> perguntas<br />

previamente estabelecido. No entanto, enten<strong>de</strong>ndo que ao produzir um trabalho qualitativo<br />

não po<strong>de</strong>mos seguir um roteiro fixo, as entrevistas foram se adaptando <strong>de</strong> acordo com o<br />

<strong>de</strong>correr da conversa. As perguntas foram estruturadas a partir <strong>de</strong> cinco gran<strong>de</strong>s temas:<br />

infância e adolescência; trabalho; casamento; maternida<strong>de</strong>; relação com o corpo e a medicina.<br />

Primeiramente <strong>de</strong>mos ênfase aos primeiros anos da vida das entrevistadas, perguntando sobre<br />

sua relação com a família (algumas consi<strong>de</strong>rações sobre pais, irmãos e avós), escolarida<strong>de</strong>,<br />

entre outros. Na seqüência as perguntas foram sobre a fase adulta, enfocando os quatros<br />

outros tópicos principais e os subtópicos <strong>de</strong>rivados <strong>de</strong>stes, discutindo temas como inserção no<br />

mercado <strong>de</strong> trabalho, namoro e casamento, maternida<strong>de</strong> (escolhas, experiências, sentimentos),<br />

contracepção, relações <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> e re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> informação com outras mulheres sobre parto e<br />

criação <strong>de</strong> filhos, acesso aos serviços médicos e <strong>de</strong> assistência à maternida<strong>de</strong> e à infância,<br />

leituras <strong>de</strong> livros e revistas sobre o assunto. De tal modo, pu<strong>de</strong>mos explorar as experiências da<br />

maternida<strong>de</strong> e a construção da memória individual, <strong>de</strong>stacando as singularida<strong>de</strong>s e o que é<br />

comum entre as entrevistadas.<br />

56


3.2. Resultados<br />

Após a transcrição das entrevistas, partimos para a análise buscando enten<strong>de</strong>r como as<br />

experiências são produzidas pela memória <strong>de</strong> uma geração <strong>de</strong> mulheres que foram mãe nas<br />

décadas <strong>de</strong> 1960 e 1970. Dessa forma não procuramos apenas <strong>de</strong>screver o que as entrevistadas<br />

<strong>de</strong>ixaram explícito, mas também acessar as informações que não foram enunciadas com<br />

clareza, conscientemente ou não, o que é revelador ao enten<strong>de</strong>rmos a memória como uma<br />

construção <strong>de</strong> cada indivíduo. No geral, apesar da minha inexperiência com história oral,<br />

po<strong>de</strong>mos afirmar que a realização das entrevistas ocorreu tranqüilamente, sem que fossem<br />

<strong>de</strong>spertados sentimentos dolorosos ou extasiantes, nem espantos ou gran<strong>de</strong>s comoções, talvez<br />

por não tratarmos <strong>de</strong> um tema tão doloroso ou por não se situar em zonas <strong>de</strong> sombra, silêncios<br />

e “não-ditos”, como afirmado por Michael Pollak 99 e tratado no primeiro capítulo <strong>de</strong>sta<br />

monografia. Algumas <strong>de</strong>ram explicações mais <strong>de</strong>talhadas sobre sua experiência, relatando<br />

cada pequeno fato com seus mais perfeitos <strong>de</strong>talhes; já outras foram mais reticentes atendo-se<br />

a respostas curtas do tipo sim ou não, contudo contribuindo da mesma forma na nossa<br />

pesquisa ao <strong>de</strong>monstrar incômodo ou insegurança para não falar sobre o que era perguntado.<br />

Sendo assim, confirmamos que as respostas foram suficientes para conseguirmos atingir os<br />

objetivos propostos no início do trabalho, explorando as experiências e memórias <strong>de</strong>ssa<br />

geração <strong>de</strong> transição, inclusive os não ditos. São mulheres que pu<strong>de</strong>ram ampliar suas escolhas<br />

pessoais e se tornaram mais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, fazendo o possível para também se a<strong>de</strong>quar ao<br />

papel socialmente esperado <strong>de</strong>las <strong>de</strong> <strong>mães</strong> <strong>de</strong>dicadas aos seus filhos, mostrando como<br />

reproduziram em suas vidas o “mito da maternida<strong>de</strong>”. Mas, antes <strong>de</strong> esboçarmos nossas<br />

conclusões, tratemos da análise do que acreditamos ser mais pertinente nas fontes e como, a<br />

partir <strong>de</strong>las, chegamos ao resultado final.<br />

Primeiramente, <strong>de</strong>vemos <strong>de</strong>stacar um dado importante para a realização <strong>de</strong> nossa<br />

pesquisa e que remete ao primeiro tópico das entrevistas: nossas entrevistadas, mulheres que<br />

foram <strong>mães</strong> nas décadas <strong>de</strong> 1960 e 1970, nasceram entre os anos 40 e 50, vivenciando a<br />

prática <strong>de</strong> políticas públicas maternalistas, se não por elas mesmas, através <strong>de</strong> suas <strong>mães</strong>.<br />

Pensando nisso, a primeira parte das entrevistas tratou da infância <strong>de</strong>ssas mulheres, buscando<br />

através das memórias <strong>de</strong>sta época <strong>de</strong> suas vidas <strong>de</strong>talhes que pu<strong>de</strong>ssem se relacionar com a<br />

experiência da maternida<strong>de</strong> que viveram anos <strong>de</strong>pois. Tendo como base o trabalho <strong>de</strong><br />

99 POLLAK, op. cit.<br />

57


Martins 100 , ao analisar as memórias <strong>de</strong> mulheres que tiveram filhos entre 1940 e 1950,<br />

procuramos comparar experiências, procurando enten<strong>de</strong>r como o “mito da maternida<strong>de</strong>” foi<br />

assimilado e reproduzido em cada geração. Além disso, <strong>de</strong>vemos atentar que as entrevistadas<br />

nessa pesquisa vivenciarem um período <strong>de</strong>nominado “Revolução Cultural” e que, segundo<br />

Hobsbawm 101 , é marcante no sentido <strong>de</strong> uma quebra <strong>de</strong> gerações, caracterizando um<br />

afastamento tanto no comportamento quanto na mentalida<strong>de</strong> da geração mais nova. Assim,<br />

veremos se isso proce<strong>de</strong> na singularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada uma das entrevistadas.<br />

INFÂNCIA<br />

Mãe cuidava<br />

da casa<br />

Presença dos<br />

avós<br />

Irmãos Estudos<br />

Entrevista 1 Sim Sim 1 Superior completo<br />

Entrevista 2 Sim Não 1 Superior completo<br />

Entrevista 3 Sim Não 5<br />

Entrevista 4 Sim Não 1<br />

Entrevista 5 Sim Não 8<br />

Entrevista 6 Sim - 2<br />

Entrevista 7 Sim Sim 4<br />

Primeiro grau<br />

incompleto<br />

Segundo grau<br />

incompleto<br />

Segundo grau<br />

completo<br />

Segundo grau<br />

completo<br />

Segundo grau<br />

completo<br />

Ao nos <strong>de</strong>pararmos com a tabela acima, inicialmente notamos que essas mulheres<br />

tiveram a presença marcante das <strong>mães</strong> na sua infância. Foi unânime a resposta ao serem<br />

perguntadas sobre a pessoa que havia ensinado a elas os valores, que mais havia estado<br />

presente em sua criação e formação: a mãe possui um papel muito importante nessa fase da<br />

vida das entrevistadas. Apesar <strong>de</strong> todas terem irmãos, a proximida<strong>de</strong> com a figura materna é<br />

notável, seja por serem ambas mulheres e/ou por ser o papel que se esperava <strong>de</strong>las<br />

futuramente, seja pela maternida<strong>de</strong> que posteriormente foi vivida e que aproximou mãe e<br />

filha. Todas elas sublinham a importância da mãe e, ao contrário, relatam a ausência <strong>de</strong> outros<br />

familiares, sendo oriundas <strong>de</strong> famílias menores, compostas por pais e filhos, não contando<br />

100<br />

MARTINS, Ana Paula Vosne. “Memórias maternas: experiências da maternida<strong>de</strong> na transição do parto<br />

doméstico para o parto hospitalar”. <strong>História</strong> Oral (Rio <strong>de</strong> Janeiro), v. 8, 2006.<br />

101<br />

HOBSBAWM, Eric. “Revolução Cultural”. In: A era dos extremos - O breve século XX, 1914-1991. São<br />

Paulo : Companhia das Letras, 1995, pp. 314-336.<br />

58


com a presença constante <strong>de</strong> parentes como avós ou tios e primos. A mãe muito esteve<br />

presente, principalmente nas horas difíceis, como no relato da entrevistada 6, ao comentar sua<br />

experiência e seus problemas com seu primeiro filho:<br />

“A minha mãe ajudou. Ela foi companheirona, ficou junto. Teve uma noite que o P. [primeiro<br />

filho] chorava tanto e como a gente era vizinha, ela escutou da casa <strong>de</strong>la e veio aqui. Quando<br />

ela me viu sentada, magra, abatida, com aquela criança no colo e meu marido se batendo,<br />

fazendo as coisas ela disse ‘Vai dormir’ e daquela noite em diante ela ficou até terminar os<br />

quarenta dias.” (sic.)<br />

Algumas ainda ressaltavam qualida<strong>de</strong>s das <strong>mães</strong> mesmo sem termos perguntado<br />

sobre este assunto, sendo as <strong>mães</strong> uma referência para suas vidas. Questionada se seus avós<br />

tiveram participação na sua criação a entrevistada 3 respon<strong>de</strong>u:<br />

“Não, pela minha mãe... minha mãe foi muito guerrera...” (sic.)<br />

Aparentemente, essa imagem que nossas entrevistadas têm <strong>de</strong> suas <strong>mães</strong> é a mesma<br />

que as mulheres da geração anterior tinham <strong>de</strong> si. Ao analisar entrevistas realizadas com<br />

mulheres mais velhas do que aquelas que entrevistamos, Martins comenta sobre a forma como<br />

elas narram suas experiências: “São narrativas <strong>de</strong> um trabalho árduo, da responsabilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />

um certo orgulho <strong>de</strong> ter dado conta <strong>de</strong>sta responsabilida<strong>de</strong> levando em consi<strong>de</strong>ração todas as<br />

dificulda<strong>de</strong>s materiais com as quais tiveram que lidar no passado, comparadas com as<br />

facilida<strong>de</strong>s do presente” 102 . Na verda<strong>de</strong>, a geração que estamos trabalhando também tem essa<br />

imagem <strong>de</strong> si. Mesmo admitindo uma situação mais confortável se comparada aos pais, como<br />

por exemplo a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> levar mais longe os estudos ou não ser necessário trabalhar na<br />

infância; relatam seus sacrifícios, suas lutas e <strong>de</strong>dicação, algo que não encontram com tanto<br />

vigor hoje, segundo avaliam. Dessa forma, acreditamos que a geração anterior foi uma<br />

referência em suas vidas, uma vez que valorizam os esforços <strong>de</strong> suas <strong>mães</strong> e da importância<br />

que elas tiveram em momentos cotidianos e cruciais, em que não sabiam como agir e<br />

necessitavam <strong>de</strong> alguém com mais experiência.<br />

Além disso, eram as <strong>mães</strong> que ditavam as regras que <strong>de</strong>veriam ser seguidas <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

criança, como nas brinca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> infância, seus <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> estudante, atitu<strong>de</strong>s a ter com o<br />

102 MARTINS, op. cit., p. 9.<br />

59


namorado, a <strong>de</strong>finição quanto ao momento para começar a trabalhar, entre outros. O pai<br />

aparece menos, normalmente complementando a figura materna. É também a mãe quem<br />

guiava na preparação e após o casamento, principalmente quando as entrevistadas se tornaram<br />

<strong>mães</strong>, permitindo a esta nova avó uma relação mais próxima com o neto, diferentemente da<br />

situação que elas viveram na infância, mais afastadas dos avós. Ao procurar conciliar o<br />

trabalho com a maternida<strong>de</strong>, a entrevistada 2 comentou a presença da sua mãe na criação <strong>de</strong><br />

seus filhos:<br />

“A gente revezava...como ela era professora, então ela trabalhava um período e eu no<br />

outro...” (sic.)<br />

As narrativas das experiências vividas por essa geração <strong>de</strong> <strong>mães</strong> das décadas <strong>de</strong> 1960 e<br />

1970 nos mostra ainda como elas adquiriram conhecimentos sobre sexualida<strong>de</strong> e maternida<strong>de</strong>.<br />

Além daquilo que era conversado com a própria mãe, as entrevistadas citaram o aprendizado<br />

sobre estes temas através <strong>de</strong> revistas e manuais. No entanto, a prática <strong>de</strong> leitura <strong>de</strong> revistas<br />

não é associada por elas diretamente ao “ser mãe”, mas sim à uma concepção mais ampla <strong>de</strong><br />

informação sobre acontecimentos, moda e culinária. Outra forma <strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong><br />

conhecimento sobre a maternida<strong>de</strong> foi através dos médicos, que tiveram um papel importante<br />

nas experiências das mulheres <strong>de</strong>sta geração.<br />

A relação mais estreita entre mãe e médico é observada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XIX, com a<br />

constituição do “mito da maternida<strong>de</strong>”. É a partir <strong>de</strong>sse período que os médicos passam a se<br />

tornar mais próximos da família e, com o aumento da preocupação com a saú<strong>de</strong> das crianças,<br />

passam a estabelecer alianças com as <strong>mães</strong>. Notamos isso ainda mais intensamente no século<br />

XX, quando o médico tornou-se quase que um membro da família, dando conselhos<br />

incontestáveis para as <strong>mães</strong> e produzindo mais intensamente uma literatura especializada para<br />

o público feminino sobre a maternida<strong>de</strong> e sobre como criar os filhos. Com essa proximida<strong>de</strong>,<br />

os médicos aumentaram seu prestígio e autorida<strong>de</strong>, o que os <strong>de</strong>ixou mais influentes a respeito<br />

<strong>de</strong>stes assuntos, constituindo-se uma aliança entre eles e as <strong>mães</strong> que passaram a ser suas<br />

interlocutoras, suas assistentes, suas enfermeiras. Segundo Badinter, “a vigilância materna<br />

esten<strong>de</strong>-se <strong>de</strong> maneira ilimitada. Não há hora do dia ou da noite em que a mãe não cui<strong>de</strong><br />

carinhosamente <strong>de</strong> seu filho” 103 . No entanto, o que temos é um discurso médico e homogêneo<br />

103 BADINTER, op. cit., p. 210.<br />

60


que coloca essa relação mãe-médico como <strong>de</strong> perfeita cumplicida<strong>de</strong>, o que, ao analisarmos as<br />

memórias <strong>de</strong> nossas entrevistadas, não proce<strong>de</strong> igualmente.<br />

MEDICINA<br />

Freqüentava<br />

médico na<br />

gravi<strong>de</strong>z<br />

Parto<br />

Lugar on<strong>de</strong><br />

ocorreram os<br />

partos<br />

Levava os filhos<br />

ao pediatra<br />

Entrevista 1 Sim Cesariana Hospital Sim<br />

Entrevista 2 Sim Cesariana Hospital Sim<br />

Entrevista 3 Sim Normal<br />

Casa (com médico)<br />

e Hospital<br />

Entrevista 4 Sim Normal Hospital Sim<br />

Entrevista 5 Sim Cesariana Hospital Sim<br />

Entrevista 6 Sim<br />

Entrevista 7 Sim<br />

Normal (primeiro<br />

com fórceps)<br />

Normal (primeiro<br />

com fórceps)<br />

Sim<br />

Hospital Sim<br />

Hospital Sim<br />

Como é possível observar em nossa tabela, todas revelaram uma freqüência em<br />

consultas médicas tanto na gravi<strong>de</strong>z quanto no cuidado com os filhos. Parteiras, curan<strong>de</strong>iros<br />

ou benze<strong>de</strong>iros não aparecem mais como no passado 104 . Nossas entrevistadas revelam a<br />

confiança nos médicos para garantir a saú<strong>de</strong> dos bebês, como o profissional, e são gratas a<br />

aqueles que as ajudaram no momento em que tiveram seus filhos ou, como a entrevistada 3,<br />

ao <strong>de</strong>scobrir que sua médica havia colocado DIU sem o seu conhecimento após seu oitavo<br />

filho:<br />

“Mas ela nunca me disse o que ela tinha feito, o que ela tinha posto...daí um dia, olhando,<br />

assim, a minha ficha, eu disse: ‘A doutora, ela me pôs o DIU, né?!’...ela disse: ‘Foi, foi o<br />

DIU que eu te coloquei’...fiquei 22 anos com o DIU...Nossa, mas essa médica foi muito boa<br />

pra mim...” (sic.)<br />

Apesar <strong>de</strong> possuírem confiança e, algumas até mesmo manifestarem gratidão,<br />

<strong>de</strong>stacamos relatos em que nossas entrevistadas não possuem lembranças tão boas <strong>de</strong> seus<br />

médicos <strong>de</strong>vido a erros que cometeram, o que causou sofrimentos tanto físicos quanto<br />

104 MARTINS, op. cit.<br />

61


emocionais. Um exemplo disso observamos com a entrevistada 1, ao revelar os problemas<br />

com um dos seus médicos na sua primeira gravi<strong>de</strong>z:<br />

“Quando eu tava <strong>de</strong> sete meses, eu escrevi pra minha médica no Rio pra dizer que eu queria<br />

ter o neném aqui [no Brasil]...e [ela] falou que tudo bem, mas que era pra eu mandar meus<br />

exames...e eu não tinha feito nenhum exame, achava que era algum engano...quer dizer, eu<br />

com sete meses <strong>de</strong> gravi<strong>de</strong>z e ele [o médico que aten<strong>de</strong>u ela na Colômbia] nunca tinha feito<br />

nenhum exame!” (sic.)<br />

Na entrevista 6 também temos uma narrativa <strong>de</strong> problemas com médicos, <strong>de</strong>sta vez no<br />

pós-parto da entrevistada:<br />

“Eu achava que ia morrer ali. Depois a recuperação foi muito difícil. Emendou vagina com<br />

ânus, rasgou por <strong>de</strong>ntro e por fora. O períneo rompeu tudo e ele [o médico] não fez na hora<br />

o que tinha que ser feito. Depois que ele [o filho] nasceu eu fiquei uma semana no hospital,<br />

mal, eu não podia levantar da cama. Aqui em casa começou a luta, porque eu tinha um mau<br />

cheiro, parecia que eu estava podre. Ele me examinava, entrava no quarto com um sobrinho,<br />

um moço, e eu não tinha liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> contar o que eu estava sentindo. Depois da licença<br />

maternida<strong>de</strong> eu via que eu não podia andar. Tinha muitas dores por baixo. [...]. Eu não voltei<br />

mais nesse médico que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> criança me atendia. Eu procurei um outro, que também era<br />

antigo na cida<strong>de</strong> e quando me aten<strong>de</strong>u ele disse para a minha mãe que eu não podia mais<br />

levantar a criança e nem uma chaleira <strong>de</strong> água, porque ia sair tudo, eu estava com o útero e<br />

a bexiga quase saindo. Uma semana <strong>de</strong>pois eu estava sendo operada.<br />

Fiz uma plástica.” (sic.)<br />

Dessa forma, afirmamos que mesmo com uma relação mais próxima e com o respeito<br />

que <strong>de</strong>dicavam a esses profissionais, as mulheres não possuíam total confiança nos médicos<br />

ou um relacionamento que possibilitasse conversas tão francas, como observamos acima.<br />

Essas mulheres refletiam sobre a sua importância, mas, acima <strong>de</strong> tudo, sobre os males que<br />

eles causaram.<br />

Martins ainda <strong>de</strong>staca em sua análise das entrevistadas da geração anterior a<br />

velocida<strong>de</strong> da narrativa quando elas falavam da gravi<strong>de</strong>z e do parto: “[...] são os assuntos<br />

62


narrados com frases mais curtas, sem <strong>de</strong>talhes, bem como a relação com as <strong>mães</strong>” 105 . Da<br />

mesma forma, nossas entrevistadas não apresentam muitos <strong>de</strong>talhes do período em que<br />

estavam grávidas, explicando com poucas frases como “não lembro”, “passou tão rápido”,<br />

“foi tudo normal”, como a entrevistada 7:<br />

“A gravi<strong>de</strong>z foi excelente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo, muito boa, querendo esta criança, foi maravilhoso,<br />

já sabia que era menino.” (sic.)<br />

Muitas vezes misturam acontecimentos, não ficando claro <strong>de</strong> qual gravi<strong>de</strong>z estavam<br />

falando. Mas no geral as respostas remetem para as experiências vividas com o primeiro filho.<br />

Com relação ao parto, temos explicações mais <strong>de</strong>talhadas daquelas que tiveram alguma<br />

enfermida<strong>de</strong> ou um parto mais difícil, como a entrevistada 2:<br />

“O primeiro parto foi difícil... Eu tive uma pré-eclâmpsia...Então eu fiquei sem andar, sem<br />

enxergar...foram alguns dias...mas em relação ao bebê nada, graças a Deus... taí um<br />

homão...” (sic.)<br />

As lembranças relacionadas à amamentação se apresentam da mesma forma, havendo<br />

mais esclarecimento quando o evento foi marcado por alguma interrupção. É o caso da<br />

entrevistada 1. Na amamentação dos dois filhos se viu obrigada a secar seu leite, <strong>de</strong>vido a<br />

uma viagem e ao ciúme do marido, construindo uma memória mais particularizada <strong>de</strong>ssa<br />

experiência. As <strong>de</strong>mais apenas esclareceram se conseguiram amamentar ou não, sugerindo<br />

uma naturalização <strong>de</strong>ste ato. Além disso, <strong>de</strong>vemos ressaltar a freqüência que essas mulheres<br />

“secavam o leite”, mostrando que a amamentação não representava ser tão importante para as<br />

<strong>mães</strong> e para as crianças como vemos hoje em campanhas pela valorização do leite materno,<br />

apesar <strong>de</strong> termos informações sobre a existência <strong>de</strong> tais campanhas no período 106 .<br />

Para elas, tanto a gravi<strong>de</strong>z, quanto o parto e a amamentação são acontecimentos<br />

normais e naturais, não sendo carregados <strong>de</strong> emoções fortes. No entanto, ao falarem da<br />

criança nascida e das experiências vivenciadas (como por exemplo a morte <strong>de</strong> seu filho recém<br />

nascido, caso da entrevistada 3, ou dois abortos feitos, caso da entrevistada 7), notamos uma<br />

105 MARTINS, op. cit., p. 10.<br />

106 Como as campanhas feitas pelas entida<strong>de</strong>s filantrópicas. Ver capítulo dois: O “mito da maternida<strong>de</strong>” e as<br />

políticas maternalistas.<br />

63


iqueza <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes e muitas vezes relatos emocionados, exaltando a importância das crianças<br />

em suas vidas.<br />

“Foi difícil, para mim nada foi bom. Eu vi tudo escuro, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o casamento. Eu não estava<br />

preparada, eu não queria aquele casamento. Eu não me arrumei para aquele casamento, eu<br />

não queria o casamento. Eu não queria fazer o meu pai e a minha mãe sofrerem. Era muito<br />

cedo, eu não sabia nada, não conhecia nada. Eu queria estudar, queria trabalhar. Eu não<br />

aceitei aquela criança, não queria ter aquela criança [...]. Eu não aceitava nada, nada estava<br />

bom para mim, porque eu não queria ter tirado a criança, foi tudo errado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo.<br />

Eu tive que tirar porque não estava preparada, mas eu não queria ter tirado a criança [...].<br />

Eu via isso como um pecado, mas tinha que ser feito. E <strong>de</strong>pois muita seqüela ficou na minha<br />

MATERNIDADE Primeiro<br />

filho<br />

Entrevista 1<br />

Entrevista 2<br />

Entrevista 3<br />

Entrevista 4<br />

Entrevista 5<br />

Entrevista 6<br />

Entrevista 7<br />

1 ano <strong>de</strong><br />

casada<br />

2 anos <strong>de</strong><br />

casada<br />

3 anos <strong>de</strong><br />

casada<br />

1 ano <strong>de</strong><br />

casada<br />

1 ano <strong>de</strong><br />

casada<br />

2 anos <strong>de</strong><br />

casada<br />

Casou<br />

grávida<br />

cabecinha [...].” (sic.) (Entrevista 7)<br />

Quantos filhos Amamentação<br />

Como criou os<br />

filhos<br />

2 Secou o leite Com o marido<br />

3 Não tinha leite<br />

Com a mãe<br />

(marido ausente)<br />

7 e um falecido Sim Com o marido<br />

3 e um aborto<br />

espontâneo<br />

Pouco leite<br />

Com o marido<br />

(mas o consi<strong>de</strong>ra<br />

ausente)<br />

4 Sim Com o marido<br />

2 e um aborto<br />

espontâneo<br />

2 e dois abortos<br />

feitos e alguns<br />

espontâneos<br />

Não muito (no primeiro<br />

não tinha leite e no<br />

segundo secou)<br />

Secou o leite<br />

Com o marido e<br />

com a ajuda da<br />

mãe<br />

Com ajuda <strong>de</strong><br />

empregadas<br />

A maternida<strong>de</strong> não é vista como uma obrigação da mulher, como notamos na geração<br />

anterior. Nossas entrevistadas <strong>de</strong>sejaram ser <strong>mães</strong>, <strong>de</strong>monstraram uma certa ansieda<strong>de</strong> para ter<br />

64


um filho, sendo o primeiro o mais <strong>de</strong>sejado, os outros, muitas vezes, são fruto <strong>de</strong> <strong>de</strong>scuido ou<br />

por quererem outro filho <strong>de</strong> sexo distinto. Mesmo a entrevistada 7, que abortou duas vezes, ao<br />

relatar seu <strong>de</strong>sejo em ter o segundo filho e não conseguir <strong>de</strong>vido a abortos naturais, mostra-se<br />

frustrada e triste. Dessa forma, <strong>de</strong>sejando muito ser mãe, <strong>de</strong>screvem-se como <strong>mães</strong> zelosas,<br />

que procuraram sempre dar o melhor para seus filhos. Notamos que elas constroem uma auto<br />

representação positiva da maternida<strong>de</strong>, pois em todos os casos <strong>de</strong>monstram sentir orgulho <strong>de</strong><br />

seus filhos e acreditam ter feito um bom trabalho, conseguiram educá-los in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />

estar sempre presentes ou não.<br />

Já não vemos a mesma reação quando tratamos do casamento, tanto a cerimônia em si<br />

quanto sobre a vida <strong>de</strong> casal. Ao comentarem sobre a fase <strong>de</strong> namoro, quando conheceram<br />

seus futuros maridos e ex-maridos, também observamos que os <strong>de</strong>talhes são escassos, sendo<br />

somente algumas vezes mais citado quando se divorciaram dos homens com quem se<br />

relacionaram. Mais uma vez, temos mais informação dos maridos quando estes estão<br />

associados aos filhos, ao tratarem sobre a criação e a educação das crianças.<br />

CASAMENTO<br />

Casou com o<br />

primeiro<br />

namorado<br />

Com quantos<br />

anos casou<br />

No civil e no religioso Houve<br />

festa<br />

Estado<br />

civil atual<br />

Entrevista 1 Não 20 Sim Sim Casada<br />

Entrevista 2 Não 17 Sim Sim Divorciada<br />

Entrevista 3 Sim 17 Sim Sim Casada<br />

Entrevista 4 Sim 19<br />

Primeiro no civil e<br />

<strong>de</strong>pois no religioso<br />

Não Casada<br />

Entrevista 5 Não 20 Sim Sim Casada<br />

Entrevista 6 Sim 20 Sim Sim Casada<br />

Entrevista 7 Não 21 - - Divorciada<br />

Outro <strong>de</strong>talhe ao nos referirmos ao casamento é a ocorrência <strong>de</strong> divórcios. Mesmo<br />

estes não acontecendo no período analisado, nos <strong>de</strong>paramos com mulheres propensas a se<br />

estabelecer sozinhas, criando os filhos e trabalhando para o seu sustento, fato que começou a<br />

65


aparecer e ser aceito socialmente, como nos mostra Hobsbawm, nos anos 60, com o <strong>de</strong>clínio<br />

da chama “família nuclear” 107 .<br />

Assim, começamos a enten<strong>de</strong>r melhor a geração <strong>de</strong> mulheres que nos propormos a<br />

analisar. São mulheres essencialmente <strong>mães</strong>, tratam das suas memórias maternas com muito<br />

cuidado e emoção, principalmente quando as lembranças trazem sofrimento. Sua criação foi<br />

voltada para assumir esse papel e suas escolhas, como o casamento, e suas preocupações têm<br />

uma finalida<strong>de</strong>: mais cedo ou mais tar<strong>de</strong> teriam que ser <strong>mães</strong>, e, <strong>de</strong>ssa forma, seriam<br />

<strong>de</strong>dicadas a isso.<br />

“Para mim mãe é tudo. É uma palavra sublime. Mãe é uma coisa intocável, sublime,<br />

não eu, mas todas as <strong>mães</strong>. Se tem algo que a gente tem que venerar, tem que adorar, tem que<br />

admirar, respeitar, essa pessoa é a mãe, não é o pai. A mãe está guardada, para mim, <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong> uma peça <strong>de</strong> ouro.” (sic.) (Entrevista 7)<br />

No entanto, essas mulheres não são somente <strong>mães</strong>. Ao nos <strong>de</strong>pararmos com uma certa<br />

in<strong>de</strong>pendência em relação aos maridos, também notamos que essas mulheres se vêem mais<br />

preocupadas com suas carreiras profissionais, vivenciando a experiência <strong>de</strong> trabalhar fora <strong>de</strong><br />

casa; mesmo que nem todas tenham continuado a trabalhar após o casamento. Nesse sentido,<br />

observamos como os filhos têm importância em suas vidas, uma vez que a maternida<strong>de</strong> foi a<br />

maior causa do abandono <strong>de</strong> seus empregos, pois, segundo elas, eles eram a priorida<strong>de</strong> em<br />

suas vidas. O caso mais interessante é da entrevistada 5. Mesmo não precisando trabalhar – o<br />

marido tinha condições <strong>de</strong> sustentar a casa sozinho – fez questão <strong>de</strong> continuar com o<br />

emprego, conciliando sua vida profissional e os filhos:<br />

“...porque teve uma época, assim, que você tinha problemas com empregada...que não<br />

parava, que trocava um monte...um dia minha cunhada disse: ‘Você fica <strong>de</strong>ixando essas<br />

criança na mão <strong>de</strong> empregada...o que que vão dar essas crianças?’...porque eu ficava o dia<br />

inteiro fora <strong>de</strong> casa...e eu digo: ‘Se vão dá bandido, só <strong>de</strong>pois, mais tar<strong>de</strong>, pra gente saber!<br />

...agora, eu não vou <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> trabalhar, porque foi uma opção que eu fiz...eu não vou <strong>de</strong>ixar<br />

107 HOBSBAWM, op. cit.<br />

<strong>de</strong> trabalhar...’ Eu optei por isso...então...” (sic.)<br />

66


Para aquelas que persistiram em seus empregos, observamos a importância da licença<br />

maternida<strong>de</strong> e das leis <strong>de</strong> proteção à maternida<strong>de</strong> para a conciliação dos dois papéis, sendo<br />

<strong>de</strong>stacado por todas aquelas que <strong>de</strong>sse benefício fizeram uso, como po<strong>de</strong>mos ver na tabela<br />

abaixo:<br />

TRABALHO<br />

Trabalho<br />

da<br />

infância<br />

Ida<strong>de</strong> que<br />

começou a<br />

trabalhar<br />

Trabalhou<br />

após o<br />

casamento<br />

Parou <strong>de</strong><br />

trabalhar após<br />

os filhos<br />

Ainda trabalha<br />

Entrevista 1 Não - Sim Sim Não<br />

Entrevista 2 Não 13 Sim<br />

Não (tirou<br />

licença<br />

maternida<strong>de</strong>)<br />

Aposentada<br />

Entrevista 3 Sim 5 Sim Sim Sim<br />

Entrevista 4 Não 14 Não - Não<br />

Entrevista 5 Não 11 Sim<br />

Entrevista 6 - 17 Sim<br />

Entrevista 7 Não 13 Sim<br />

3.3. Análise<br />

Não (tirou<br />

licença<br />

maternida<strong>de</strong>)<br />

Não (tirou<br />

licença<br />

maternida<strong>de</strong>)<br />

Não (tirou<br />

licença<br />

maternida<strong>de</strong>)<br />

Aposentada<br />

Aposentada<br />

Aposentada,<br />

mas ainda<br />

trabalha<br />

Sabemos que a partir do final do século XVIII o “mito da maternida<strong>de</strong>” foi construído,<br />

modificando a imagem da mãe, seu papel e sua importância. Através das mais diversas<br />

publicações nota-se como a vida das mulheres passou a ser <strong>de</strong>finida pela maternida<strong>de</strong>,<br />

ressaltando o instinto materno e o amor espontâneo <strong>de</strong> toda mãe pelo seu filho. Apesar <strong>de</strong> não<br />

ser um conceito novo, o amor materno passou a ser exaltado como um valor natural e social,<br />

favorável à espécie, à socieda<strong>de</strong> e ao Estado. Assim, o que se sublinhava nos diferentes<br />

discursos era a sobrevivência da criança e para isso foi necessário um trabalho <strong>de</strong><br />

67


a<strong>de</strong>stramento das <strong>mães</strong>. Essa não foi uma tarefa fácil. Segundo Elisabeth Badinter foram<br />

necessários três discursos distintos – um econômico, outro filosófico e o último dirigido<br />

diretamente às mulheres – para que o convencimento da naturalida<strong>de</strong> do amor materno e para<br />

exaltação <strong>de</strong>ste sentimento 108 . Dessa forma, vemos o surgimento do discurso maternalista e as<br />

bases para as políticas públicas que visam as <strong>mães</strong> e as crianças.<br />

A imagem <strong>de</strong> mãe que tais discursos passam a exaltar é a da mulher <strong>de</strong>dicada e<br />

preocupada exclusivamente com seus filhos, sacrificando seus <strong>de</strong>sejos pessoais e restringindo<br />

sua liberda<strong>de</strong> em favor da liberda<strong>de</strong> do filho. O papel social das mulheres muda, assim como<br />

sua relação com seu corpo e seu filho: observamos uma crescente preocupação com a higiene<br />

e a saú<strong>de</strong> das crianças, iniciando com os cuidados com o corpo na gravi<strong>de</strong>z, havendo<br />

alimentação diferenciada, exercícios para mulheres grávidas, entre outros.<br />

Com o “mito da maternida<strong>de</strong>”, a mulher passa a ser essencialmente mãe e, <strong>de</strong>sse<br />

modo, fica restrita ao lar, uma vez que precisa cumprir com suas obrigações e não po<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>scuidar <strong>de</strong> sua prole. Esse discurso pouco se altera ao longo do tempo, ampliando-se para<br />

um número maior <strong>de</strong> mulheres. No século XX, essa exaltação torna-se ainda maior com o<br />

combate mais organizado à mortalida<strong>de</strong> infantil e as preocupações <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m político-<br />

<strong>de</strong>mográfica e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, surgindo políticas voltadas à infância na Europa e na América, em<br />

torno <strong>de</strong> um discurso maternalista em <strong>de</strong>fesa da mãe e da criança e estabelecendo uma política<br />

<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e assistência social, envolvendo vários grupos sociais, entre eles, médicos,<br />

filantropos e mulheres ativistas. No Brasil a situação não foi distinta. Como já tratado, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

os anos 1920 e 1930 o maternalismo esteve presente no Brasil, tendo o Estado Novo (1937-<br />

1945) <strong>de</strong>staque nesse sentido. Seguindo a linha <strong>de</strong> outros países, o governo brasileiro passou a<br />

se preocupar com o <strong>de</strong>senvolvimento das crianças como um assunto <strong>de</strong> Estado. Além da<br />

legislação, surgiram órgãos públicos e instituições benemerentes visando principalmente<br />

aten<strong>de</strong>r as <strong>mães</strong> mais pobres juntamente com seus filhos.<br />

Juntamente com a valorização da maternida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vemos <strong>de</strong>stacar que no final da<br />

década <strong>de</strong> 1950 e início da <strong>de</strong> 1960 o Brasil vivencia um momento <strong>de</strong> incentivo ao projeto <strong>de</strong><br />

industrialização <strong>de</strong> bens <strong>de</strong> consumo e, com o crescimento do setor terciário e a urbanização,<br />

um aumento no número <strong>de</strong> vagas nos setores administrativo, financeiro e educacional, área<br />

que empregava a mão-<strong>de</strong>-obra feminina. Com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conciliação <strong>de</strong> trabalho e<br />

ativida<strong>de</strong>s domésticas, a imagem que passa a ser veiculada é da mulher mo<strong>de</strong>rna, aquela que é<br />

esposa, mãe e trabalhadora, ou seja, uma pessoa <strong>de</strong>sdobrável. “No processo <strong>de</strong> formação <strong>de</strong>sta<br />

108 BADINTER, op. cit., p. 148.<br />

68


nova mulher a educação teve um importante papel, principalmente para as mulheres <strong>de</strong><br />

camadas médias urbanas, que viram em alguns cursos secundários a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

profissionalização e <strong>de</strong> acesso às universida<strong>de</strong>s, muito embora o casamento fosse o i<strong>de</strong>al mais<br />

divulgado” 109 . Além <strong>de</strong> ser uma escolha profissional, o magistério foi a escolha mais<br />

freqüente das mulheres porque possibilitava a elas que continuassem a exercer o papel <strong>de</strong><br />

dona <strong>de</strong> casa concomitantemente à entrada no mercado <strong>de</strong> trabalho.<br />

Essa mulher mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong>sdobrável não po<strong>de</strong>ria ser mais inativa e submissa, quebrando<br />

com padrões <strong>de</strong> comportamento antigos, que não condiziam com os novos tempos,<br />

incentivando a nova mulher mo<strong>de</strong>rna a ser mais dinâmica a serviço da coletivida<strong>de</strong>. Assim se<br />

estimulava a mudança para uma individualização e in<strong>de</strong>pendência feminina. Entretanto, ao<br />

mesmo tempo, ocorria uma manutenção da concepção tradicional e conservadora da mulher,<br />

ou seja, por mais que a mulher <strong>de</strong>vesse se profissionalizar, o que a tornava mo<strong>de</strong>rna, não<br />

po<strong>de</strong>ria se afastar dos <strong>de</strong>veres específicos <strong>de</strong> sua natureza feminina com o casamento e com<br />

os futuros filhos.<br />

Nesse período observamos uma ampliação na escolarização das mulheres. Além da<br />

Escola Normal, muitas <strong>de</strong>las passaram a ingressar no ensino superior, po<strong>de</strong>ndo escolher<br />

qualquer curso, apesar <strong>de</strong> que a maioria optasse por cursos voltados ao magistério. No<br />

entanto, Martins ressalta que essa educação era vista <strong>de</strong> forma utilitarista “[...] na qual a<br />

profissionalização e a carreira não estavam em primeiro plano, mas sim uma a<strong>de</strong>quação das<br />

exigências dos novos tempos com a i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong> gênero, ou seja, futuras <strong>mães</strong> e donas <strong>de</strong> casa<br />

melhor treinadas para exercer suas funções naturais e morais” 110 . Mesmo as mulheres que<br />

saíam do curso Normal e buscavam um curso superior, acreditavam que estas escolhas<br />

profissionais estavam voltadas para o que futuramente seriam: esposas e <strong>mães</strong>, portanto, por<br />

mais instruída que a mulher fosse, sua priorida<strong>de</strong> ainda era o casamento.<br />

“A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolher livremente o que fazer, numa época em que as interdições sociais às<br />

mulheres eram imensas, tornava-se insuportável numa socieda<strong>de</strong> que até então tinha como um dos seus<br />

sustentáculos a divisão das esferas pública e privada, com as mulheres no lar cuidando dos filhos e<br />

esperando pelo regresso <strong>de</strong> seus guerreiros-maridos. A mo<strong>de</strong>rnização das relações econômicas e sociais<br />

era bem vista pela maioria das pessoas informadas no país, contudo quando se tratava das relações <strong>de</strong><br />

gênero havia limites imediatamente acionados pelos <strong>de</strong>fensores da or<strong>de</strong>m e da moral. A formação<br />

intelectual das mulheres já não era mais motivo para escândalos e reprovações, mas suas atitu<strong>de</strong>s em<br />

público <strong>de</strong>viam se pautar pelo recato, pudor e modéstia, as tão enaltecidas virtu<strong>de</strong>s do belo sexo.” 111 .<br />

109 MARTINS, “Um lar em terra estranha...”, p. 31.<br />

110 I<strong>de</strong>m, p. 35.<br />

111 I<strong>de</strong>m, p. 39.<br />

69


Outra situação que essa geração <strong>de</strong> mulheres viveu é, juntamente com sua saída da<br />

esfera privada, a convivência com homens na esfera pública, freqüentando lugares e<br />

adquirindo hábitos antes consi<strong>de</strong>rados masculinos. A mulher subordinada, frágil, pura, doce e<br />

recatada, ou seja, o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> mulher socialmente valorizado passa a ser questionado<br />

inconscientemente com sua escolarização, entrada no mercado <strong>de</strong> trabalho e convivência com<br />

outros homens, no entanto, a importância do seu papel <strong>de</strong> mãe e esposa continuava sendo<br />

gran<strong>de</strong>: “[...] a plena realização da mulher se dava no casamento [...] porque somente através<br />

<strong>de</strong>le a mulher cumpriria sua finalida<strong>de</strong> biológica mais sublime: a maternida<strong>de</strong>” 112 .<br />

Sendo um momento <strong>de</strong> expansão da industrialização e do consumo, o mo<strong>de</strong>rno é<br />

criado como um sinônimo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico, logo, a mulher mo<strong>de</strong>rna não era<br />

<strong>de</strong>finida pelo o que ela era, mas sim pelo que possuía ou tinha condições <strong>de</strong> comprar.<br />

Portanto, essa nova mulher continuava a ser como antes, tradicional e conservadora, tendo<br />

que seguir um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> regras <strong>de</strong> conduta condizentes com sua função. Como afirma<br />

Martins: “A referência principal continuava a ser a esfera doméstica e trabalho e educação<br />

pareciam acessórios, sendo o casamento o verda<strong>de</strong>iro horizonte para as mulheres”. 113<br />

Partindo disso, buscamos enten<strong>de</strong>r a auto representação <strong>de</strong> mulheres através das<br />

experiências e das memórias que vivenciaram esse momento <strong>de</strong> saída da esfera doméstica<br />

para outros domínios sociais. Assim, por meio das entrevistas, pu<strong>de</strong>mos observar <strong>de</strong> que<br />

forma isso se <strong>de</strong>u, uma vez que o discurso maternalista, o discurso <strong>de</strong> mulher i<strong>de</strong>al e as<br />

necessida<strong>de</strong>s exigidas <strong>de</strong> uma nova mulher estiveram presentes na prática.<br />

Nossas entrevistadas, mesmo que inconscientemente, são mulheres que ainda<br />

carregam a i<strong>de</strong>ologia maternalista <strong>de</strong> se <strong>de</strong>dicar ao filho e à família, sendo a única responsável<br />

pelo bem estar <strong>de</strong>stes e tendo os seus a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma atenção especial por parte <strong>de</strong>las.<br />

São mulheres que tiveram uma educação tradicional, criadas por suas <strong>mães</strong> (em geral donas<br />

<strong>de</strong> casa), e tendo a figura paterna como o trabalhador, o sustentáculo da casa. Em sua maioria<br />

tiveram oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudar e trabalhar, exercendo profissões condizentes com seu papel<br />

feminino. Além disso, essas mulheres atuaram na vida e na formação dos filhos <strong>de</strong> uma forma<br />

mais presente que o pai/marido, por mais presente que ele fosse, abrindo mão <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>sejos<br />

e sonhos para a criação dos filhos. Dessa forma, as <strong>mães</strong> <strong>de</strong>screvem os cuidados que tiveram<br />

com a saú<strong>de</strong>, a educação e o bem-estar das crianças, como ensinaram valores para elas,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do pai.<br />

112 MARTINS, op. cit., p. 45.<br />

113 I<strong>de</strong>m, p. 50.<br />

70


As narrativas são construídas a partir da criança, pois quando se recupera a memória<br />

da maternida<strong>de</strong>, elas são a peça chave para as <strong>mães</strong>. Eventos marcantes, sejam alegres ou não,<br />

são reavivados pela lembrança através dos filhos e não unicamente por serem suas<br />

experiências. Por mais difícil que tenha sido o casamento, que a gravi<strong>de</strong>z tenha ocorrido <strong>de</strong><br />

forma complexa ou tenham enfrentado diversos problemas durante toda a experiência da<br />

maternida<strong>de</strong>, tudo para elas valeu a pena, pois acreditam, vendo seus filhos crescidos e,<br />

segundo elas, bem sucedidos, que seu trabalho foi bem feito e recompensado. Ou seja, hoje se<br />

consi<strong>de</strong>ram pessoas realizadas porque foram <strong>mães</strong>.<br />

Entretanto, estamos lidando com uma geração <strong>de</strong> transição, por mais <strong>de</strong>dicadas que<br />

fossem ao papel materno, elas vivenciaram experiências distintas da geração anterior. Além<br />

do trabalho assalariado, como já tratado anteriormente, essas mulheres fizeram escolhas<br />

quanto ao número <strong>de</strong> filhos que <strong>de</strong>sejavam, contando com diferentes métodos para evitar a<br />

gravi<strong>de</strong>z. Também notamos um aumento no nível <strong>de</strong> instrução e <strong>de</strong> preocupação com os<br />

estudos, o que remete a uma mulher que não se contentava apenas com os limites <strong>de</strong> sua casa,<br />

mas que almejava in<strong>de</strong>pendência e outros papéis além <strong>de</strong> ser mãe. Portanto, nos <strong>de</strong>paramos<br />

com “<strong>mães</strong> <strong><strong>de</strong>sdobráveis</strong>”, mulheres que foram esposas, <strong>mães</strong> e profissionais.<br />

Dessa forma, encontramos narrativas acentuadamente ambíguas, talvez pelo momento<br />

impreciso que experimentaram a maternida<strong>de</strong>. Juntamente com o contexto <strong>de</strong> mudanças cujas<br />

experiências são contemporâneas, suas memórias são construídas no presente, com o<br />

entendimento que elas têm hoje <strong>de</strong> sua experiência materna. Portanto, ao passo que temos<br />

<strong>mães</strong> super zelosas e orgulhosas <strong>de</strong> suas proles, também encontramos opiniões e conselhos<br />

sobre o quão difícil é ter um filho e que, se fosse hoje, pensariam antes <strong>de</strong> casar e engravidar<br />

tão jovens. Perguntado sobre o que significava ser mãe, a entrevistada 1 assim nos respon<strong>de</strong>u:<br />

“Eu acho que é...eu acho que é...ser mãe é quando você se entrega mas não se anula...<br />

E é difícil...mas...amar os filhos muito, loucamente...mas nunca acima <strong>de</strong> você...<br />

Você passa os filhos na frente <strong>de</strong> você, claro...durante a vida...mas eu acho que se<br />

você pu<strong>de</strong>r...se preparar pro <strong>de</strong>pois...que eles vão crescer...e não cobrar o resto da vida pra<br />

eles ficarem junto...cadê eles, cadê eles? Eu acho que você tem que ter<br />

uma ocupação...nem que seja tricô...vá fazer tricô, mas <strong>de</strong>ixa eles viverem a vida<br />

<strong>de</strong>les...é muito importante... e pra você se preparar...você tem que gostar <strong>de</strong> você, né?! Tem<br />

que gostar <strong>de</strong> você... Porque eles não vão <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> viver a vida <strong>de</strong>les pra viver a sua vida,<br />

né?! Eu acho que tem que se <strong>de</strong>dicar...eu me <strong>de</strong>diquei muito...mas não ao ponto <strong>de</strong> me<br />

71


sacrificar...ou ficar exausta, ou cansada...porque...eles não vão po<strong>de</strong>r fazer o mesmo por<br />

mim...” (sic.)<br />

Por mais que o “mito da maternida<strong>de</strong>” permeie as narrativas <strong>de</strong> nossas entrevistadas, é<br />

possível notar nas entrelinhas, na fala entrecortada por suspiros ou lembranças incômodas,<br />

que a maternida<strong>de</strong> não tem um único roteiro; que a maternida<strong>de</strong> é uma experiência <strong>de</strong>finida<br />

por lugares e situações muito distintos para cada geração <strong>de</strong> mulheres e também para cada<br />

mulher individualmente. Dessa forma, enten<strong>de</strong>mos a maternida<strong>de</strong> como um processo<br />

apreendido e <strong>de</strong>limitado por questões sociais, históricas e culturais, não se tratando, portanto,<br />

<strong>de</strong> uma experiência única, natural ou mesmo homogênea para as mulheres.<br />

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CONCLUSÃO<br />

Ao realizar esta pesquisa monográfica confirmamos que nosso objeto se tratava <strong>de</strong><br />

uma geração <strong>de</strong> transição, mulheres inseridas em um contexto <strong>de</strong> mudanças sócio-culturais<br />

importantes para elas e para as relações <strong>de</strong> gênero. Manifestações pelos direitos das mulheres,<br />

<strong>de</strong>mocratização no ingresso nas universida<strong>de</strong>s, inovações médicas e tecnológicas, novos<br />

arranjos familiares, permitiram uma maior possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação e <strong>de</strong> auto-representação<br />

feminina. Dessa forma, entre o término da Segunda Guerra Mundial e os anos 60 e 70,<br />

encontramos uma nova configuração <strong>de</strong> maternida<strong>de</strong> que nesta pesquisa <strong>de</strong>nominamos <strong>de</strong><br />

“<strong>mães</strong> <strong><strong>de</strong>sdobráveis</strong>”.<br />

As entrevistas que realizamos revelam fatos marcantes do cotidiano, histórias<br />

engraçadas e, acima <strong>de</strong> tudo, o que foi lembrado – e consi<strong>de</strong>rado importante – para se tornar a<br />

expressão <strong>de</strong> suas experiências. Encontramos lembranças <strong>de</strong> infâncias cercadas por<br />

brinca<strong>de</strong>iras e pela presença da mãe; namoros adolescentes que repercutiram em casamento;<br />

experiências como trabalhadoras assalariadas, fosse por necessida<strong>de</strong> ou por escolha própria;<br />

revelações sobre seus estudos e os sonhos que estes po<strong>de</strong>riam vir a realizar; preparativos para<br />

o casamento e a chegada dos primeiros filhos; o tão cantado amor materno e sua <strong>de</strong>dicação<br />

para não <strong>de</strong>ixar que nada <strong>de</strong> errado acontecesse na criação dos filhos; casamentos <strong>de</strong>sfeitos;<br />

filhos se <strong>de</strong>senvolvendo; expectativas e frustrações; novas experiências como avós; ou seja,<br />

ao propormos investigar as experiências da maternida<strong>de</strong> com essas mulheres, abrimos a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dar voz e visibilida<strong>de</strong> às suas experiências.<br />

Observamos que são mulheres que reproduzem os i<strong>de</strong>ais do mito da maternida<strong>de</strong>, são<br />

indivíduos que se <strong>de</strong>finem acima <strong>de</strong> tudo como mulheres-<strong>mães</strong>, tendo a responsabilida<strong>de</strong><br />

exclusiva nos cuidados com os filhos, cabendo a elas a <strong>de</strong>cisão da melhor forma <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r.<br />

Neste sentido narram como adquiriram conhecimentos e a experiência <strong>de</strong> cuidar dos filhos, o<br />

que muitas vezes mostra que as necessida<strong>de</strong>s da criança estavam acima das da mãe.<br />

Entretanto, vemos mulheres que, sem outras referências para se pautar, tentaram ser mais que<br />

<strong>mães</strong>: trabalharam, estudaram e tomaram <strong>de</strong>cisões, não havendo um total domínio da figura<br />

masculina em suas vidas.<br />

As memórias maternas ainda são escassas quando comparadas aos registros sobre<br />

maternida<strong>de</strong> e infância produzidos por médicos e especialistas. Temos um discurso autorizado<br />

pela ciência que apresenta a recepção do discurso maternalista como sendo comum a todas as<br />

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mulheres. Através da história oral encontramos narrativas da diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> práticas e da<br />

multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sentimentos e não uma experiência passiva, sentimental e homogênea. Por<br />

esta razão concordamos com Martins ao afirmar que “a recuperação <strong>de</strong>sta memória é<br />

importante não só pelo registro <strong>de</strong> uma outra perspectiva, a das mulheres que foram <strong>mães</strong>,<br />

mas também pela confrontação <strong>de</strong> ambas, pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se conhecer o que significou<br />

para as mulheres a maternida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> que forma e em que condições foram <strong>mães</strong>, que influência<br />

tiveram as idéias, os valores e as teorias dos especialistas sobre suas práticas” 114 .<br />

Concluímos, então, a importância <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> abordagem histórica para o<br />

entendimento <strong>de</strong> um período e uma problemática específicos. Nossa pesquisa nos mostra que<br />

as mulheres estavam iniciando uma outra trajetória subjetiva e ao mesmo tempo coletiva na<br />

qual a <strong>de</strong>pendência, a alienação e a submissão começavam a ser contestadas. Manifestações<br />

feministas e a promulgação <strong>de</strong> leis em favor dos direitos das mulheres como cidadãs e não<br />

somente <strong>mães</strong> comprovam isso. Mas observamos também que nossas entrevistadas mantêm<br />

valores antigos, revelando uma imagem romântica da maternida<strong>de</strong>, apesar <strong>de</strong> que,<br />

conscientemente, na prática isso não ocorresse <strong>de</strong> forma tão coerente com o imaginário. Por<br />

isso as consi<strong>de</strong>ramos representantes <strong>de</strong> uma geração <strong>de</strong> transição e as <strong>de</strong>nominamos “<strong>mães</strong><br />

<strong><strong>de</strong>sdobráveis</strong>”. Mesmo não sendo consi<strong>de</strong>rado o i<strong>de</strong>al para a mulher na época, este é o retrato<br />

que encontramos ao incentivarmos, através da metodologia da história oral, a evocação das<br />

memórias das experiências maternas.<br />

Além disso, outro aspecto importante a se sublinhar é que não po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar a<br />

história da maternida<strong>de</strong> através da oralida<strong>de</strong> como tendo um roteiro único. Cada mulher e<br />

cada geração <strong>de</strong> mulheres vivenciou situações distintas, em lugares diversos e experimentou<br />

sentimentos variados. Não buscamos em nenhum momento nesta pesquisa nem a<br />

singularida<strong>de</strong> do relato individual, nem a predominância <strong>de</strong> alguma estrutura ou <strong>de</strong> uma<br />

i<strong>de</strong>ologia sobre as representações e as práticas <strong>de</strong> nossas entrevistadas. Procuramos e<br />

percebemos através dos relatos as sutis articulações entre o domínio das subjetivida<strong>de</strong>s e das<br />

práticas e discursos sociais e institucionais.<br />

Enten<strong>de</strong>mos a multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> experiências não como um problema, mas como um<br />

ponto <strong>de</strong> partida para a compreensão das possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ação e também <strong>de</strong> reprodução<br />

social, o que as torna um objeto infinitamente rico e passível <strong>de</strong> análise. Por isso <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos<br />

que esta pesquisa po<strong>de</strong> ser não apenas uma contribuição à história das mulheres, mas também<br />

para a compreensão dos complexos processos da produção da memória e das subjetivida<strong>de</strong>s.<br />

114 MARTINS, “Memórias maternas...”, p. 3.<br />

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